Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
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de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
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12/07/2025

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Expliquem isso ao Eng. António Guterres

The UN «was not created in order to bring us to heaven, but in order to save us from hell».

Dag Hammarskjöld, economista e escritor, membro da Academia Sueca, Secretário-Geral das Nações Unidas de 1953 até 1961, ano em que morreu num acidente de aviação em Ndola, Rodésia do Norte (actual Zâmbia)

27/03/2025

ARTIGO DEFUNTO: Jornalismo de causas artísticas, um exemplo

Steve Reich é um velhote com quase 90 anos compositor de inspiração minimalista, rótulo que ele questiona. Ganhou um Grammy em 1990 e o Pullitzer da Música em 2009 e a sua peça mais conhecida é provavelmente "Música para 18 Músicos". A pretexto do lançamento de uma edição da sua obra completa (até agora), foi entrevistado pela Blitz e a entrevista foi também publicada pela Revista do Expresso.

A certa altura, o entrevistador vai à sua agenda de jornalismo de causas artísticas e saca de várias perguntas absolutamente previsíveis na sua tentativa tosca de politizar a música no pressuposto que os músicos são ou devem ser militantes ideológicos. As respostas de Reich, de que cito a seguir alguns excertos, são desarmantes.

«Não, a ideia de mudar o mundo é... é uma ambição tola para um artista. (...) Por isso não acho que a arte consiga mudar o mundo, acho, sim, que imaginamos ou esperamos que os artistas tenham um efeito transformador no mundo. (...)

Porquê começar por Gaza? Comecemos muito antes, há 2000 anos, por exemplo. Ou talvez ainda mais, há 3400 anos. A questão é que a terra de Israel tem sido um ponto fulcral na civilização ocidental e na civilização oriental há quase 4000 anos, por um motivo ou por outro. (...)

Bem, ser remunerado é importante. Qualquer outro ser humano que trabalhe poderá concordar com isso. Um dos meus modelos, claro, foi Igor Stravinsky, que era famoso por sempre encontrar uma forma de ser recompensado pelo seu trabalho. Ele pensava numa peça e depois tentava encontrar quem a quisesse e pudesse pagar por ela. Sempre trabalhei com agentes, na Europa, aqui nos Estados Unidos, é basicamente a mesma coisa. É um princípio muito simples: se conseguirmos que muitas pessoas paguem por uma só coisa, fica mais barato para cada uma. (...)

Como é que as condições políticas atuais me afetam a mim ou a outras pessoas enquanto compositores? Não tenho a certeza que afetem, na verdade. Quero dizer, não sei quantos Presidentes diferentes em partidos políticos diferentes estiveram no poder durante todas estas décadas em que tenho trabalhado. Claro que isso faz diferença no mundo, mas em termos da minha própria perceção do trabalho, sigo aquilo que me interessa.»

20/02/2025

A brilliant speech by VP JD Vance delivered in the wrong place


I do not share JD Vance's political thinking, particularly his nativist nationalism, although I would subscribe to every line of his speech on democracy. So what's the problem? There are three problems.

One is that I am not sure of the sincerity of his democratic convictions when I see the government of which he is a part using democracy to propagate the ideas they defend and try to prevent the dissemination of ideas they disagree with, distort the American Constitution and try to control justice and the federal administration for the benefit of a clique in their party. Another is that some of those who applauded him most in Munich are trying to illegitimately control the democratic institutions of their countries. Third, his extraordinary speech was delivered in the wrong Conference.

16/11/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Ideias para o Portugal deixar de ser Pequenino

Pedro Santa Clara Gomes e Nuno Palma, professores da Universidade Nova e  da Universidade de Manchester, respectivamente, publicaram há duas semanas «Um desafio ao governo a propósito do Nobel de Economia» (*) com várias propostas de reforma do Estado sucial de onde extraio com o propósito de espevitar as meninges os seguintes excertos:     

«A primeira coisa a fazer é medir o valor dos serviços que estamos a obter com os nossos impostos.  Em vez de simplesmente alocar dinheiro a agências e ministérios para “cumprirem a sua função”, devemos estabelecer um contrato-programa com os resultados que pretendemos obter.  Estes resultados não devem depender de quantas pessoas o Estado consegue tratar ou alojar, mas sim de medidas concretas com uma avaliação de impacto que demonstre como a saúde da população vai aumentar ou o número de pessoas sem casa será reduzido.  (...)

Uma segunda área fundamental é a prestação de contas.  Cada ministro deve apresentar um relatório e as contas anuais do seu ministério. Um relatório que explique o que faz, quanto custa e que justifique porque é que as suas funções são mais eficientemente cumpridas no sector público, em vez de ser contratadas a entidades privadas. Que inclua a atividade do ministério e de todas as entidades que tutela.  (...)

 Uma terceira área fundamental é o levantamento e a valorização dos ativos públicos – o levantamento dos passivos, pós-troika, já é bastante bem feito, com a exceção do buraco da segurança social. O governo tem o dever fiduciário perante os cidadãos de cuidar da gestão destes ativos que nos pertencem a todos.  Poderemos ter finalmente um levantamento de todos os imóveis públicos e uma justificação de que estão a ter o melhor uso que lhes pode ser dado? Cada edifício público a degradar-se abandonado representa uma falta de responsabilidade perante a sociedade.

A qualidade dos serviços públicos deve ser sistematicamente avaliada e os resultados tornados públicos: os tempos de espera, a satisfação dos utentes, as comparações de qualidade e de custo ao longo do tempo, também internacionalmente. (...)

Outra área em que a qualidade do governo pode ser muito melhorada é o licenciamento e a regulação.  Cada obrigação de licenciamento ou de regulação deve ser justificado para assegurar que cria mais benefícios do que custos.  (...)

Têm de existir regras claras e com aplicação efetiva, que limitem os conflitos de interesse, como as portas giratórias, entre a política, o jornalismo e o poder judicial. Deve existir uma promessa firme e consequente de acabar com as nomeações políticas. Da mesma forma, devem ser aplicados critérios de mérito para as contratações e a progressão na carreira à gestão de recursos humanos em todas as entidades públicas. (...)

A Autoridade da Concorrência e o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão não estão a desempenhar o seu papel, já que vários estudos demonstram que os níveis de concorrência da economia portuguesa são comparativamente baixos. Sendo impossível reformar os reguladores supostamente independentes, mas na verdade capturados, devem ser extintos e devemos regressar ao modelo das Direções-Gerais: é mais barato e, dessa forma, a responsabilização política é clara.»

___________

(*) Se parecer estranho a relação entre o último prémio Nobel da Economia e os padecimentos do Portugal dos Pequeninos pode ler-se uma possível explicação no post Os estudos de Acemoglu, Johnson e Robinson não são sobre a desigualdade das nações. São sobre o fracasso de algumas nações.

04/11/2024

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Se o sectarismo em geral é uma estupidez, o sectarismo num partido liberal é uma estupidez indesculpável

«Ao contrário de outras ideologias, o liberalismo não é uma ideologia utópica. Também não aspira a criar um homem novo despido da sua natureza humana. É uma ideologia que aceita a imperfeição como algo inerente à realidade. O liberalismo não aspira a um mundo perfeito, aspira a um mundo cada vez melhor. A lógica de pensamento para o mundo e para o país deve aplicar-se também ao partido. O partido nunca será perfeito para ninguém, será sempre composto por pessoas diversas, com diferentes personalidades e motivações, algumas das quais incompatíveis entre si. Esperar o contrário é utópico e o caminho mais rápido para a desilusão e o conflito. Entender a natureza humana implica saber gerir e tolerar as suas imperfeições, especialmente aquelas que são agravadas pelo stress da prática política e exposição pública.

As eleições internas podem ser uma festa da democracia, contribuir para projetar uma imagem positiva da IL e do próprio liberalismo. As circunstâncias, a inexperiência e alguma imaturidade impediram que isso acontecesse da primeira vez. Temos agora uma segunda oportunidade. Não a podemos desperdiçar.»

Carlos Guimarães Pinto, escrevendo sobre o sectarismo do tipo esquerdismo infantil que infecta o Iniciativa Liberal

_____________

Declaração de interesse: a relação que tenho com o IL resume-se a ter votado uma vez na sua lista antes da infecção pelo sectarismo. 

27/08/2024

BREIQUINGUE NIUZ: Eleitores capazes de ouvir más notícias elegem políticos capazes de as dar

«I will be honest with you, there is a Budget coming in October and it's going to be painful.

Just as when I responded to the riots, I'll have to turn to the country and make big asks of you as well to accept short term pain for long term good. The difficult trade-off for the genuine solution.

Those with the broadest shoulders should bear the heavier burden, and that’s why we’re cracking down on non-doms.

Who made the mess should have to do their bit to clean it up.»

We have to get away from this idea that the only levers that can be pulled are more taxes, or more spending. Our number one mission is to grow the economy.»

Estas foram algumas das coisas que Keir Starmer, o primeiro-ministro inglês, disse esta manhã no Downing Street Rose Garden aos eleitores.

No Portugal dos Pequeninos não há políticos capazes de dizer coisas como estas a um eleitorado infantilizado porque os eleitores são incapazes de as ouvir e por isso elegem políticos incapazes de as dizer.

12/06/2024

How Working Class Americans Became Second-Class Citizens

Amazon
«Americans are constantly told we are hopelessly divided, and it’s easy to see why many of us could believe it: our politicians relentlessly accuse the other side of undermining democracy and endangering the vulnerable, while our legacy media, which no longer even pretends to be objective, consistently portrays its side’s enemies in the starkest of terms.

People on the right are “racist,” says the left. People on the left are “groomers,” says the right. And so on.

But what if I told you that the people in the political and media classes are the ones who are polarized—in fact, they are the only ones who are so polarized?

This is obvious to most Americans, even—perhaps especially—to those who have neighbors or friends or colleagues who vote differently than they do. Regular Americans know we are more united than divided on the issues that are supposedly tearing us apart.

Democrats portray conservatives as characters out of The Handmaid’s Tale, and Republicans portray liberals as “baby killers.” Yet two-thirds of Americans agree that abortion should be rare and also legal.

Democrats like to tell us that Republicans are gung ho on school shootings, and Republicans are fond of saying Democrats want to steal our guns. Yet 61 percent of us believe that the Second Amendment should stand, but it’s too easy to get a gun. 

Democrats tell us Republicans hate gays and Republicans tell us that Democrats want every child to be queer. Yet average Americans believe that sex is determined at birth and that trans people should be protected from discrimination, though when it comes to sports, trans people should compete on teams that match the sex they were born with. This is how six in ten of us feel. 

The partisan claims of a polarized America ring especially false to working-class Americans. This is because—unlike the college-educated elites who run the country—they don’t identify with the full list of policy proposals produced by either party. 

I spent one year interviewing working-class Americans across the country from every political persuasion for my new book, Second Class: How the Elites Betrayed America’s Working Men and Women, and what I found was a remarkable consensus on the issues.»

Batya Ungar-Sargon (The Free Press)

24/04/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (8)

Continuação de (1), (2), (3), (4), (5), (6) e (7)

O último post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante versa sobre o Estado Novo ter sido uma espécie de idade das trevas, mito que é um favorito da esquerdalhada e funciona como contraponto do mito de que a Primeira República foi um regime salvífico que tratei no post anterior.

Em primeiro lugar o Estado Novo não foi uma ditadura particularmente repressiva e muito menos um Estado totalitário. Na verdade, suporta bem a comparação com a "democracia" republicana. 

Em segundo lugar, a década de 50 o salazarismo colocou o país num processo acelerado de desenvolvimento traduzido por um aumento do PIB per capita  de cerca de 37% da média da Europa Ocidental para mais de 55% no final da década 60, apesar do crescimento fortissimo da maioria dos países dessa zona na mesma época. 

O mito do crescimento se ter dado à custa da exploração das colónias não tem pés nem cabeça, desde logo porque as exportações para as colónias no período de crescimento mais forte representavam apenas cerca de 3% do PIB. O mito do Portugal agrícola cai quando se compara a população activa na agricultura que nos anos 20 era quase 60% com os menos de 25% no final do regime.
 
Do ponto de vista da educação, o analfabetismo que no início do século XX atingia três quartos da população no final dos anos sessenta era residual e não existia analfabetismo infantil.

Na saúde pública todos os índices mostram fortes melhorias. A percentagem de homens com deficiências de crescimento reduziu-se a metade; a mortalidade infantil reduziu-se de mais de 140 por mil para menos de 60 por mil no final do regime. As percentagens da população com acesso aos serviços de saúde pública foi aumentando gradualmente de 10% em 1954 para quase 80% em 1975, ainda antes do tão incensado SNS.

04/04/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (7)

Continuação de (1), (2), (3), (4), (5) e (6)

Outro post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante, recordando que os factos que fundamentam a demolição foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma (NP) e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

Um mito com estatuto especial nas mentes com enviesamento ideológico à esquerda (sim, também há enviesamento ideológico à direita) é que a Primeira República foi um regime salvífico a todos os títulos (apesar da instabilidade social e da violência política quotidiana que, por inegáveis, exigiam uma ginástica olímpica aos "republicanos" para as justificar como resultante da "oposição") e salvífico em particular no esforço e nos resultados da "instrução pública".

Se, por benignidade, aceitarmos como salvífico o esforço que consistiu em aumentar a escolaridade obrigatória de 3 para 5 anos, mesmo com a mesma benignidade não se podem considerar salvíficos os resultados. De facto, a aplicação dessa medida nunca passou do papel porque a propaganda secularista que a acompanhou e a forma como foi adoptada entrou em choque com a cultura religiosa dominante. 

Por isso, a população analfabeta que era de 70% em 1911 quando I República caiu em 1926 era ainda de 62%. Em contraponto ao regime republicano "iluminista", o regime "fascista" conseguiu reduzir o analfabetismo para 42% em 1950.

(Continua)

28/03/2024

TIROU-ME AS PALAVRAS DE BOCA: A propósito da eleição do presidente da AR

«(...) poderes revolucionários – que querem derrubar a ordem estabelecida – e ao facto de não aceitarem compromissos a não ser como pausa numa estratégia inexorável.

Esse tipo de poderes pode negociar, mas não com a mesma lógica dos outros, pois não aceitam nunca as regras do jogo.

Como escreveu Cooper, “os que não compreendem este risco caem numa armadilha, como Neville Chamberlain”, o primeiro-ministro britânico que assinou o Acordo de Munique, e a quem logo a seguir e com presciência Churchill disse que “entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra e terás a guerra”.

Esta minha reflexão não estava a ser feita a pensar na cena internacional, mas na mais prosaica relação entre o PSD e o CHEGA. (...)

O CHEGA é o que no sistema político internacional se chamaria uma potência desafiante ou ascendente. Está na fase inicial de um processo em que chegou agora a uma encruzilhada.

Ninguém pode - sem especulação excessiva e por isso sem rigor – antecipar a estrada que Ventura vai seguir. Talvez nem ele saiba ainda.

Por isso a solução para o PSD é aguardar até saber qual a estrada em que entrou e se já chegou a um ponto de não retorno. Até lá uma verdadeira negociação é um risco de se repetir Chamberlain.

Mas é preciso que Ventura saiba que quando e se passar a ser claro que o CHEGA aceita a ordem estabelecida, será possível um processo de negociação. Chama-se a isto gerar um sistema de incentivos.

E, por isso também, deve ficar claro que o PSD não escolherá a desonra para evitar uma guerra e que só pode alcançar uma boa paz quem estiver disposto a fazer uma boa guerra. E isso também é um sistema, aqui de incentivos negativos.»

José Miguel Júdice (no Expresso) de quem me afastam as escolhas políticas e me merecem consideração a lucidez, a honestidade intelectual e a independência

24/03/2024

DIÁRIO DE BORDO: Pensamento do dia para a transição dos bons tempos que estão a terminar para os tempos difíceis que se avizinham

«Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam bons tempos. Bons tempos criam homens fracos. E os homens fracos criam tempos difíceis.»

«Those Who Remain», G. Michael Hopf, autor, veterano do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA

13/03/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (6)

 Continuação de (1), (2), (3), (4) e (5

Outro post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante, recordando que os factos que fundamentam a demolição foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma (NP) e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

"As causas ..." já vai na 5.ª edição, no total de 20 mil exemplares o que no Portugal dos Pequeninos parece um número muito significativo e raramente atingido, sobretudo num livro de ensaio.

No post anterior referi o tema da expulsão dos Jesuítas por Pombal, tema que se confirmou tocar no nervo das elites domésticas com as mentes mais infectadas pelo pensamento de esquerda (se é que nos tempos actuais se podem juntar as duas palavras), a quem o estatismo centralista e autocrático de Pombal na educação e no resto fascina.    

O certo é que, como NP amplamente demonstra, na educação em Portugal há um antes e um depois de Pombal. Em 1759 quando Pombal expulsou os jesuítas estes ensinavam cerca de 20 mil estudantes num grau equivalente ao actual secundário. Para se ter um ideia do impacto dos jesuítas, os 20 mil estudantes comparam com os 400 mil do ensino secundário de hoje com uma população residente 3 ou 4 vezes superior e uma escolaridade incomparavelmente mais elevada do que a de então.

O impacto foi tão forte que no período entre 1724 e 1771 a universidade de Coimbra teve uma média anual superior a 2.800 matrículas, contrastando com um período equivalente entre 1772 e 1820, depois da reforma de Pombal, no qual a média anual de inscrições caiu para cerca de um sexto do período anterior.

(Continua)

06/03/2024

No Portugal dos Pequeninos o "socialismo" trabalhista britânico seria de direita conservadora

Como é sabido, a oposição em Inglaterra nomeia ministros-sombra para cada área governamental que se se pronunciam sobre a governação nessa área e anunciam as políticas que vão ser adoptadas quando a oposição for governo. 

Liz Kendall do Partido Trabalhista (partido com o qual os socialistas domésticos costumam identificar-se), a ministra-sombra do Trabalho (grosso modo a equivalente à Dr.ª Mendes Godinho na oposição) falando sobre os 851.000 jovens sem emprego, educação ou formação (os nem-nem) que representam 12% todos os jovens de 16 a 24 anos, disse:
 «Eis o nosso compromisso para os jovens. Nós valorizamos-vos. Vocês são importantes. Vamos investir e ajudar-vos a construir um futuro melhor com todas as oportunidades e escolhas que isso acarreta.

Mas, em troca dessas novas oportunidades, vocês terão a responsabilidade de assumir o trabalho ou formação que estão a ser oferecidos. Com um governo do Partido Trabalhista, se vocês puderem trabalhar, não é opção viverem de subsídios.»

Alguém imagina a Dr.ª Mendes Godinho a falar assim para os jovens? Não, de todo. O segundo parágrafo seria assim: «... vocês terão a possibilidade de ter a formação e com um governo do Partido Socialista poderão contar com ajudas até à idade da reforma».

29/02/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (5)

Continuação de (1), (2), (3) e (4

Mais um post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante, recordando que os factos que fundamentam a demolição foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma (NP) e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

No post anterior referi a conclusão de NP de que a afluência de ouro do Brasil destruiu a maior parte de uma indústria incipiente (sobretudo nos têxteis, sabão, ferro, vidro e seda). Acrescento que, de acordo com os dados citados, as percentagens da população a trabalhar fora da agricultura (grande parte na indústria) foi crescendo gradualmente a partir de meados do século XVII, atingiu o máximo com mais de 45% em meados do século seguinte para desde então ter decrescido para cerca de 36% em 1890, precisamente no período de afluência do ouro.

Ao mesmo tempo que teve impacto na economia e nas actividades económicas, o ouro brasileiro teve repercussões políticas e sociais significativas. Desde logo, como sublinha NP, criou um capitalismo de compadrio que capturou o Estado e, acrescento, se manteve desde então quase intacto até meados do século XX e nas últimas décadas se transformou num capitalismo dependente pendurado nos fundos europeus.

Na esfera política, um efeito perverso da abundância de receitas extraordinárias do Estado resultou de, a partir de D. João V, o rei ter deixado depender dos impostos que até então precisara de negociar com as Cortes as quais deixaram de reunir a partir de então, iniciando um ciclo de centralização,

Deve salientar-se nesse período, a expulsão dos Jesuítas por Pombal de efeitos profundos no ensino com uma enorme redução do número de estudantes e do nível de ensino das matérias. Tudo isto está bem documentado no livro de NP que conclui que a partir de então Portugal, que antes não estava atrasado na educação, experimentou um retrocesso ainda hoje persistente. 

Vem a propósito citar Jorge Buesco que no seu "Matemática em Portugal" escreveu «a criação do ensino público pombalino foi provavelmente a grande oportunidade perdida para a Matemática em Portugal». Isso explicará a tradicional inumeracia das nossas elites merdosas a que aqui no (Im)pertinências dedicámos muitas dezenas de post sob a etiqueta «a tabuada faz muita falta». Essa inumeracia, que no jornalismo de causas é endémica, junto com a incultura, a preguiça e a falta de escrúpulos explica muita do superficialidade opinativa, na melhor hipótese, ou o enviesamento deliberado, na hipótese mais provável.

(Continua)

17/02/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (4)

 Continuação de (1), (2) e (3)

Mais um post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante, recordando que os factos que fundamentam a demolição foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

Mais do que diferentemente, ao contrário da narrativa histórica dominante, o declínio de Portugal não começa na Idade Média, não resulta  directamente dos descobrimentos, só começa em meados do século XVIII e tem causas económicas e políticas.

Um factor económico determinante desse declínio é o que Nuno Palma designa como a "maldição dourada" e a que dedica um capítulo longo de 50 densas páginas. Registe-se que esta maldição é um caso particular da chamada maldição dos recursos naturais, que ao longo da história fez várias vítimas, uma das mais recentes os Países Baixos dos anos 70 com a abundância de reservas de gás, de onde a maldição ser também conhecida como "doença holandesa". (*)

No caso português foram as gigantescas quantidades de ouro de Minas Gerais no Brasil que chegava a Portugal já cunhado em moedas apropriadas pelo rei e por uns milhares de cortesãos. Esse dilúvio monetário inflacionando o preço dos bens produzidos em Portugal tornou mais barato a importação e mais cara a exportação, aumentando o défice externo e destruindo pelo caminho uma indústria incipiente com alguma importância nos têxteis, sabão, ferro, vidro e seda. Um exemplo notável é o facto das importações portuguesas nos anos 1741-1745 representarem 18% das exportações de bens da Inglaterra, sendo pagas com o ouro que durante várias décadas do século XVIII chegou a representar 70% das exportações portuguesas.

Por ironia da história, quatro séculos depois os fundos europeus vieram desempenhar um papel semelhante ao ouro brasileiro.

(*) Há uma bibliografia pantagruélica sobre a maldição dos recursos e a doença holandesa nos países ditos em desenvolvimento (alguns deles seriam melhor baptizados de países em subdesenvolvimento) - ver por exemplo 40 Years of Dutch Disease Literature: Lessons for Developing Countries.

(Continua)

08/02/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (3)

Continuação de (1) e (2)

Mais um post sobre os mitos cuja demolição considero mais importante, recordando que os factos que fundamentam a demolição foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

Ao contrário do mito da exploração do Império Colonial, o contributo das colónias para o enriquecimento de Portugal foi sempre reduzido. Sem as colónias o rendimento per capita dos portugueses teria sido praticamente o mesmo. Apesar das receitas geradas pelas colónias serem nalgumas épocas importantes para o Estado, em parte porque as receitas do Estado só representavam uma percentagem pequena do PIB (3 a 5%), o peso do comércio colonial para a economia era marginal.

Ao contrário de influenciar positivamente o desenvolvimento de Portugal, o ouro do Brasil, possivelmente o maior contributo das colónias a partir do final do século XVII, teve um contributo negativo para o desenvolvimento e ajudou à decadência a partir da segunda metade do século  XVIII. Voltaremos a este tema num próximo post.

(Continua)

01/02/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (2)

Continuação de (1)

vai na quarta edição.

Começo a pagar a promessa de publicar alguns posts sobre os mitos cuja demolição é em minha opinião mais importante, não sem antes sublinhar que os factos citados foram amplamente estudados e documentados no livro de Nuno Palma e nas dezenas de trabalhos de investigação que publicou (cfr o seu Research output).

Ao contrário da mitologia corrente, o Portugal anterior ao Marquês de Pombal, não era um país particularmente diferente dos outros países europeus e sobretudo não era particularmente atrasado. Não havia, por exemplo, níveis muito diferentes de numeracia e literacia, ao contrário do que se começou a verificar a partir dos princípios do século XVIII. 

Portugal até finais da Idade Média era um dos países europeus com maior prosperidade, tendo no início do século XIV um produto agrário per capita superior ao inglês. O PIB per capita começou a decair a meio dos anos 70 do século XVIII e só voltou a atingir o nível de então no século XX. 

O regime político vigente em Portugal também não era, até então, um regime absolutista, existindo instituições embrionárias de tipo parlamentar.

Em conclusão, o mito de que Portugal começou a declinar a partir dos Descobrimentos não tem qualquer base histórica.

(Continua)

18/01/2024

SERVIÇO PÚBLICO: Uma obra de demolição de alguns dos mitos mais populares no Portugal dos Pequeninos (1)

vai na terceira edição. Não sabendo quantos exemplares foram impressos, admito que sejam apenas alguns milhares porque, com cada vez menos leitores capazes de ler mais do que os 280 caracteres do X (Twitter), não há um grande público disponível para ler 300 páginas (mais 10 de notas) de um livro denso.

Apresentado como sendo uma obra de divulgação, na verdade para a maioria dos leitores será visto mais como um hermético trabalho académico, que na verdade é (académico, não hermético). E se escrevo isto não é para diminuir a obra, pelo contrário, é para lamentar não ter sido conseguido um equilíbrio mais "económico" entre o rigor e a eficácia que permitisse alcançar um maior número de leitores. 

Em benefício de quem não tem tempo ou pachorra para desbravar as 300 páginas, vou publicar nos próximos dias (ou semanas) alguns posts sobre os mitos cuja demolição é a meu ver mais importante.

(Continua)

06/01/2024

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: "A verdade é esta: o PS é um adversário formidável"

«Há uma coisa que a direita devia meter na cabeça de uma vez por todas: o PS é um adversário formidável. Uso a palavra no sentido do dicionário, ou seja: é um adversário “tremendo”, que deve “infundir respeito”, “provocar medo” e “inspirar terror”. As razões para isso deviam ser evidentes para qualquer político portador de uma literacia básica. O PS pode ter muitos defeitos — e tem, de facto, muitíssimos. Mas a ligação profunda dos socialistas com os eleitores vem de antes do 25 de Abril, solidificou-se no processo revolucionário, sedimentou-se com a adesão à Europa e manteve-se com a modernização da nossa economia. A esta altura, já devia ter ficado claro que a mera passagem do tempo não é suficiente para, só por si, varrer o PS do governo.»

Miguel Pinheiro no Observador

[Antes de ler esta peça, que me parece o comentário desde há muito tempo mais perspicaz sobre o PS, tinha comentado com amigos, que me enviaram o artigo "Uma República dos Garotos" de António Barreto no Público, que o PS é para o Estado Sucial o que a União Nacional era para o Estado Novo e os socialistas são os novos situacionistas. É assim que é, e é assim que o Portugal dos Pequeninos quer que seja.]

22/12/2023

O TINA na Argentina

Dei-me conta ontem que Javier El Loco Milei, o novo presidente da Argentina, no seu discurso inaugural, depois de explicar a situação económica e financeira desesperada em que o neo-peronismo deixou o país, anunciou as medidas que o seu governo iria tomar e em relação a quase todas aplicou-lhe um TINA (There Is No Alternative), por exemplo:

  • En consecuencia, no hay solución alternativa al ajuste
  • debe quedar claro que no hay alternativa posible al ajuste
  • a conclusión es que no hay alternativa al ajuste y no hay alternativa al shock
  • No tenemos alternativas y tampoco tenemos tiempo.
Imagino que com tanto TINA toda a esquerdalhada e uma parte da direita argentina espumaram de raiva, como espumaram na época os seus homólogos portugueses quando a mesma expressão foi usada pelo governo PSD-CDS para justificar as medidas exigidas pelo programa que o governo cessante do PS assinara para resgatar o país da situação em que havia deixado a governação do Eng. Sócrates e dos seus acólitos.