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24/04/2016

CASE STUDY: Um imenso Portugal (28) (continuação com aditamento)

[Outros imensos Portugais]

O leitor Doublet deixou dois comentários ao meu último post desta série, cujo texto recebi por email. Por razões que desconheço, só um dos comentários foi publicado, pelo que eu próprio publiquei o texto do segundo comentário. Ambos podem agora ser lidos aqui - leitura que recomendo.

Aparentemente o leitor Doublet pretende demonstrar que existem razões legais para a impugnação de Dilma Rousseff. Lendo os textos fico com a sensação que existem factos que não estão provados e outros que, apesar de terem óbvias consequências políticas, não estou certo de que tenham consequências legais e constitucionais que suportem a impugnação porque não conheço a lei e a constituição brasileiras.

Como escrevi no post anterior, se ficar provado que Dilma cometeu ilegalidades susceptíveis de desencadearem a sua impugnação, ela deve ser impugnada. Tenho dúvidas que a Câmara dos Deputados e o Senado tenham idoneidade suficiente para julgarem essas ilegalidades, porque sobre muitos, talvez a maioria do seus membros, incidem fortes suspeitas de ilegalidades ainda maiores.

Além disso, estou convicto que, só por si, a impugnação de Dilma não resolverá nada porque o sistema constitucional brasileiro - um híbrido inviável entre o sistema presidencialista e o sistema parlamentar - tem um insanável «defeito de construção» e a maior parte dos líderes políticos e dos seus peões são gente com a qual não se pode construir um Estado de Direito.

Aditamento:

Coloquei ontem em dúvida a falta de idoneidade de deputados e senadores para julgarem Dilma. Lê-se hoje no DN: «Os 81 membros do Senado que começam hoje a analisar o impeachment são, na maioria, caciques locais e milionários a braços com a justiça.»

Apesar de ir regularmente ao Brasil desde há 25 anos, de lá ter passado uns 6 meses e ter por lá uma larga parentela, não posso dizer que conheça bem o país. Com essa reserva, sempre afirmo a minha convicção da falta de qualidade da classe política brasileira em linha com a falta «de educação cívica e política, da ausência de uma cultura de exigência e de responsabilidade no exercício de funções públicas. Isso é vertical e transversal a toda a sociedade brasileira» como escreveu Miguel Sousa Tavares, com quem de vez em quando concordo.

Lá, como cá, a classe política (com pouquíssimas excepções) vive de dar graxa ao «povão» na esperança de o «povão» aceitar a sua corrupção e incompetência. Até agora, lá como cá, têm tido sucesso.

2 comentários:

Doublet disse...

O Artigo 85 da Constituição Brasileira trata dos casos de crime de responsabilidade do presidente da república. O processo de impeachment contra a Dilma baseia-se fundamentalmente nos itens V e VI.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

A Câmara dos Deputados votou pela admissibilidade da acusação. O Senado por maioria simples aceita ou não a decisão da câmara e, caso aceite, tem até 180 dias para julgar. O julgamento é presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Também são precisos 2/3 dos votos no senado para condenação.

P.S.: Concordo com o último parágrafo do seu texto. A Constituição de 1988 tornou o Brasil um país praticamente ingovernável. O texto é uma imensa colcha de retalhos, com 91 emendas em 27 anos e meio.

Unknown disse...

Quem está habituado a acompanhar a vida partidária brasileira lê (e não acredita) nas imputações constantes que revistas como Veja e outras fazem dos acontecimentos e actos dos "malandros". Para haver algum caminho de reforma duradoura do Brasil, e sair da permanente irresponsabilidade moral e politica, seria hora de se sentarem os principais lideres e procurarem uma reforma realmente séria e que torne estável e governável, este panorama (desde evangélicos a anti isto e aquilo) que como é visível não se consegue levar a sério.