Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

27/09/2015

SERVIÇO PÚBLICO: Consequências inesperadas do escândalo Volkswagen

Tudo começou, como se sabe, com uma esperteza saloia para fintar os controlos da EPA (autoridade ambiental americana) das emissões de um dos vários motores a gasóleo da VW, combustível pouco usado nos EU nos automóveis de turismo. A estória é conhecida e não vale a pena contá-la mais uma vez (ver aqui os pormenores técnicos).

O que vale a pena falar é sobre as consequências do escândalo em primeiro lugar para a própria VW cuja capitalização bolsista caiu mais de 1/3 em poucos dias, antevendo a borrasca que vem a seguir. Desde logo o recall de 11 milhões de veículos para proceder às mudanças necessárias o que atingirá facilmente 10 mil milhões de euros, aos quais se devem acrescentar outros 15 mil milhões de multas nos EU, aos quais haverá ainda a adicionar as multas que outros países irão certamente aplicar (excluindo provavelmente a UE). Isto não é tudo, nem talvez o mais importante.

Toda a linha de produção de motores diesel ficará comprometida até porque a procura cairá inevitavelmente e multiplicar-se-ão os custos de produção para cumprir os requisitos. É nesta altura que se deve falar de uma certa hipocrisia dos governos alemão, francês e italiano que têm adoptado regimes de controlo de emissões e de consumos perfeitamente fantasistas que nada têm a ver com a utilização comum dos veículos para não prejudicarem os seus campeões VW, BMW, Renault, PSA e Fiat. Por isso, a Economist escreveu «Europe’s regulators, unlike America’s, have no authority to punish deceivers».

E por falar em hipocrisia, adicione-se à questão da regulação das emissões e dos consumos, o controlo do Grupo VW pelo governo da Baixa Saxónia presidido pelo líder do SPD (o partido socialista alemão) Gerhard Schröder, que nessa qualidade fez parte do conselho geral do Grupo VW, e mais tarde foi o chanceler alemão que antecedeu Angela Merkel. A Schröder sucedeu David McAllister (um alemão de raízes britânicas) no governo da Baixa Saxónia e no conselho geral do Grupo VW. Estas ligações pervasivas e perversas têm-se mantido com todos os governos alemães que têm pressionado a CE para manter padrões «caseiros» apropriados aos veículos de cilindradas mais elevadas, sobretudo alemães (ler aqui mais pormenores).

Tudo indica que as consequências sobre a produção de motores diesel não se limitarão à VW, uma vez que da «química» destes motores resulta um equilíbrio difícil entre potência, consumo e emissões e daí o software da VW para baixar as emissões apenas quando numa situação de inspecção (identificada a partir da imobilidade da coluna de direcção). É muito provável que controlos mais apurados obriguem a introduzir modificações nos motores e nos catalisadores dos escapes elevando o custo de produção, reduzindo potência e aumentando consumos e retirando assim aos motores diesel quaisquer hipóteses de competirem com os de gasolina, os híbridos e, dentro de algum tempo, os eléctricos.

Outras consequências curiosas: estão a cair as cotações da platina (usada nos catalisadores dos motores diesel) e a subir a do paládio (usado nos catalisadores dos motores diesel), antecipando assim a provável tendência na produção de motores.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente explicação, como é vosso (mau) hábito.

Abraço