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13/03/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (74)

Outras avarias da geringonça.

Assistiu-se nos últimos dias ao «assalto ao castelo» do BdP e ao cerco do Conselho de Finanças Públicas (CFP) concertados no parlamento e nos mídia amigos (quase todos, diga-se). Porquê? Porque, pela sua independência, têm desempenhado o papel de borbulha no traseiro da geringonça dificultando-lhe o sentar.

No caso do CFP, até o presidente dos Afectos fez uma perninha com as suas tretas sobre milagres, tretas que nunca sabemos se são ignorância, ligeireza, falta de escrúpulos ou uma mistura de tudo isso. Já que escrevo «milagre», recomendo o artigo muito esclarecedor de Miranda Sarmento «O “milagre” nas contas públicas».

No caso do BdP, a geringonça tenta obrigar Carlos Costa a demitir-se, recusando as suas propostas de nomeação de novos administradores, colocando no Conselho Consultivo Francisco Louçã, o expoente do tele-evangelismo lui-même, e criando uma nova entidade (a atafulhar de apparatchiks) e submetendo-lhe o BdP. Para além de fazer a excisão da borbulha no seu traseiro, o que pretende a geringonça com a ajuda do tele-evangelista? Segundo João Vieira Pereira escreveu no Expresso pretende «tomar conta do BdP para deitar as mãos aos cerca de 4,5 mil milhões de provisões por riscos gerais que o banco tem e assim ajudar a que se atinja mais facilmente o défice acordado com Bruxelas». Há também quem especule que Costa esteja a tentar desalojar Carlos Costa para colocar no seu lugar Centeno, alijando-o de um cargo político onde se tem espalhado e oferecendo-lhe a cabeça e o lugar do seu nemesis. Não sei se será assim, mas, conhecendo-se o potencial de manobra da geringonça, a falta de escrúpulos dos seus apparatchiks e o desespero de Costa para salvar a sua própria cabeça, não descartaria nenhuma das hipóteses.

A saga dos offshores, tirada debaixo do tapete para esvaziar as trapalhadas da nomeação da administração da Caixa, acabou por se transformar num tiro no pé da geringonça quando veio a público que a maioria das «declarações ocultas» eram da responsabilidade do actual governo. Falando da Caixa, foram conhecidos os resultados de 2016: o maior prejuízo de sempre, quase dois mil milhões de euros, tanto quanto os prejuízos nos 5 anos anteriores, explicado por anos de créditos irrecuperáveis aos amigos do regime com as imparidades empurradas para baixo do tapete.

Felizmente para o actual governo, o governo anterior, isto é a actual oposição, deu há 6 anos, talvez sem o saber, um tiro no pé ao nomear SEAF Paulo Núncio, uma criatura envolvida dos pés à cabeça com offshores. É claro que isto não significa que o governo PSD-CDS tenha especiais responsabilidades em transferências que são legais e numa evasão fiscal que até agora não se confirmou - aliás Paulo Ralha, um apparatchik sindical, não teve dúvida em declarar ao jornal i que «nas transferências para offshores, os impostos já foram pagos, o problema é a origem do dinheiro». Porém, para o caso, isso interessa pouco, porque as câmaras de eco da esquerdalhada, já começaram a aproveitar a ligação nas sinapses do homo lusitanicus vulgaris entre offshores e «roubo do nosso dinheiro», perante a incompetência e passividade da oposição.

Quem não se deixa endrominar pelos talentos mediáticos da geringonça é quem lhe empresta dinheiro. A última emissão de OT com uma maturidade de 9 anos (deve ser para distrair os investidores) fez-se a um yield de 3,95%, mais de um ponto percentual acima da emissão com a mesma maturidade de junho de 2016 (2,859%). No final da semana, o yield das OT 10 anos voltou a ultrapassar 4%.

Travados apenas pelo receio de despencarem o governo e acabarem com o seu abono de família, comunistas e bloquistas continuam a esticar a corda. O exemplo mais recente é o «descongelamento das carreiras» que no crioulo dos sindicatos significa voltar às promoções automáticas na função pública, o que deixa o governo entalado entre Bruxelas e os seus aliados de S. Bento.

As estimativas do PIB per capita (PPC) divulgadas pela Comissão Europeia, que não tiveram praticamente referências nos mídia (com esta excepção), mostram a queda do 16.º para o 20.º lugar na EU28 entre 1999 e 2017 com o PIB per capita português que de 72% em 1999, desceu para 71,1% da média EU28 no ano passado. Talvez dentro de dois anos Portugal, um dos países mais pobres da EU28, atinja o nível de 1999 em termos relativos. Evidentemente que a geringonça não tem ainda particulares responsabilidades neste fracasso que, contudo, se têm de atribuir às políticas que a geringonça preconiza (a maior parte do tempo acompanhada no passado por PSD e CDS). Escrevi "preconiza" porque as medidas que adoptou até agora são meros expedientes para se manter à tona, tentando navegar entre os escolhos das exigências de Bruxelas, os compromissos com comunistas e bloquistas e as manobras de Belém.

Em substituição do programa socrático «Novas Oportunidades» que até 2011 torrou 1,8 mil milhões de euros para distribuir diplomas que não valem nem o papel em que estão impressos e que nem um empresário analfabeto impressionariam, a geringonça muda-lhe o nome para Qualifica e propõe-se distribuir mais 600 mil diplomas de ensino secundário. Se fizesse o mesmo para todos os graus de ensino poderia produzir centenas de milhar de licenciados, mestres e até doutores a um custo mínimo. Pelo menos no que respeita ao ensino secundário, se o governo levar a cabo a anti-reforma em curso talvez não se notasse grande diferença.

Para terminar num tom optimista, o crédito às famílias cresce a dois dígitos e a taxa de poupança desceu aos abismos. Pergunta-se o Económico «as famílias portuguesas perderam a cabeça?» É a descrispação, o fim da austeridade, etc. que, como sabemos (ou receamos, consoante o grau de alienação), antecede a crispação e o reinício da austeridade.

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