Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

31/10/2014

Dúvidas (56) – Quando há fundadas dúvidas se há algo para dizer, o pior que se pode fazer é começar a falar e acabar com as dúvidas (Complemento)

Para quem possa ter ficado com dúvidas sobre a asneira que o Dr. António Costa disse, com a sua costumeira pesporrência, sobre a falta de aproveitamento dos fundos comunitários (ver este post), recomenda-se a leitura deste artigo de Ricardo Arroja onde demonstra como o ungido se «estatelou ao comprido» e reincidiu nas suas explicações no direito de resposta.

Sem querer minimizar a calinada, continuo a pensar que o mais grave é a premissa inscrita nas meninges do ungido, premissa infelizmente partilhada por imensa gente, que os governos compostos por gente que nunca investiu um cêntimo, nunca criou um posto de trabalho e cuja experiência se limita a maioria das vezes a torrar o dinheiro dos contribuintes, estariam melhor colocados do que os empresários e os consumidores para darem um destino ao dinheiro que lhes vão extorquindo.

A propósito, para quem possa ter ficado com dúvidas sobre o que disse Joaquim Letria a respeito do PS ser do pior que há na manipulação dos mídia, veja-se o que se passou hoje a partir das 20 horas na SIC Notícias. Imediatamente a seguir ao Jornal Síntese e em vez da programação anunciada (Daily Show, Cartaz e Economia Verde) foi retransmitido, sem qualquer aviso, o Quadratura do Círculo de ontem 5.ª feira, sessão de propaganda onde António Costa se tinha tentado justificar das asneiras sobre a aproveitamento dos fundos comunitários.

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: Contra a corrente e ao arrepio do rebanho

Secção Still crazy after all these years

«Repetir que Portugal tem de reduzir despesa corrente (salários do Estado e prestações sociais) a um ano de eleições é algo que nunca vi nenhum primeiro-ministro fazer. Clap! Clap! Clap!» escreveu Camilo Lourenço no artigo «Passos Coelho é uma surpresa. Positiva!» na sua coluna no Negócios.

Independentemente de se concordar com o que escreveu Camilo Lourenço (concordo no essencial), deve reconhecer-se que um jornalista profissional ter escrito tal artigo num país onde a preguiça mental e a cobardia para dissidir do rebanho levam a maioria a zurzir na classe política («there is no such thing as political class», poderia ter dito Margaret Tatcher), como se os políticos fossem todos iguais, e em especial quando se exerce a profissão num meio onde predominam missionários brandindo a vulgata da esquerdalhada, mostra uma louvável coragem e independência de espírito.

Cinco afonsos para Camilo Lourenço.

QUEM SÓ TEM UM MARTELO VÊ TODOS OS PROBLEMAS COMO PREGOS: O alívio quantitativo aliviará? (3) – Para onde tem escorrido a liquidez injectada pelos bancos centrais?

[Outras marteladas (1) e (2)]

Já em diversas ocasiões sublinhei as consequências indesejadas que podem resultar (e no passado resultaram) de colocar a impressora dos bancos centrais a funcionar para «aditivar» a economia. Agora a coisa chama-se quantitative easing mas a lógica é a mesma.


Também já apontei os indícios dos danos colaterais das políticas do dinheiro abundante e barato que começam a ser visíveis onde essas políticas foram mais longe: Estados Unidos e Reino Unido. E começam a ser visíveis precisamente nos sectores onde a bolha implodiu em 2008.

Leia-se a este respeito o que escreve Simon Baptist, Chief Economist da Economist, na sua newsletter desta semana que reflecte bem o quanto ele gostaria de ter o melhor de dois mundos, o sol na eira e a chuva no nabal e o receio de ter chuva na eira e sol no nabal:

«House prices are occupying the minds of many central bankers right now, not to mention those of potential buyers. Property has undoubtedly been one place where all this liquidity from central banks has been going: the last few years have seen strong price growth in many markets, including Japan, the US, the UK, Australia, the UAE and China among many others. This price growth has tempered in recent months in a lot of places, with the pace of growth slowing in the UAE and prices even falling (slightly) in the UK. It's not all good news for those worried about bubbles though—house price growth is accelerating in Australia, where worries about a property price bubble are a key reason why interest rates aren't coming down, despite low inflation. A sudden or sizable fall in house prices would doom the already fragile recovery, as consumers would tighten their belts again

Sublinho: «Property has undoubtedly been one place where all this liquidity from central banks has been going».

Também e sobretudo do outro lado do Atlântico aparentemente nada foi esquecido nem aprendido a respeito da alavancagem que a Fannie Mae e o Freddie Mac introduziram no crédito subprime (a respeito destas «government sponsored enterprises» e do seu papel na crise ver este post de 2009). Vejamos agora o que se está a passar nos EU, segundo a Economist (que, contudo, recomenda a medicina):

«This week a consortium of federal agencies also announced new standards that would permit banks to securitise and sell mortgages without retaining a 5% stake - leaving them little incentive to maintain high lending standards. In 2011 these agencies had suggested that such securities should only include mortgages with a minimum deposit of 20% and monthly repayments of no more than 35% of the borrower’s income. In the end they raised the loan-to-income ratio to 43% and dropped the minimum deposit entirely. The reason for the weaker standard, they said, was the concern that “additional constraints on mortgage-credit availability” might “disproportionately affect LMI (low-to-moderate-income), minority or first-time homebuyers.” Whether the lack of constraints might disproportionately affect taxpayers, the regulators did not say».

Qual será o resultado de a Fannie Mae e o Freddie Macos bancos «ressegurarem» 100% das hipotecas dos bancos? Quem disse que desta vez vai ser diferente?

30/10/2014

Dúvidas (55) – Porque será?

A Comissão parlamentar de inquérito ao caso Espírito Santo aprovou a audição de 119 nomes. Surpreendentemente, na lista de convocados encontram-se mais ministros do actual governo do que dos dois governos de José Sócrates que mais «negócios» fizeram com o GES. O Chefe, o amigo de Paris, não foi convocado.

SERVIÇO PÚBLICO: A misteriosa falta do crédito às empresas (2)

Há dois anos neste post concluía que a misteriosa falta do crédito às empresas resultava de vários factores, sendo um deles o estado de falência das empresas públicas com capitais próprios negativos que sugam o pouco dinheiro disponível dos bancos que preferem emprestar-lhes com garantia do Estado a apostar em empresas viáveis. Nessa altura foi estimado em 20 mil milhões o capital necessário para injectar nas empresas públicas e amortizar os seus passivos bancários.

Dois anos passados com um governo «neoliberal», segundo a irónica classificação da esquerdalhada doméstica, o endividamento total já vai em 35 mil milhões. Os campeões continuam mais ou menos os mesmos: Parpública 8,4 mil milhões, REFER 7,2 mil milhões, CP 3,8 mil milhões, Metro do Porto 3,2 mil milhões, Estradas de Portugal 3,2 mil milhões, Parque Escolar 1,1 mil milhões, Carris 777 milhões. Nem tudo piorou porque as empresas públicas não financeiras melhoraram os resultados de 2012 para 2013 em quase 900 milhões de euros.

Aqui fica a lista completa:

Fonte: Sector Empresarial do Estado – Relatório 2014, Direcção Geral do Tesouro e Finanças

Registe-se que, do total de 35 mil milhões, cerca de 20 mil milhões integram a dívida pública nas contas nacionais e representam quase 10% da dívida total.

29/10/2014

Encalhados numa ruga do contínuo espaço-tempo (24) - O animal feroz está de volta. Dêem-lhe uma medalha

Em consequência da entronização de Costa como líder do PS, com apoios bastante vocais de várias tralhas que sobrevivem no PS, nomeadamente da tralha socrática, começam a surgir indícios do resgate em marcha de José Sócrates, como parte do branqueamento dos 6 anos de governo em que arrastou o país para a bancarrota.

A eloquência da linguagem gestual
Primeiro foi a homenagem com entrega da chave da Covilhã (espera-se que esta chave não sirva para abrir o cofre da câmara). Depois foi a vez de um ajudante num dos governos de Sócrates anunciar que iria escrever uma carta ao PR a exigir uma medalha para o Chefe. Last but not least o poeta Alegre também escreveu uma carta exigir o mesmo.

Declaração de desinteresse: depois das centenas de medalhas que foram dadas a centenas de medalhados com obra irrelevante para o país, acho justíssimo darem uma medalha a José Sócrates pela sua obra que perdurará durante gerações.

BREIQUINGUE NIUZ: À atenção da Comissão Europeia – aproveitem enquanto não chega o Costa

«A Comissão Europeia anunciou ontem que nenhum Estado-membro tem nesta altura um orçamento que viole de forma grave as regras europeias. A nota enviada às redacções deixa perceber que França e Itália estavam nessa situação, mas depois de, na segunda-feira, apresentarem poupanças adicionais, fugiram ao chumbo iminente.» (Económico)

Ó Comissão Europeia esperem até Outubro do ano que vem e vão ver a diferença entre encostar às tábuas um Vals ou Renzi e pressionar um leão como o Costa que nos exercícios de aquecimento como líder sindical já está a liderar as câmaras da região de Lisboa na luta pelas 35 horas e os deputados na luta contra a homofobia e transfobia.

28/10/2014

Dúvidas (54) – A mutualização da dívida que é boa na Europa é má em Portugal?

«Vários municípios do país, quase todos governados pelo PS, contestam o Fundo de Apoio Municipal, que é um fundo de ajuda a municípios com problemas financeiros (habitualmente associados a excesso de endividamento). Entre as autarquias contestatárias está Lisboa, governada por Fernando Medina.

Os argumentos contra esta mutualização das consequências da irresponsabilidade financeira parecem decalcados do argumentário alemão contra a mutualização das dívidas europeias.»

João Miranda, no Blasfémias

Dúvidas (53) – Quando há fundadas dúvidas se há algo para dizer, o pior que se pode fazer é começar a falar e acabar com as dúvidas

Em si mesmo, usar o argumento que um governo não está a aproveitar os fundos comunitários, isto é a usar o dinheiro dos contribuintes nacionais para extorquir mais dinheiro aos contribuintes dos outros países da UE para aplicar em projectos escolhidos por gente que nunca investiu um cêntimo do seu dinheiro, nem mesmo qualquer outro dinheiro privado, é muito revelador do que se passa numa mente que imagina poderem os governos dar melhor destino ao dinheiro dos empresários e dos consumidores do que os próprios dariam se esse dinheiro não lhes tivesse sido extorquido.

É claro que, se falarmos de um país com o culto do Estado patronal, paternal e clientelar, a coisa fia mais fino e tudo isso parece natural. Vamos então considerar o contexto em que o Dr. António Costa, o putativo futuro primeiro-ministro, disse o que disse a este respeito à TVI no sábado passado (vídeo e resumo aqui) e exonerá-lo daquele vício de raciocínio.

Considerado o referido contexto, tudo indica que o Dr. António Costa disse asneira, meteu os pés pelas mãos, «leu o mapa errado» da proposta de OE 2015 e viu uma redução onde se prevê um aumento de 40% e colocou-se a jeito para um incógnito secretário de Estado lhe puxar as orelhas.

Oxalá esteja enganado (e digo oxalá porque se a criatura, que é do género socialista, vier a governar Portugal prefiro que seja bom no género mau do que mau no mesmo género), mas receio que as fundadas dúvidas sobre se os seus silêncios entremeados com paleio redondo resultavam de não ter nada para dizer possam acabar em certezas.

27/10/2014

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: Um jornalista bom no género mau pode vir a fazer o upgrade para o género bom

Secção Com a verdade me enganas


Já por diversas vezes [(1), (2) e (3)] fiz apreciações negativas de Ricardo Costa, apesar de o considerar um dos melhores jornalistas no mercado das causas. Com alguma surpresa, li o seu editorial do Expresso de sábado passado onde se distancia da «vaga de fundo», para usar uma expressão parva, da antecipação das eleições que se move no lago do jornalismo de causas e dos opinion dealers, vaga que o ungido António Costa, por acaso o seu irmão, pretende surfar.

Por acaso, ou talvez não, Ricardo Costa também se distancia do bota-abaixismo a Durão Barroso prevalecente nos opinativos – desde logo o inefável Miguel Sousa Tavares que derrama numa das páginas seguintes um dos seus ódios de estimação para compensar a inacreditável veneração por José Sócrates. Costa faz um balanço relativamente equilibrado dos dois mandatos, apenas se perdendo quando critica o «inconseguimento», para usar uma palavra parva, como se Barroso pudesse ter sido uma espécie de Obama da União Europeia.

Desta vez leva três afonsos por se ter disposto a contrariar a doutrina Somoza.

SERVIÇO PÚBLICO: Os estressados

«Aggregate report on the comprehensive assessment» October 2014, European Central Bank

26/10/2014

SERVIÇO PÚBLICO: Um albergue de clientelas e interesses

«É sintomático que os três partidos que têm governado Portugal desde o 25 de Abril tenham a mesma dificuldade quando se trata de reformar o Estado. A razão é muito simples: este Estado foi construído por eles e reflete aquilo que têm de comum, a mesma visão de um Estado paternalista, de um Estado patrão, de um Estado burocrático, de um Estado que alberga, no sentido literal da palavra, as clientelas e os interesses das respetivas bases de apoio.

É por isso que a reforma do Estado se resume ao mesmo de sempre: uma interminável discussão sobre cortes, uma insustentável balbúrdia institucional, uma vergonhosa querela entre lóbis e interesses instalados. É por tudo isso que chegaremos a 2015 na estaca zero, ou seja, com a mesma despesa corrente que tínhamos em 2010. Longe vão os tempos em que Pedro Passos Coelho, injustamente acusado de liberal, defendia que a despesa deveria situar-se nos 42 por cento do PIB. Se o tivesse conseguido teria libertado quase 4 mil milhões de euros para a economia e, com isso, teria resolvido alguns dos problemas que temos.»

«A Reforma Impossível», Luís Marques, no Expresso

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (96) - «na comunicação social, não há pior»

Pergunta: «Já disse inúmeras vezes que, no que toca ao poder imiscuir-se na comunicação social, não há pior do que o PS. Porquê?»

Resposta de Joaquim Letria: «Disse e digo. … Quando ganharam as eleições perguntei se queriam que parasse com o programa (Cobras e Lagartos) e disseram-me que não. E depois fazem aquilo. … e havia ordens para nem me deixarem entrar na RDP. … Não sei quem foi, se foi ele (Jorge Coelho), o Sócrates… Eles eram os peões de brega.»

Entrevista da revista Tabu a Joaquim Letria

Pro memoria (204) – A avaliação da «obra feita» segundo a doutrina Somoza

Imaginemos como seria venerado um Barroso no final de dois 2 mandatos como presidente da CE, durante os quais a União se alargou de 15 para 28 membros e atravessou a maior crise depois da II Guerra Mundial, se esse Barroso fosse um destacado membro do Partido Socialista. (*)

Imaginemos como seria vilipendiado um Costa, candidato a primeiro-ministro, depois de dois mandatos como presidente da CML durante os quais manteve um aparelho paquidérmico com quase dez mil trabalhadores - proporcionalmente mais do dobro de Madrid ou Barcelona -, uma dívida pletórica apesar da injecção de 286 milhões - proporcionalmente 80% mais do que a dívida do Porto - e realizou uns arremedos de reformas, nomeadamente a extinção do departamento de obras de infra-estrutura e saneamento da CML responsável pela manutenção preventiva dos colectores, com os resultados conhecidos, …


e a transferência de 850 trabalhadores da limpeza para as juntas de freguesia, com os resultados igualmente conhecidos…


… se esse Costa fosse um destacado membro do PSD.

[Doutrina Somoza: ver o Glossário]

(*) Em tempo: no dia seguinte a ter escrito este post, João Carlos Espada, que não é de todo um apparatchik ao serviço de uma causa ou de um partido, escreveu um artigo de opinião «Parabéns, Durão Barroso», no Público, onde trata com independência e objectividade «um dos mais intrigantes fenómenos da atmosfera política e cultural nacional é a indiferença, quando não a aberta hostilidade, da nossa opinião publicada relativamente à presidência da Comissão Europeia pelo cidadão português José Manuel Durão Barroso

25/10/2014

Ressabiados do regime (11) - O facto de uma luminária não ter um pingo de sentido de humor não faz dela uma pessoa intelectualmente séria

O Pacheco Pereira que há 7 meses defendeu com fervor «o manifesto dos 70 signatários a pretexto da reestruturação da dívida, uma posição expressa em termos prudentes e moderados por um vasto grupo de pessoas qualificadas, quase todas também prudentes e moderadas ... não tendo assinado ... apenas por incúria ... em responder a tempo ao convite ... feito» e que há anos tece laudas semanalmente ao ungido do regime António Costa no «Quadratura do Círculo» (com um ar de criador embevecido com a sua criatura) é o mesmo Pacheco Pereira que guardou um prudente prudente silêncio quando o mesmo Costa deixou cair tudo do manifesto - a renegociação, a reestruturação, o haircut e a mutualização - e ficou a com audição pública?

Não deve ser o mesmo Pacheco Pereira. Se fosse, teria mostrado uma nota de cobrança embrulhada no seu verbo abundante, como a nota mais parca de verbo do jornalista João Garcia do Expresso: «Para já, é António Costa que fica em dívida. Esperava-se que pagasse a eleição oferecendo soluções». A dívida de António Costa aos seus prosélitos e aos seus padrinhos arrisca-se a ultrapassar a dívida do Estado Socialista.

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Os líderes políticos não são pagos para nos fazerem felizes mas para nos dizerem as verdades


«Despite what voters will tell opinion pollsters, they want more from their leaders than to have their own opinions repeated back at them. A great leader is one who is at least willing to try to sell a hard and unpopular message that is in the country's best interests.»

Simon Baptist, Chief Economist and Asia Regional Director, The Economist/Intelligence Unit

24/10/2014

Pro memoria (203) – Atropelado pelo princípio da realidade e esmagado pela insustentável leveza do peso da dívida

Depois de 3 anos de retórica fácil sobre a austeridade, o crescimento e a dívida, António Costa começa a ser encurralado pela maldita realidade e tenta fazer gradualmente a transição para a retórica difícil, empurrando os problemas com a barriga para a frente e propondo uma «audição pública para avaliação do impacto da dívida pública e das soluções para o problema do endividamento».

Costa reuniu-se no parlamento a semana passada com uma legião de prosélitos da economia mediática, entre os quais cinco que foram ajudantes de Sócrates (um deles, Campos e Cunha, saiu a tempo do comboio em andamento). Conclusões? Nem renegociação, nem reestruturação, nem haircut, nem mutualização. «O problema da dívida pública não é um problema exclusivamente português, sendo essencial uma solução à escala europeia» diz o projecto de resolução do PS sobre a dívida que sublinha ainda «a necessidade de lançar um grande programa europeu de estímulo ao investimento como forma de apoiar a recuperação económica». Onde param os estímulos ao consumo?

E onde param as esquerdas e as direitas quando Costa diz na sua plataforma de propaganda «Quadratura do Círculo»: «não é uma questão de esquerda ou de direita, é uma questão de boa economia». Mas então não há uma economia socialista e de esquerda e a outra?

Costa será tudo menos estúpido e com o aproximar do muro das eleições e de uma provável e desejada entrada para S. Bento, a criatura começa a tentar meter o Rossio das promessas que já fez, das que ainda há-de fazer e das hipotecas ao socratismo e ao soarismo, tudo devidamente lubrificado com conversa fiada, na Betesga do espartilho orçamental sob os olhares perscrutadores da troika e dos credores em geral.

Como não podia deixar de ser, e como acontece com todas as propostas desertas de ideias e ensopadas por dilúvios de palavras, que propõem que se discutam mais propostas, foi ontem aprovado sem votos contra no parlamento o projecto de resolução para «desencadear um processo parlamentar de audição pública … de personalidades relevantes, especialistas na matéria, tendo como objectivo a identificação de soluções responsáveis e exequíveis para o problema do endividamento, que permitam simultaneamente um crescimento sustentado da economia do país».

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (95) - O foragido deu à costa apareceu ao Costa

«Brasil descobre foragido em festa de Costa», titulou o Observador, citando uma notícia de um jornal brasileiro com o título igualmente sugestivo «Ex-vice-cônsul foragido no Brasil aparece contente em televisão portuguesa», referindo-se a Adelino Vera-Cruz Pinto, «vice-cônsul português em Porto Alegre nomeado em 2010 por influência da ligação com o PS», um passarão «foragido internacional» cujo paradeiro era até agora desconhecido, acusado do desvio de 2,5 milhões de reais da Arquidiocese de Porto Alegre, que apareceu inopinadamente a abraçar o putativo futuro primeiro-ministro durante a sua consagração.

Não pretendo associar Costa ao passarão. Talvez Costa nem sequer conheça o passarão. Notável é a liberdade de movimentos que o passarão parece desfrutar nos eventos do PS.

23/10/2014

Pro memoria (202) – BES, vê-se melhor de longe

Há alguns meses tenho encalhados no meu desktop dois links para artigos sobre o BES de Frances Coppola no Pieria, um jornal online de uma rede de economistas. O primeiro, «Espirito Santo: complexity, opacity and moral hazard», de 17 de Julho, descreve com maior detalhe e exactidão a teia de aranha do GES do que ainda hoje, três meses depois, a imprensa portuguesa consegue fazer.

No segundo, «How to rip off a bank, Espírito Santo style», de 3 de Agosto, isto é datado do próprio dia em que Carlos Costa anunciou a resolução, a situação do BES é escalpelizada com inesperado rigor para quem só tem acesso à informação pública. Nos dois primeiros parágrafos Frances Coppola escreveu:

«I have been going through Banco Espírito Santo's half-year 2014 results. They make pretty grim reading. No, actually it's worse than that. They read like an instruction manual on how to rip off a bank.

I can't work out if the BES management at the time was stupid, naïve, complacent or criminal. Probably all four. No matter – it has now been entirely replaced. Well, I say “no matter” - but actually such abysmal management DOES matter. Those responsible for audit, risk and compliance have been guilty of incompetence so gross it borders on the criminal. And the former CEO and vice-chairman, Ricardo Espírito Santo Salgado – a member of the Espírito Santo family – has been arrested on suspicion of money laundering and tax evasion. But I suspect he has done more than that: he was also chairman of ESFG, which – as will become apparent shortly – systematically drained the bank and its other subsidiaries. If he didn't know what was going on, he was incompetent: if he did, then he was a party to corruption and, perhaps, fraud on a simply massive scale. Exactly how massive is not yet clear. But I think we are talking billions of Euros.
»

Pro memoria aqui ficam registados os links.

22/10/2014

DIÁRIO DE BORDO: estórias do outro mundo (4) – Alf, Suárezz e os alienígenas de Kepler-186f

[Outras estórias do outro mundo: (1), (2) e (3)]

Conheci Alf, aka Gordon Shumway, em pessoa, por assim dizer, no Verão de 2002, quando passava férias com os Tanners na Quinta da Balaia. A primeira vez que o vi teria uns 245 anos e corria atrás de um gato, um dos muitos que lhe atribuíram ter comido nas redondezas.

A última vez que Alf telefonou foi a propósito do manifesto de um grupo de lunáticos a exigir «saber quem são os credores» (da dívida pública). Após quase três anos de silêncio, voltou ontem a contactar, desta vez através do Skype que em Melmac se chama Skalpe.

O tema foi mais uma das suas teorias conspiratórias. Que se dizia em Melmac ter Mário Soares (que ele pronuncia Suárezz) sido raptado quando passeava na praia do Vau (conhecida de Alf no Verão de há 12 anos) por alienígenas de uma civilização avançadíssima do planeta Kepler-186f do sistema solar Kepler-186 da constelação de Cisne. Soares após várias experiências nos laboratórios de Kepler-186f teria sido devolvido mais tarde à família com um comportamento estranho. Segundo Alf, algo correu mal - deu como exemplo a plástica de Renée Zellweger - e terá sido nessa altura que Soares ameaçou Cavaco de ter um destino semelhante ao de D. Carlos caso não demitisse o governo.

Como assim? interroguei. É certo que nos últimos tempos Soares parece sofrer de reviralhismo, uma doença julgada extinta e epidémica nos tempos do doutor Salazar, mas daí até à Zellweger vai uma grande distância. Cansado do meu cepticismo, Alf encaminhou-me para o artigo de Soares «A crise e Portugal» no DN e cortou a ligação do Skalpe com um amigável «fuck you».

Fui a correr procurar o artigo e li-o sofregamente. E não é que Alf pode ter razão. A primeira coisa a chamar-me a atenção foi a adjectivação de «muito inteligente» a Vítor Constâncio e ao líder socialista espanhol Pedro Sanchez. Seguiu-se a homenagem a Mario Draghi por aliviar o sofrimento dos PIGS, sob o olhar misericordioso de Sua Santidade o Papa Francisco, a decadência da senhora Merkel que não consegue exportar, a mudança total na UE que resultará da substituição de Barroso por Juncker, a Itália dirigida pelo presidente Napolitano que não tem poder executivo, a França dirigida pelo primeiro-ministro italiano Renzi, a direita grega que tem estado contra a austeridade, a descoberta pelos grandes magnatas económicos americanos que a exploração de petróleo e de gás tinha menos importância e valor, o que fez baixar o preço do petróleo, o que é «grave para toda a lusofonia.» Acaba com António Costa a «eliminar» o actual governo.

Lost in translation (214) – «Licença sabática»

Respondendo ao coro de petições para antecipar as eleições, a pretexto de garantir o OE 2016 aprovado antes do fim de 2015, Passos Coelho recusou-se a colaborar e recomendou que quem estivesse cansado do governo tirasse «licença sabática», com grande escândalo do jornalismo de causas e das forças vivas do país, como se chamavam nos tempos da outra senhora.

E não é caso para menos porque:
 (1) este governo não tem legitimidade para governar conforme já foi decretado pelo Dr. Soares;
(2) quanto muito, este governo poderia ser um governo de gestão enquanto o PS não dispusesse de um líder à altura;
(3) o PS já tem um líder ungido para o lugar;
(4) não faria sentido que esse líder aguardasse um ano para tomar posse do lugar que é seu por direito;
(5) só por essa razão Passos Coelho deveria demitir-se, como fez Santana Lopes permitindo a Sampaio dissolver o parlamento três meses depois da eleição de José Sócrates como líder do PS;
(6) sem isso, o futuro primeiro-ministro ficará exposto durante um ano a ser incomodado com perguntas inconvenientes sobre as políticas que irá adoptar;
(7) não colhe o argumento de Passos Coelho «a Constituição prevê exactamente quando devem ocorrer as eleições» porque a Constituição apenas dispõe «a legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas» e, como um dia disse o Eng. Guterres quando lhe perguntaram quanto era o PIB, «é só fazer contas»;
(8) feitas as contas, as quatro legislaturas com mais os prazos para convocar eleições e a temporada de praia atiram lá para Setembro ou Outubro;
(8) o que implicaria o ungido ficar quase um ano a dizer «a seu tempo se verá» e isso, sim, ofenderia os princípios da Constituição, ofensa que o Tribunal Constitucional não deixaria por certo de considerar.

21/10/2014

A maldição da tabuada (19) - Sol na eira e chuva no nabal

A oposição critica a proposta de OE 2015 por não ter cumprir o PAEF (défice de 2,5% em 2015 em vez de 2,7%, para já não falar do MoU que tinha como objectivo 3% em 2013), pelo aumento dos impostos, por comprometer o Estado Social e pelo irrealismo das previsões de crescimento.

Que fazer? Para baixar o défice orçamentado é preciso aumentar ainda mais os impostos e/ou comprometer ainda mais o Estado Social e/ou partir de previsões de crescimento mais irrealistas. Para baixar os impostos é preciso derrapar ainda mais no défice e/ou cortar ainda mais na despesa e/ou mais irrealismo nas previsões.

SERVIÇO PÚBLICO: Um país só pode ser tão bom quanto os mídia que tem


«Seria fácil supor que o verdadeiro inimigo da política democrática é a censura das notícias - e que, portanto, a liberdade de dizer ou publicar alguma coisa seria um aliado natural da civilização. Mas o mundo moderno está a ensinar-nos que há dinâmicas ainda muito mais insidiosas e cínicas do que a censura, como esvaziar as pessoas de vontade política. Isto implica confundir, maçar e distrair a maioria das pessoas da política apresentando os acontecimentos de tal forma desorganizados, fraturados e intermitentes que a maioria da audiência é incapaz de seguir o fio dos assuntos mais importantes. Um ditador contemporâneo não precisaria de banir as notícias: bastaria que fizesse as empresas de media difundirem um fluxo de boletins com tom aleatório, em grande quantidade e com pouca explicação de conteúdo. Isto, no contexto de uma agenda que fosse sempre mudando sem indicar a relevância dos assuntos que parecia m há pouco indispensáveis, tudo isto intercetado por atualizações constantes sobre pormenores coloridos sobre assassinos e estrelas de cinema. Isto seria suficiente para arruinar a capacidade da maioria elas pessoas para alcançarem a realidade política - bem como qualquer pretensão que possam ter tido de alterá-la.»

Entrevista do Expresso a Alain de Botton a pretexto do seu livro «As notícias: um manual de utilização»

Um dia como os outros na vida do estado sucial (19) – Da falta de recursos

No domingo um homem morreu na queda de um parapente na serra da Arrábida. «Na encosta onde a vítima caiu estiveram seis veículos e 14 operacionais, entre bombeiros voluntários e sapadores, INEM e GNR» (DN). A ASAE parece não ter estado presente. Quem falou na morte do estado sucial por falta de recursos?

Uma escola de Paços de Ferreira quer contratar uma professora de Educação Visual do ensino básico que tenha «obras publicadas, no regime de autor ou coautor, de carácter pedagógico ou científico». Uma outra de Odemira procurar um professor de matemática que domine o espanhol. (DN) Quem falou em descentralização do recrutamento de professores?

A RTP contratou serviços de segurança que custam 2 milhões de euros (CM). É um duplo desperdício. Se a estação fosse destruída poupavam-se mais de 200 milhões dos fundos públicos e perdia-se pouco mais do que as homilias do animal feroz ao domingo e The Voice Kids.

20/10/2014

SERVIÇO PÚBLICO: Se não se fazem as reformas a tempo só resta a austeridade

«Pregunta. Europa no encuentra la vía para superar la crisis.

Respuesta. Algunos países, como los del sur, necesitan reformas que les den credibilidad. Del mercado de trabajo, de pensiones, de organización del Estado... Alemania las hizo, los escandinavos también. Como Canadá o Australia. En el sur de Europa hicieron poco. Se han hecho en Grecia o en España, pero ya con el cuchillo en el cuello. Y eso ha tenido costes. En Alemania no esperaron al último momento. Las hicieron en 2002 y 2003.

P. No cita a Francia. ¿Qué reformas necesita Francia?

R. Muchas. El mercado de trabajo, por ejemplo. No se puede sostener con estas tasas de paro. No se puede sacrificar así a los jóvenes. No se puede mantener un gasto público tan elevado. Supone demasiadas cargas para el Estado, para los empresarios... Sale muy caro. Y resulta muy difícil ganar competitividad en estas circunstancias.

P. ¿Es posible mantener el euro sin una unión política, sin una unión económica?

R. Se necesita más Europa, sin duda, pero la Europa del norte es cada vez más reticente hacia la del sur. Es un tema para hablarlo durante horas.

P. En Francia hay muchas resistencias a las reformas.

R. Sí, en la opinión pública y entre los políticos. Pero la degradación económica es profunda y hay que actuar. Hay un ejemplo claro: la tasa sobre el carbono. La medida la tomó la derecha y todo el mundo estaba de acuerdo. Ahora, la mayoría de la clase política está en contra. Es un síntoma de que tenemos un Estado débil. Los lobbies tienen una gran influencia en Francia.

P. En todo caso, usted mantiene que Francia no es un país en declive, en decadencia.

R. No, porque tiene muchos valores. Eso sí, conviene no perderlos demasiado deprisa.

P. ¿Cómo ve la batalla entre París y Bruselas por el elevado déficit francés?

R. El déficit actual por encima del 4% no es una excepción. El problema de Francia es que desde hace cuatro décadas no tiene un presupuesto equilibrado. Incluso en periodos de bonanza aumenta el déficit y no hace reformas. La austeridad es complicada para la economía, pero si no se hacen reformas a tiempo, es la única solución.»


Excertos da entrevista de El País a Jean Tirole, o novo Nobel da Economia. A entrevista tem o título «En España o Grecia se han hecho las reformas con el cuchillo en el cuello»

Pro memoria (201) – Atropelado pelo princípio da realidade e pelas leis de Parkinson

António Costa candidato a primeiro-ministro, cujos bolsos estão cheios de soluções de crescimento para o país, reconheceu que «não existe solução» para um problema deveras mais simples que são as inundações na cidade da qual é presidente da câmara.

É claro que solução, do tipo «solução final», para o problema das inundações, não existe. Nem para qualquer outro problema dessa natureza e magnitude. Por isso, Costa não pode ser responsabilizado pela falta de «solução final». Contudo, há medidas de mitigação do problema pela falta das quais Costa pode e deve ser responsabilizado.

E, por maioria de razão, deve ser responsabilizado por decisões que eliminaram medidas de mitigação como a manutenção preventiva dos colectores, ao extinguir em 2011 o departamento de obras de infra-estrutura e saneamento da CML reduzindo os seus 130 elementos a menos de metade e integrando-os em outros departamentos. Ao mesmo tempo que extinguia esse departamento mantinha nos quadros da câmara (ver este post do Impertinente):
  • 330 arquitectos 
  • 101 assistentes sociais 
  •  73 psicólogos 
  •  104 sociólogos 
  •  146 licenciados em marketing 
  •  260 engenheiros civis 
  •  156 historiadores 
  •  303 juristas, cujo serviço se supõe que deve ser dar parecer sobre os pareceres que a CML encomenda a gabinetes de advocacia privados, incluindo um a quem a câmara pagou 75 mil euros por um ano e 10 meses.

E tudo isto apesar de ter sido alertado há 4 anos para «uma situação de muito perigo, que é a degradação da rede de saneamento (que se encontra) num estado deplorável». E quem fez esse diagnóstico? O mesmo António Costa que pelos vistos sofre de um sério problema de dupla personalidade.

[Fonte: «Câmara desmantelou serviços de saneamento», Paulo Paixão no Expresso]

19/10/2014

ARTIGO DEFUNTO: Se eles ao menos lessem os jornais onde escrevem (4)

O que é um facto para um escritor que faz jornalismo de causas? Depende de quem é o escritor mas é provável que seja ficção. Exemplo: para Miguel Sousa Tavares o «Facto 5.» é «depois a ministra das Finanças confessar que já não é possível cortar mais a despesa do Estado (que continua a subir), ficou claro para todos que nunca haverá qualquer alívio fiscal, pois que está morta e enterrada qualquer veleidade de fazer o ajustamento por via da despesa e não da receita».

Duas páginas antes daquelas elucubrações há um artigo cujo título se lido por MST seria só por si suficiente para não escrever asneiras: «Despesa só cortou metade do défice». Se fosse para além do título, MST ficaria ainda a saber que

«De acordo com os cálculos do Expresso, a redução de 8,4 pontos percentuais no défice entre 2010 e 2015 é explicada em 4,4 pontos por diminuição dos gastos e os restantes quatro pontos como resultado de aumento de receita.

Neste cinco anos, o défice contabilizado com as novas regras europeias (SEC 2010) passou de 11,2% do produto interno bruto (PIB) em 2010 para 2,7% previstos para o próximo ano. A despesa recuou de 51,8% para 47,4%, enquanto a receita aumentou o peso de 40,6% para 44,6% do PIB.
»

DIÁRIO DE BORDO: Roubo inventivo

Great Wall, uma espécie de IBM XT (Museu de Tecnologia de Shenzen)

18/10/2014

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Coisas que outros escreveram sobre Costa, as quais, por isso, já não precisam de ser escritas (6)

Outras coisas: «Para mim Costa não é um mistério», (2), (3), (4) e (5).

«Uma manhã de Primavera deste ano de 2014, fui – com gosto – ao Largo do Intendente de propósito para oferecer a António Costa o livro que fiz com Vítor Gaspar. Meti-me no metro e fui, mas lembro-me do que ouvi: de Vítor Gaspar, com graça; do resto, sem nenhuma. Os argumentos eram os de hoje: a “obsessão” com a divida, a importância descomunal que “se” dava ao défice, os erros “crassos” da política do governo; a obediência servil à Alemanha e a subserviência cega à troika (cito de memória mas quem de imediato não reconhecerá António Costa nestes propósitos se eles não se alteraram um milímetro?).

É verdade: nada, ou quase nada, mudou na atitude político-mental de quem não compreende a economia que se vive nos nossos dias; não alcança a importância crucial da saúde das empresas como motor de verdadeiro crescimento económico; não atende à economia como fonte de criação de riqueza e tem tendência a achar que o mercado é algo de desprezível a que aqui só obedecem os neoliberais que nunca houve.
»

Crise de realidade, Maria João Avillez no Observador

ARTIGO DEFUNTO: Os espectros que pairam sobre o jornalismo de causas

«Há um espectro que paira sobre a Europa. Um espectro que aponta para o fim de um ciclo de austeridade punitiva nos países vulneráveis à dívida, ao défice público e aos ataques dos mercados financeiros. Não chegou através de uma revolução, nem teve como arauto um revolucionário obediente a ideologias radicais. Bastou uma eleição democrática na França e a subida ao poder de um político centrista para que, num ápice, a Europa reflectisse a fundo sobre a sua caminhada para o caos.»

Escrito em 23-05-2012 num artigo de opinião não assinado do Público, a propósito das eleições presidenciais francesas que deram a vitória a François Hollande, e recordado há dias por José Manuel Fernandes no Observador.

Moral da estória: a qualidade do jornalismo de causas mede-se pelas suas capacidades preditivas.

17/10/2014

Dúvidas (52) – O que faria funcionar o Moedas?

«O Moedas, o Moedas! Eu punha já o Moedas a funcionar», disse José Manuel Espírito Santo Silva. Ricardo Salgado não perdeu tempo e fez de imediato a ligação telefónica para o pôr a funcionar. «Carlos, está bom? Peço desculpa por esta a chateá-lo a esta hora.»

O Carlos dispõe-se a falar com José de Matos da CGD e com o ministro da Justiça do Luxemburgo onde estava a iniciar-se uma investigação por fraude a várias empresas do GES. «Obrigado, Carlos, um abraço», terminou o Dono Disto Tudo.

Gravação de uma reunião em 2 de Junho do Conselho Geral do GES, divulgada pelo jornal SOL

ACREDITE SE QUISER: E se for consentido?

«O governo dinamarquês está a planear tornar ilegal a prática de sexo com animais. A decisão foi avançada pelo ministro da Comida e da Agricultura dinamarquês, Dan Jørgensen, refere o Independent. A Dinamarca é um dos poucos países europeus que ainda permite a bestialidade. Apesar dos apelos emitidos por organizações ligadas aos direitos dos animais, a sua proibição nunca tinha sido formalmente discutida.» (Observador)

Ora aqui está uma nova frente de luta que se abre à esquerda fracturante.

16/10/2014

ESTADO DE SÍTIO: A vida para além do orçamento

O que se pode dizer da proposta de OE 2015? Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. Nem traduz o aprofundamento das poucas reformas feitas e muito menos reflecte novas reformas. Nem é uma rendição incondicional às eleições. Nem é um orçamento à prova de surpresas, antes pelo contrário. Nem é um orçamento isentos de riscos. Nem é pura ficção orçamental.

É o quê afinal? É o melhor que um governo desgastado em fim de estação consegue fazer, num país à deriva, habitado por um povo que gosta muito do Estado Social e espera que ele seja pago pela Óropa, e com uma oposição perdida nos vários passados irrepetíveis: no passado do dinheiro abundante, das obras faraónicas e da Europa connosco, uns; no passado do PREC, das nacionalizações, do combate aos monopólios e do Estado a caminho do socialismo, outros; no passado das causas fracturantes, ainda outros.

Fonte: «Resumo dos aspetos essenciais do Orçamento do Estado para 2015, PwC

Em resumo: as despesas correntes ficarão ao mesmo nível de 2013 e as receitas fiscais continuam a subir a galope. Tradução: o país produtivo esvai-se a um ritmo crescente para sustentar um Estado pantagruélico e ineficiente. É a herança da coligação PSD-CDS que o PS merece, Não é o orçamento que o país precisa.

Ah, já me esquecia. Estradas de Portugal, Refer, ML, CP e Metro do Porto que tiveram em 2014 um perdão da dívida de 1,8 mil milhões de euros, vão receber em 2015 2,2 mil milhões de euros para a conversão de dívida em capital.

SERVIÇO PÚBLICO: As armas químicas inexistentes de Sadham afinal sempre existiam

Há vários mitos relacionados com a segunda intervenção no Iraque da coligação liderada pelos Estados Unidos. O ano passado tratámos do mito das 120 mil mortes causadas pela intervenção que afinal serão menos de 14 mil.

Nesse mesmo post, admitimos a «ficção de inexistentes armas de destruição maciça» para justificar a intervenção. Pois bem, afinal a ficção é um mito e, pelo menos quanto às armas químicas, foram encontradas abundantes provas da sua existência, segundo as conclusões do New York Times assim sumarizadas na sua newsletter sobre o tema:

«From 2004 to 2011, American and American-trained Iraqi troops repeatedly encountered, and on at least six occasions were wounded by, chemical weapons remaining from years earlier in Saddam Hussein’s rule, an investigation by The New York Times has found.

The American government withheld word about the chemical weapons from both the troops it sent into harm’s way and from military doctors.

The United States had gone to war with Iraq declaring that it had to destroy an active weapons of mass destruction program, but instead, American troops found the remnants of long-abandoned programs built in close collaboration with the West — often in territory that is now controlled by the Islamic State.»

The Secret Casualties of Iraq’s Abandoned Chemical Weapons, um bem documentado artigo de C. J. Chivers, no NYT

Fonte: C. J. Chivers, no NYT (ver link acima)

Pro memoria (200) – Atropelado pelo princípio da realidade (II)

«Não se pode, evidentemente, ao mesmo tempo, defender o progresso do Serviço Nacional de Saúde, defender o progresso da escola pública, defender o progresso na capacidade da proteção social e depois ter promessas desbragadas em matéria de diminuição dos impostos».

Ferro Rodrigues, o novo líder parlamentar do PS em entrevista à TSF

15/10/2014

Pro memoria (199) – Atropelado pelo princípio da realidade

«O presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, disse hoje que "não existe solução" para as inundações na cidade, refutando as críticas dos partidos da oposição sobre o plano de drenagem.» (DN)

Inundações à beira do Tejo da Gulbenkian
Hoje as inundações em Lisboa, para o ano a dívida pública e a austeridade, com outro nome claro – talvez redressement, como son ami François.

Títulos inspirados (32) – Cavaco, o contrariador

Como aqui e aqui já foi referido, a ministra das Finanças foi acusada, e justamente, de ter escondido aos deputados, aos jornalistas, aos analistas e aos comentadores informação privilegiada: a Caixa é um banco público, tem 30% do mercado bancário e tem, portanto, a mesma participação no Fundo de Resolução e, consequentemente, a Caixa pagará 30% das perdas com a resolução do BES e, no fim da linha, esse custo poderá ser suportado pelo accionista da Caixa que é o Estado.

Talvez tentando expiar a vergonhosa culpa, o primeiro-ministro e a ministra das Finanças admitiram que uma perda suportada no Fundo de Resolução pela Caixa poderia ter «reflexos indirectos» no accionista Estado deixando implícito que os contribuintes poderiam pagar a factura.

Entretanto, o venerando chefe de Estado Cavaco Silva, tirou-se dos cuidados e explicou com vasta soma de pormenores que os contribuintes não pagam nesse caso coisíssima nenhuma «porque não é certo, que pela via da diminuição dos prejuízos da Caixa Geral de Depósitos pela via do fundo de resolução então os contribuintes estão a suportar custos porque então ter-se-ia que dizer que toda a despesa da Caixa Geral de Depósitos era suportada pelos contribuintes». Dir-se-á que isso é só uma questão formal porque no fim da festa o contribuinte acaba por pagar todas as facturas do sector público, sejam elas da administração central, autarquias ou sector empresarial do Estado.

Podemos discutir longamente esta minhoquice, mas do que não restam dúvidas é que com tais explicações o venerando chefe de Estado contrariou a tese prevalecente entre deputados, jornalistas, analistas e comentadores de que a dupla Passos-Albuquerque lhe estava a escamotear informação preciosa (aquela que começava por ser a Caixa um banco público, etc.), porque muito simplesmente, segundo o venerando, não haveria prejuízo nenhum a esconder.

E o que fabricou o jornalismo de causas da Lusa – uma agência pública, recorde-se, com a desvelada colaboração de vários jornais? «Notícias» assim tituladas: «Cavaco contraria Passos sobre custo do Novo Banco para os contribuintes» (Económico), «Cavaco contraria Passos e Maria Luís» (DN), «Cavaco contraria Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque no caso BES» (Público)

14/10/2014

BREQUINGUE NIUZ: Generosidades

«Câmara de Lisboa aprova donativo de 40 mil euros à Fundação Mário Soares» (DN)

«Portugal doa 25 mil euros para a reconstrução da faixa de Gaza» (Expresso)

A Fundação Mário Soares dá um contributo prestimoso para repor a democracia em Portugal, como se sabe interrompida por este governo ilegítimo. E este governo confirma a sua ilegitimidade com uma ajuda miserável às vítimas dos judeus.

Para quem duvide do contributo patriótico, leia este texto publicado no site da fundação onde o Dr. Soares partilha connosco considerações patrióticas como «Só um cego não vê que este Governo está no fim … o País inteiro quer que este Governo mude, porque só tem destruído Portugal e lançado na miséria milhares de portugueses».

Pro memoria (198) – Ora acontece que António Costa se fez de morto

Evidentemente não faria sentido nenhum responsabilizar um presidente da câmara pelas chuvadas que caem no concelho. Nem mesmo pelas inundações causadas por estas chuvadas quando um conjunto de circunstâncias meteorológicas e hidrológicas excepcionais se reúnem para causar inundações, nomeadamente quando a precipitação atinge um nível com probabilidade de ocorrência muito baixa.

Ora acontece que segundo os dados do IPMA em Lisboa «os valores registados em 22 de Setembro de 2014 são mais baixos que os valores registados em 18 de Fevereiro de 2008» e foi o que se viu. A coisa foi justificada pela câmara com o período de precipitação mais forte entre as 13:00 e as 15:00 coincidir com a preia-mar às 14:13.

Ora acontece que ontem 2.ª feira, a chuva mais forte foi no mesmo período e desta vez a baixa-mar foi às 12:59 e a preia-mar às 19:33.

Ora acontece que, ontem como no dia 22 de Setembro, não foram só as zonas baixas da cidade que sofreram inundações, também as zonas altas: Sete-Rios, S. Sebastião, Calçada de Carriche, Av. João XXI, túneis do Campo Grande, Praça de Espanha, etc.

Ora acontece que o presidente da câmara vai para 5 meses que se dedica à promoção da sua candidatura a candidato a primeiro-ministro e ao comentário político na Quadratura do Círculo. Se no dia 22 de Setembro ainda se mostrou aos mídia, ontem fez-se de morto, bem como toda a vereação. Ter-se-ia feito de morto se em vez de uma cidade alagada tivesse uma inauguração para fazer?

Ora acontece que ninguém exigiu que a criatura pedisse desculpa aos residentes e aos que trabalham em Lisboa. Nem ninguém pediu a sua demissão. Percebe-se porque a criatura foi ungida, tem boa imprensa e está a caminho de S. Bento para continuar a obra socialista.

Pro memoria (197) – Pagando o sistema de cobranças das SCUT (Recapitulando)

O Expresso recordou há dias que a Estradas de Portugal está a renegociar sete concessões das ex-SCUT para tentar reduzir os custos de cobrança, actualmente em média 26% e atingindo 48% na concessão do Grande Porto da Ascendi, uma participada da Mota-Engil - até recentemente presidida por Jorge Coelho, l’éminence grise do socialismo - e do GES – não carece de apresentações – em 60% e 40% respectivamente.

Com vários anos de atraso, a Estradas de Portugal concluiu que estes pletóricos custos só poderão ser reduzidos com um novo sistema. Como chegámos aqui? Como o défice de memória dos portugueses é ainda mais crónico do que o défice orçamental, vou aproveitar para recapitular a matéria dada (ver a etiqueta CCUT).

Ao princípio eram as SCUT, mais apropriadamente designadas por CCC = Com Custos para o Contribuinte e mais tarde com a introdução das portagens por CCUT, uma invenção da dupla Guterres-Cravinho, que proporcionaria uma espécie de paraíso rodoviário onde se circularia à borla até ao fim dos tempos. Já então, para os mais precavidos, borla significava uma pesada factura nas próximas décadas, como até os portugueses mais distraídos haveriam de perceber gradualmente nos anos seguintes.

Dez anos mais tarde José Sócrates, o discípulo de Guterres, apertado pela falta de dinheiro, foi forçado a mandar o ministro Mário Jamais Lino instalar o sistema de cobrança de portagens das SCUT. O ministro aprestou-se a instalar as portagens «o mais depressa possível», o que demorou praticamente 7 anos, como se recorda nesta retrospectiva.

Em vez de então optar pelo sistema testadíssimo da Via Verde, o governo começou por escolher um sistema de chips de matrícula, por razões que só se compreenderiam estando envolvidos donativos para o PS e para os intermediários, como aqui se deduziu, e acabou a escolher o sistema actual de pórticos, presumivelmente pelas mesmas razões.

Há dois anos, decorridos 9 anos da escolha do sistema de cobrança de portagens pelo ministro Jamais Lino, a Estradas de Portugal, segundo o Expresso, já pagava 42 milhões de euros para cobrar as portagens nas sete SCUT, ou seja mais de 40% do seu valor. Em 2012 esses custos elevaram para 45 milhões de euros.

Não admira ter-se chegado a um volume de dívida da empresa que António Ramalho, presidente da EP considera ser o «verdadeiramente insustentável», como disse à comissão parlamentar de inquérito às PPP.

Até 2030, a responsabilidade da EP com as concessões rodoviárias era o ano passado de 16 mil milhões de euros, sem IVA, ou seja mais de 15 vezes o EBITDA da empresa.

Nos momentos mais exaltados, os indignados que hoje vociferam contra a austeridade, a troika, a Merkel e o governo deveriam bater nas suas desconchavadas monas para se punirem por esses anos de alienação, poupando-nos a essa indignação tão tardia quanto inútil.

13/10/2014

DIÁRIO DE BORDO: Como o justicialismo degenera (outra vez) em oportunismo e falta de princípios (VI)

[Continuação de (I), (II), (III), (IV) e (V)]

Depois de se ter proposto fazer um «striptease» dos seus rendimentos como deputado ao PE, completamente inútil porque tais rendimentos são públicos, Marinho e Pinto recusa confirmar ter recebido da Ordem dos Advogados um subsídio de reintegração de 54 mil euros aprovado pelo Conselho Geral durante o seu mandato como bastonário, alegando que isso faz parte da sua «vida privada».

CASE STUDY: Um minotauro espera a PT no labirinto da Oi (16)

[Outras esperas do minotauro]

A intelligentsia deste país só agora passados vários anos começa a perceber o que aconteceu à PT com a venda da Vivo e a compra da Oi. Se lessem o (Im)pertinências teriam ganho 44 meses.

Havia várias coisas importantes já conhecidas, por exemplo: o móbil da venda da Vivo foi financiar as tesourarias secas dos accionistas da PT – em especial o GES -, e a compra da Oi foi uma jogada política triangulada por Ricardo Salgado, José Sócrates e Lula da Silva e os seus respectivos acólitos, com motivações diversas. Pelo lado dos brasileiros tratava-se a sacar dinheiro à PT para pagar uma parte das dívidas ao BNDES – uma espécie de banco de fomento do lulismo. Pelo lado do governo de Sócrates tratava-se de uma dupla motivação: (1) limitar os danos - se o produto da venda da Vivo ficasse na PT seria totalmente sorvido pelos accionistas com o GES à cabeça e (2) montar uma operação de grande efeito mediático em que o animal feroz acossado pelo resgate iminente apareceria como o salvador da pátria.

Depois, foram-se conhecendo outras informações que confirmaram a extensão da manobra urdida por Ricardo Salgado e acólitos. Deu à costa um email deste último em que insinua ter sido acordado com os accionistas da Oi que estes iriam comprar com o dinheiro da venda à PT da participação na Oi dívida das participadas do GES para manter este a flutuar. Seria uma jogada de mestre – se os outros jogadores estivessem a dormir. Não estavam, tinham tão poucos escrúpulos quanto a gente do GES e aproveitaram o escândalo do BES e da compra de obrigações da RioForte pela PT e encostaram a gestão e os accionistas portugueses às cordas.

Agora que caiu a cabeça de Zeinal Bava, deixando a PT totalmente entregue aos accionistas da Oi e começando a suspeitar-se pretender a Oi vender a PT nos saldos, começam a ficar clara a extensão do desastre resultante essencialmente da relação incestuosa entre o capitalismo de compadres e o lulismo e o socratismo, modalidades do socialismo tropical e subtropical, respectivamente.

E o que fazem agora os que anunciaram os amanhãs radiosos de uma PT para a Lusofonia quando a operação Vivo por Oi se consumou? Imploram que o governo de Passos Coelho prolongue essa relação incestuosa para assegurar novos amanhãs menos radiosos, não já de uma PT para a Lusofonia, mas ao menos de uma PT para o Portugal dos Pequeninos. Esquecem tudo e não aprendem nada.

ADITAMENTO:

Nem de propósito, António Costa escreveu hoje Económico :

«Em primeiro lugar, gerou-se uma espécie de movimento de protecção dos centros de decisão nacional, outra vez. Sim, há muito boa gente que defende que o Governo deve meter-se num negócio de privados. É um pedido inútil, mas sobretudo errado. 

 Saberão que a PT Portugal, a empresa que tem a tecnologia, a inovação, o Meo, já é uma subsidiária brasileira da OI? Desde Abril, desde que a fusão avançou, a PT que está em bolsa, a SGPS, já não tem negócio, tem uma participação na Oi, e é esta empresa que tem a chamada PT Portugal. Poderia chamar-se Oi Portugal, mantém o nome PT apenas por razões políticas. Ora, se há lição a tirar dos últimos anos de governação em Portugal, é a de que os governos meteram-se no que não deviam, por más razões. Os mesmos que aplaudiram Pedro Passos Coelho por deixar cair o Grupo Espírito Santos (GES) pedem agora que o primeiro-ministro defenda a PT, viciando a concorrência. A que título? Por que do lado de lá, o Estado brasileiro é accionista da Oi? Estarão à dizer-nos que o Governo deve usar o dinheiro dos contribuintes para salvar a PT, para defender um negócio de telecomunicações, é isso?»

12/10/2014

Lost in translation (213) – Traduzindo a coisa por miúdos (II)

Continuação de (I).

Nove em cada dez analistas e comentadores (não sei qual é a diferença) encartados queixam-se que só agora perceberam o que a ministra das Finanças nunca lhes explicou, a saber: a Caixa é um banco público, que tem 30% do mercado bancário e tem, portanto, a mesma participação no Fundo de Resolução e, consequentemente, a Caixa pagará 30% das perdas com a resolução do BES e, no fim da linha, esse custo poderá ser suportado pelo accionista da Caixa que é o Estado.

Jorge Marrão escreveu há dias no Negócios que «aos políticos, exigimos sonhos. Aos economistas, devemos exigir que lhes expliquem o campo de possibilidades. A ordem temporal é simples: merecemos os políticos que escolhemos, e os políticos têm os economistas que merecem.»

Bem me pareceu que a coisa estava incompleta. Deveremos acrescentar: «e uns e outros têm os analistas e comentadores que podem».

ESTADO DE SÍTIO: As Forças Armadas existem para dar emprego aos militares

«Segundo a imprensa, o Presidente da República terá dado a "garantia" de que, embora Portugal apoie a operação contra o IS, está fora de questão envolver forças militares no terreno. Por um momento, cheguei a temer que os nossos F-16 ou as nossas fragatas Meko pudessem servir para alguma coisa e que as nossas Forças Armadas fossem chamadas, 40 anos depois do último tiro disparado, a outras tarefas que não a de serem sinaleiros no aeroporto militar de Cabul ou motoristas no Kosovo. Que pudessem acompanhar outras nações, de dimensão igual à nossa - como a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca -, cuja aviação militar está envolvida no combate ao EI, em lugar de ficar em casa a discutir promoções e carreiras, o sistema exclusivo de saúde ou a magna questão militar da fusão entre os colégios de Odivelas e o Colégio Militar.»

Escreveu Miguel Sousa Tavares no Expresso de ontem, assaltado por uma irónica lucidez, esquecendo que as Forças Armadas existem para dar emprego aos militares, tal como o ministério da Educação existe para dar emprego aos professores e em geral a Administração Pública existe para dar emprego aos funcionários públicos. No tempo do fascismo estes chamavam-se «servidores do Estado» (ainda existe uma coisa chamada «Montepio dos Servidores do Estado»). Hoje os «servidores do Estado» são os contribuintes que trabalham nas empresas privadas para alimentar o Moloch em que os diversos socialismos transformaram o Estado Social.

11/10/2014

DIÁRIO DE BORDO: Soares lava mais branco

«Quando ele falar, e vai falar, as coisas vão ficar de outra maneira. Ao princípio era tudo banditismo, mas agora os portugueses já perceberam que não é assim», Mário Soares sobre Ricardo Salgado de quem o povo diz que «roubou» milhões.

«Foi um grande presidente de câmara e considero que foi injustiçado. Quando há pessoas que roubam milhões e estão soltas, como é que ele foi preso sem razão nenhuma?», Mário Soares sobre Isaltino de Morais que foi condenado por «roubar» centenas de milhares.

A atracção fatal entre a banca do regime e o poder (25) – Um trilema

[Mais atracções fatais]

Para uma seguradora, agora comprada pelo Fundo Apollo, que se encontrava há anos a caminho da insolvência (recorde-se por exemplo aqui ou aqui), receber todos «estes os prémios, atribuídos por consumidores e entidades independentes», que cobrem um período que vai de de 2004 a 2014, só pode significar que ou bem estes prémios (em particular o do «Reputation Institute», atribuído precisamente nos anos em que existem forte indícios que a Tranquilidade só se mantinha flutuar com muito ar soprado nas contas), valem o que valem, como diz a nossa classe política para dizer que as coisas em causa não valem nada, ou bem que o Dr. Ricardo Salgado merecia o prémio «O Grande Mistificador» pela sua carreira, ou bem que os prémios valem o que valem e o Dr. Salgado também.


10/10/2014

Mitos (179) – O TARP foi a socialização dos prejuízos (6)

Outros exemplos do mesmo mito: (1), (2), (3), (4) e (5).

O mito em causa, muito carinhosamente alimentado pela esquerda europeia, é o TARP (Troubled Asset Relief Program) ter sido inventado pela administração Bush para salvar a bolsa dos capitalistas da economia de casino.

O ponto de situação do bailout (fonte) mostra que neste momento os contribuintes americanos já recuperaram com lucro o dinheiro aplicado no TARP e ainda falta reembolsar mais de 1/3 dos montantes.


Quando comparamos com o bailout doméstico do BPN (e talvez com o do BES que pode correr mal) temos de dar razão ao Impertinente: «a pátria do capitalismo é o inferno dos capitalistas» e acrescentar o socialismo lusitano é o paraíso dos capitalistas.

09/10/2014

Lost in translation (212) – Traduzindo a coisa por miúdos

Podemos dormir descansados. Temos um governo que cuida com desvelo dos nossos interesses e, quando falha, temos a oposição, em particular a oposição berloquista.

Segundo disse no parlamento, com a sua linguagem colorida, a deputada Mariana Mortágua, a resolução do BES «foi apresentada como não tendo um tusto de dinheiro dos contribuintes vai ter, sim, um custo para os contribuintes», porque a ministra das Finanças assumiu agora que a Caixa Geral de Depósitos «pode ter perdas» com o Novo Banco.

Maria Luís Albuquerque disse no parlamento na semana seguinte à intervenção que «a responsabilidade é exclusivamente do sector financeiro». Não explicou aos deputados que representando um banco x% do mercado bancário terá uma participação de x% no Fundo de Resolução e, por isso, suportaria a proporção de x% numa perda relacionada com a resolução de BES. E também omitiu que a Caixa é um banco público com 30% do mercado

Se não fosse a clarividência e competência técnica da deputada e economista Mariana Mortágua ainda hoje teríamos ficado sem saber que a Caixa é um banco público, que tem 30% do mercado bancário e tem, portanto, a mesma participação no Fundo de Resolução e que, consequentemente, a Caixa pagará 30% das perdas com a resolução do BES e, no fim da linha, esse custo poderá ser suportado pelo accionista da Caixa que é o Estado.

Isso não aconteceria se o BES fosse nacionalizado como preconizou a deputada. A coisa ficaria logo arrumada com o Estado com accionista único do BES. Para quem tenha dúvidas, veja-se o modelo BPN que, segundo Teixeira dos Santos, «não custou nada» e o nada vai já em 7 mil milhões.

08/10/2014

Estado empreendedor (92) – As reformas não consistem em ejaculações legislativas (II)

Em menos de um mês o governo acrescentou ao seu passivo dois falhanços em toda linha. Primeiro, o colapso da plataforma Citius comprometeu a reforma judiciária e revelou falta de capacidade de gestão e, em particular, de antecipar e gerir os riscos inerentes a um sistema que nasceu torto. A seguir o caos em centenas de escolas por problemas de colocação de professores, tudo indica pelo mesmo tipo de razões.

No fundo a raiz dos problemas é sempre a mesma. A dimensão e complexidade da máquina centralizadora do Estado está acima das capacidades de gestão do pessoal político e técnico disponível. E o mais dramático é que o caos se multiplica precisamente quando se pretendem introduzir reformas, as quais adicionam à insuficiente capacidade de gestão as resistências activas das corporações afectadas pelas reformas – nestes casos professores, advogados e juízes. Em relação à colocação dos professores, leia-se o artigo de José Manuel Fernandes, um dos pouquíssimos que faz uma análise objectiva e imparcial das razões do falhanço.

Daqui resulta que há mais garantias de tudo «funcionar bem» não mexendo em nada do que introduzindo reformas. É claro que não mexer em nada significa manter inalterado um Estado omnipresente e ineficiente que consome metade dos recursos do país, empurrando com a barriga os problemas, mas isso não tira o sono a uma classe política medíocre, nada patriótica e sem coragem que procura no exercício da política o meio de vida que não tem fora dela.

Exemplos do costume (25) – O vómito rancoroso cor da rosa

Percebo termos todos, em graus e quantidades variadas, os nossos ódios de estimação. Esforçando-me, consigo até perceber que arrebatados por esses ódios se digam disparates, asneiras, se atropelem os factos e se insultem os objectos dos nossos ódios. De preferência em privado.

Foi o que fez, mais uma vez, em público e letra de forma, Clara Ferreira Alves na sua coluna Pluma Caprichosa que alimenta há anos na Revista do Expresso com material desse calibre. Desta vez foi a respeito de António José Seguro e Passos Coelho, cujos nomes não cita e a quem se refere como o «passarito» e o «passarão» respectivamente, numa peça salpicada de subentendidos e insinuações.

Acontece, porém, ser Clara Ferreira Alves uma jornalista profissional, com salário pago pelo Dr. Balsemão, que vai no seu escrevinhar muito para além dos limites em matéria de insulto pessoal até para os padrões do jornalismo de causas. Acontece que a peça não é jornalismo de investigação, nem sequer se pode classificar como comentário político, porque não tem nada de investigação nem político. E muito menos de jornalismo. É mau de mais até para Clara Ferreira Alves.

À falta de melhor adjectivação, chamo ao escrito da Pluma Caprichosa vómito rancoroso cor da rosa, inspirado no falecido Mário Castrim, um notório comunista, que, referindo-se ao Comércio do Funchal, um notório refúgio do esquerdismo bem-pensante, nos fins dos anos sessenta e princípios dos anos setenta, apelidava o jornal em causa de «vómito cor-de-rosa» (que era cor das folhas do dito). O rancoroso não precisa de explicação. A «cor da rosa» é pelas suas públicas inclinações por José Sócrates, agora transportadas para António Costa que está tão presente na peça que nem precisou de ser citado.

E é um vómito rancoroso não por ser cor da rosa – podia ser cor-de-rosa, vermelho ou azul – mas por evidenciar uma parcialidade e enviesamento doentios, ainda que não surpreendentes para quem fez a vergonhosa entrevista branqueadora e exaltante de José Sócrates, entrevista inspirada na doutrina Somoza cuja autópsia foi feita na morgue do (Im)pertinências (ver I, II, III e IV).

07/10/2014

CASE STUDY: Estava escrito nas estrelas (5)

[Continuação de (1), (2), (3) e (4)]

Segundo a Reuters, é provável a Comissão Europeia decidir rejeitar o orçamento de 2015 da França por não cumprir com as metas fixadas para redução do défice. É uma inauguração para a Comissão na aplicação das novas regras e tem dois desfechos: (1) penalizações simbólicas e mais uns anos para reduzir o défice para 3% ou (2) a CE faz finca-pé na reformulação do orçamento conformando-o às metas em vigor. O primeiro desfecho é o mais provável porque o segundo elevaria o conflito a um nível que poria em causa o castelo construído sobre a areia que é a União Europeia.

É nestas alturas é que a memória da história se torna indispensável. Quando, logo após a queda do Muro de Berlim, a Alemanha Ocidental quis avançar para a reunificação, a França pôs várias condições, sendo a mais importante a criação de uma moeda única para «amarrar» a Alemanha à União. Os alemães aceitaram muito relutantemente prescindir do seu adorado marco na condição de existirem regras minimizando o risco do deboche orçamental, regras que os franceses aceitaram sem relutância porque imaginaram que os amanhãs orçamentais continuariam a cantar para todo o sempre como cantavam à época.

A construção da UE enferma de vários vícios que comprometem a sua viabilidade. O maior desses vícios é o ser uma construção top-down feita num longo período excepcional e irrepetível de vacas gordas e baseada em premissas que não resistiram aos primeiros 7 anos de vacas magras.

A UE é por isso dificilmente sustentável porque uma história de séculos de divisões e guerras não se apaga em poucas décadas só porque uns quantos dirigentes resolvem impor uma sua brainchild. Teria sido mais prudente ficar pelo mercado único (aprofundado e alargado aos serviços) do que avançar em terrenos desconhecidos a caminho para um estado federado.

E talvez o pior dos dois mundos seja ficar algures a meio do caminho, com uma união monetária que não reúne as condições mínimas para constituir uma zona monetária óptima como se vem escrevendo no (Im)pertinências há 8 anos.

Curtas e grossas (14) - Tendo-se o que se procura, tem-se o que se merece

«Aos políticos, exigimos sonhos. Aos economistas, devemos exigir que lhes expliquem o campo de possibilidades. A ordem temporal é simples: merecemos os políticos que escolhemos, e os políticos têm os economistas que merecem.»

Jorge Marrão, no Negócios

06/10/2014

Encalhados numa ruga do contínuo espaço-tempo (23) – Os bustos dos ditadores da esquerda têm melhor estética do que os da direita

«Se a grandeza de um país se medir pelo ridículo das polémicas que inventa, Portugal é enorme. O escândalo da semana prende-se com uma exposição de bustos dos presidentes da República no Parlamento. A inclusão dos chefes de Estado do Estado Novo levou o PCP a considerar a coisa "um enxovalho à democracia". Talvez mal habituado pelos belos traços faciais dos drs. Fazenda e Semedo, o Bloco considerou que o busto de Américo Tomás "não é só uma questão histórica, mas estética". E, do lado do PS, esse sofisticado portento que dá pelo nome de Jorge Lacão invocou o Bundestag e comparou o falecido almirante (e, presume-se, Carmona e Craveiro Lopes) a Hitler e a Mussolini.

Por mim, bastava o dr. Lacão se opor à exposição para justificar o respectivo desmantelamento em dez minutos. Infelizmente, a falta de bom senso levou a Comissão de Educação a uma reunião extraordinária que decidiu manter as cabeças de todos os presidentes incluindo as dos vis salazaristas. Trata-se, escusado dizer, de um erro e um desaforo.

Desde logo, porque os vis salazaristas eram nomeados por meia dúzia de serviçais do poder autoritário, ao contrário por exemplo dos grandes vultos da Primeira República, que eram nomeados por meia dúzia de serviçais do poder jacobino e virtuoso. Depois, porque a esquerda até demonstrou imenso espírito de abertura ao admitir o busto de Spínola, que foi escolhido à revelia do povo por interesses reaccionários, ao contrário por exemplo de Costa Gomes, que foi escolhido à revelia do povo por interesses progressistas. Por fim, porque ninguém levantou objecções à inclusão de Ramalho Eanes e Cavaco Silva, eleitos por massas alienadas, ao contrário de Soares e Sampaio, eleitos por massas esclarecidas.

É muito triste que as forças verdadeiramente democráticas, do PCP ao BE, passando pelo dr. Lacão, dediquem a carreira a lutar por vultos maiores da liberdade, de Estaline a Trotsky, passando pelo dr. Lacão, para nesta altura do regime serem obrigadas a conviver com a memória das marionetas do fascismo. O fascismo não pode ser esquecido, mas também não pode ser lembrado. É criminoso dizer que o fascismo nunca existiu, mas é criminoso agir como se tivesse existido. A memória colectiva é fundamental, mas é uma praga a aniquilar. Somos contra o branqueamento da ditadura, mas os bustos ostentam um inconcebível verdete. Os senhores deputados habitam a casa da democracia, mas muitos ganhariam em hospedar-se no manicómio.
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Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias