Plantar árvores é possivelmente a única medida que no domínio do ambiente é apoiada por quase todos, desde os mais ferozes ambientalistas até aos mais furiosos adeptos da economia do petróleo. Porém, como quase tudo na vida e à superfície do planeta, plantar árvores pode ser bom, pode ser mau ou pode ser pouco relevante ou mesmo irrelevante.
Como este é um tema raramente abordado e praticamente desconhecido da opinião pública, a publicação do artigo Plantar Árvores Ajuda a Reduzir o Aquecimento Global? Nem Sempre! de Tiago Domingos, Professor de Ambiente e Energia no IST, é um serviço público. Aqui fica um excerto.
«A plantação de árvores é frequentemente apresentada como uma das soluções para o aquecimento global, dada a sua capacidade de retirar dióxido de carbono da atmosfera. À partida, a lógica é simples: as árvores fazem fotossíntese, e essa fotossíntese corresponde a utilizar a energia da radiação solar para retirar dióxido de carbono da atmosfera para sintetizar compostos orgânicos, ricos em carbono (como açúcares ou madeira). No entanto, existem múltiplas ressalvas que devemos acrescentar a este raciocínio, que atenuam e, nalguns casos, invertem o seu efeito.
Em primeiro lugar, como qualquer outro ser vivo, as plantas precisam de usar compostos orgânicos para fornecer energia para os seus processos vitais. Nesse processo, que todos conhecemos, da respiração, transformam os compostos orgânicos ricos em carbono outra vez em dióxido de carbono, libertando a energia de que precisam. Só enquanto a fotossíntese é superior à respiração, isto é, enquanto as árvores estão em crescimento, é que há, em saldo, uma remoção de dióxido de carbono da atmosfera. Isto significa, portanto, que uma floresta madura, no que se chama o estado clímax, em que já não há crescimento das árvores (ou, para ser mais rigoroso, em que o crescimento de algumas árvores é balanceado pela morte e decomposição de outras), é uma floresta que não retira dióxido de carbono da atmosfera. Claro que, se deixarmos uma floresta degradar-se, por doenças, por pestes ou por incêndios, vamos ter a pior situação de todas: uma emissão de dióxido de carbono para a atmosfera (como aconteceu, por exemplo, em Portugal, no ano de grandes incêndios de 2017).
Mas, para além deste efeito, mais generalizadamente conhecido, sabemos hoje que há outros efeitos que reduzem, anulam ou até contrabalançam o efeito das florestas de arrefecimento do clima. O mais significativo e claro destes efeitos refere-se ao albedo. Albedo é a palavra que usamos para designar a capacidade que uma superfície tem de reflectir a radiação solar. A neve, por exemplo, tem um albedo elevado, enquanto que a vegetação verde tem um albedo baixo; vegetação seca ou solo nú têm albedos intermédios.
Num artigo publicado na revista Nature em 2020, Richard Betts, cientista no famoso Met Office, no Reino Unido, mostrou que, a latitudes elevadas (como no norte da Rússia e do Canadá), em biomas como a tundra, em que o solo está coberto de neve durante uma parte significativa do ano, a existência de árvores tem um efeito significativo de redução do albedo: em vez de um manto contínuo de neve, altamente reflector da radiação solar, temos uma manto descontínuo de neve, pontuado pelo verde escuro das árvores (que nestas latitudes, são coníferas, com folhas, isto é, agulhas, durante todo o ano). Concluiu assim que, em certas zonas boreais, se plantarmos árvores, o seu efeito de aquecimento, por via do albedo, é superior ao seu efeito de arrefecimento, por via da remoção de dióxido de carbono da atmosfera!
Mais recentemente, constatou-se que este efeito é também significativo a latitudes mais baixas. Este ano, num artigo publicado na revista Nature Communications a 26 de Março, numa análise global deste problema, concluiu-se que este problema existe por todo o mundo, com especial incidência nas áreas boreais, como já se sabia, mas também em zonas semi-áridas. Por exemplo, no bioma Mediterrânico, em 60% da área ocorre o mesmo problema. Essencialmente, estamos em situações em que, por exemplo, pastagens, que secam no Verão, ficando a vegetação seca e com menos cobertura do solo, teriam um albedo mais baixo. Ao plantarmos árvores, vamos ter um albedo mais alto, mais absorção de radiação e, portanto mais aquecimento.
Significam estes resultados que não devemos plantar árvores para sequestrar carbono? Não, de todo (nomeadamente quando considerando também os outros benefícios associados aos ecossistemas florestais). Significam, sim, que devemos ter atenção na escolha dos locais onde esta plantação é feita, de forma a minimizar os efeitos negativos em termos de albedo (não deixando nunca de o contabilizar, nomeadamente para efeitos de geração de créditos de carbono). Existem amplas oportunidades para tal, pois o artigo referido conclui que, numa amostra dos projectos de florestação actualmente realizados por todo o mundo, 84% estão localizados em pontos onde o saldo é positivo, isto é, o sequestro de carbono supera o efeito negativo do albedo. Adicionalmente, em 33% destes projectos, o efeito negativo do albedo é pouco significativo.
Temos ainda um caso pontual onde a plantação de árvores é tipicamente favorável. Trata-se das áreas urbanas, onde o efeito de albedo é até vantajoso, pois o verde das árvores absorve menos radiação solar que o negro do alcatrão (adicionalmente, as árvores retêm poluentes atmosféricos e pela sua transpiração reduzem localmente a temperatura). No entanto, do ponto de vista de sequestro de carbono, trata-se de extensões reduzidas em termos de áreas.
Em suma, a plantação de árvores para sequestro de carbono é um instrumento útil, mas as condições em que é feita têm de ser cuidadosamente analisadas, garantindo que só é feita quando de facto há benefícios, o mais significativos possível, quer para o clima, quer do ponto de vista mais amplo da sustentabilidade..»
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Aditamento:
Os comentários à versão original deste post onde apenas citava um excerto do artigo do professor Tiago Domingos, levaram-me a concluir duas coisas:
(1) que seria conveniente citar a totalidade do artigo, o que já está feito e
(2) confirmaram o que escrevi em quase 30 posts sobre a dogmática ambiental; o debate sobre os temas ambientais é muito mais um debate ideológico do que um debate científico e nesse debate ideológico as posições tendam a extremar-se existindo muito pouco espaço para dúvida, ou seja para uma abordagem científica, em consequência da deslocação da discussão do campo científico, onde predomina a racionalidade, para o campo ideológico e inevitavelmente político, onde predominam as crenças e as teorias da conspiração.