Existe um país na Zona Euro, com uma dívida superior a 175% do seu PIB (Portugal 130%), com uma notação de «lixo» de todas as agências de
rating, país a quem em Abril de 2012 já foi perdoada mais de metade (53,5% ou 100 mil milhões) da sua dívida de então, e posteriormente em Dezembro desse ano feita uma recompra de dívida que a reduziu em mais 20,6 mil milhões.
Essa dívida, actualmente de 317 mil milhões, dos quais 2/3 detidos pelo European Financial Stability Facility com uma maturidade média de mais de 30 anos, tem nos mercados das obrigações a 10 anos um
yield de 9,3% (Portugal 2,4%), mas paga em média juros de 2,3%, inferiores aos de Portugal (3,9%) e até Alemanha (2,4%) – ou melhor pagaria se não tivesse uma moratória de 10 anos para os juros.
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Fonte; The Economist Espresso |
A maior parte dessa dívida tem ainda uma moratória de 10 anos para amortizações, o que lhe dá para a totalidade uma maturidade média de 16,5 anos dupla da Alemanha e da Itália (Portugal 12,5 anos) .
Esse país – a Grécia - tem uma carga fiscal total de 38,1% do PIB, inferior à média da Zona Euro (41,6%) e da Alemanha (39,7%) e estima-se que tenha a maior evasão fiscal de toda a EU. Quanto ao peso dos juros no PIB, veja-se no diagrama seguinte a sua leveza comparativamente com outros países,
(Fontes: Economist e «Greece’s debt pile: is it really unsustainable?»,
FT)
Esse país teve eleições recentemente que deram a vitória ao Syriza, uma frente de trotskistas, maoístas e esquerdistas sortidos, que com 36,3% dos votos expressos e 22,7% dos votos possíveis obteve 49,7% dos deputados, graças a um bónus de 50 lugares para o partido mais votado, bónus ao qual o Syriza sempre se opôs, até dele beneficiar. No dia seguinte às eleições, o Syriza constituiu governo em coligação com o Anel, um pequeno partido com 13 deputados, de extrema-direita, xenófobo e homofóbico que defende um sistema de educação inspirado na religião ortodoxa. Esse partido em Portugal seria facilmente classificado como fascista – a menos que fizesse uma coligação com o BE, o Syriza doméstico. Em matéria de política externa o actual governo alinhou-se rapidamente com Putin, o czar de todas as Rússias, embora ninguém saiba se isso é mais do que chantagem para extorquir dinheiro à UE.
Entre as primeiras medidas aprovadas encontra-se o aumento para 1,5 vezes o salário mínimo, quase ao nível dos Estados Unidos, electricidade gratuita para mais de cem mil famílias, reposição do 13.º mês para reformas inferiores a 700 euros, readmissão de milhares de funcionário públicos e suspensão das privatizações.
De seguida, o governo grego apresentou o seu caderno reivindicativo aos outros 18 países da Zona Euro, baseado no princípio de que «
a Europa tem de respeitar a democracia» o que para este governo significa que os eleitores gregos (ou mais exactamente cerca de 2,5 milhões dos 6,3 milhões de eleitores) devem impor as suas condições aos restantes 315 milhões de habitantes dos países da Zona Euro. Esse caderno reivindicativo, cujo conteúdo foi mudando ao longo dos dias, começou por ser o perdão da dívida, encapotado na sua conversão em obrigações perpétuas, o fim do programa de ajustamento e a «expulsão» da troika, o pagamento pela Alemanha de 162 mil milhões de euros de supostas indemnizações da Segunda Guerra Mundial (ver
aqui o delírio histórico desta exigência adicional, em cima de 115 milhões de marcos pagos às vítimas dos nazis na Grécia e à maquinaria pesada enviada para reconstituir a indústria grega), entre outras fantasias «legitimadas» pelas eleições.
Ao contrário do que a retórica interna poderia fazer crer, esses delírios não estão a ter o acolhimento esperado por parte dos países benfeitores. Não obstante, ou talvez por isso mesmo, esses delírios têm sido acolhidos entusiasticamente pelas forças políticas ideologicamente próximas do Syriza e do Anel, ou seja a extrema-esquerda e a extrema-direita – entenda-se sobretudo na Europa do Sul, porque no resto da Europa mesmo os contribuintes com simpatias por essas forças políticas não parecem muito dispostos a pagar as festividades.
Em teoria, é um pouco mais difícil de perceber o entusiasmo de alguns partidos de centro-esquerda como o PS de António Costa e dos mídia, com particular destaque para os domésticos, que elegeram Tsipras e Varoufakis como seus heróis e fizeram deles vedetas mediáticas a um grau de ridículo próximo do culto dos jogadores galácticos de futebol. Em teoria, porque na prática apenas confirma quanto ao PS, ter perdido o norte, agora que percebeu não haver dinheiro para torrar, e, quanto aos mídia, a reconhecida falta de independência e o seu controlo pelo jornalismo de causas.