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12/09/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (48)

Outras avarias da geringonça.

Como se fosse pouco o aumento constante da dívida pública, o reembolso antecipado de 6,6 mil milhões de empréstimos do FMI, que têm maturidades mais curtas e vencem um juro superior ao da restante dívida, vai ser reduzido de 2,6 mil milhões de euros para torrar na Caixa. Cristina Casalinho, presidente do IGCP, faz o frete e diz que não há sinais do défice de 2,5% não ser cumprido. Seja como for é dinheiro torrado por boas razões: entre outras coisas, rescisões por mútuo acordo e reformas antecipadas porque a geringonça já jurou que não despedirá nem um só utente da Caixa. Ainda assim, não desespereis porque o ajudante do ministro já garantiu que o «governo promete devolver aos contribuintes “mais do que” o dinheiro público agora investido». E não é que o rapaz disse isto sem se rir!

Quem não faz o frete é a Fitch que duvida da meta do défice e a UTAO que, mesmo sem as medidas one-off (leia-se capitalização da Caixa), estima o défice em 2,7%, apesar de toda a cosmética em curso e da redução do investimento público e das despesas de capital, feita por quem andou anos a encher a boca com as excelências do multiplicador que afinal multiplicou a dívida em vez do PIB. E o que dizer do primeiro financiamento aprovada pelo Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (250 milhões para cofinanciar 523 milhões)? Para financiar a indústria, a agricultura, o turismo, as startups? Errado, Para financiar regeneração urbana, infraestruturas, habitação social, águas, resíduos, etc. em Lisboa - onde mais poderia ser.

Por falar em contas públicas, a dívida continua a aumentar em bom ritmo e 14% dela está nas mãos dos bancos portugueses pelo que faz todo o sentido a esquerdalhada continuar a defender o perdão da dívida que teria o mérito de ajudar a acabar com a banca portuguesa que talvez até nem precise dessa ajuda porque, entre outras coisas, já tem 1/3 da dívida das construtoras no malparado. Banca, aliás, que já não faz muita falta - no primeiro semestre deste ano o crédito concedido às empresas foi o valor mais baixo desde 2003.

Os acordos entre o PS e os partidos da geringonça fazem lembrar aquela estória do sujeito que pensou dar um bife ao crocodilo para ele não lhe comer a perna. A Fenprof, o ministério da educação de facto, já apresentou o caderno de encargos para o próximo ano: redução das turmas para 19 alunos, redução de horário dos docentes para 22 horas, criação de uma bolsa de substituição de professores em faltas de curta duração e aposentação antecipada dos professores, sem penalizações. E estima que este ano sejam colocados mais 3.000 professores, para colmatar necessidades de última hora (?). E quais necessidades?, perguntareis vós os cépticos ao saber que este foi o ano em que entraram menos alunos para o 1.º ano (80 mil este ano, em 1985 foram 160 mil) desde o início do século. Ora, e o burnout dos professores, já esqueceram?

Mais um bife para o crocodilo foi entregue pela secretária de Estado da Administração Pública (aqui numa bela pose para a posteridade que o Público proporciona aos amigos) garantindo que «todos os funcionários excedentários têm lugar no Estado», o que é uma bela frase em newspeak dando um novo sentido à palavra excedentário que passa a significar o seu contrário.

Outro bife é reclamado pela CGTP, o ministério de facto das corporações, com o seu caderno de encargos para 2017: «aumentos salariais de 4%, o aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros e melhores condições de vida e de trabalho».

É claro que a factura do crocodilo tem de ser paga por alguém. Alguém que, no dicionário do sucialismo são os «ricos», os quais por razões práticas e dado o seu número evanescente são substituídos pela classe média - veja aqui tudo explicadinho pelo Insurgente. Daí que as Finanças estejam a estudar a mudança dos escalões do IRS, apesar do calimero estacionado no ministério da Economia ter jurado que a carga tributária iria diminuir - ele só disse o que lhe mandaram dizer.

Além dos «ricos», outros candidatos habituais a pagarem a factura do crocodilo são os credores que, para simplificar, podemos reduzir a Bruxelas, já que sem CE e BCE, em breve só a Mafia nos emprestará dinheiro garantido por uma hipoteca do país. E daí a preocupação do governo em ajeitar o défice.  Não é garantido que isso chegue porque as exportações caíram outra vez em Julho (4.6% e 3,1% sem combustíveis), ainda que o saldo da balança comercial não se tenha agravado, porque as importações também caíram - mas sabemos que, desde que haja crédito, aumentar importação é o mais fácil.

Não surpreende, pois que o Financial Times, a quem Costa deu uma entrevista repleta de banha-da-cobra há 2 semanas e aqui comentada, tenha publicado um artigo com o significativo título «Portugal reforms not gone far enough to ensure financial solidity» onde Tony Barber, o editor para a Europa, escreveu: «Portugal is at the centre of a perfect storm of meagre economic growth, falling investment, low competitiveness, persistent fiscal deficits and an undercapitalised banking sector that owns too much of the nation’s sky-high public debt.

1 comentário:

Pedro Ferreira disse...

Bom dia,

Excelente artigo.Eu, já dou por adquirido novo resgate, o meu drama é não ver ninguém com preparação para nos retirar deste inferno. Sobre perdas, vou fazer as minhas provisões, com optimismo moderado vão ser o dobro do que tive no 1º resgate. De qualquer modo, os lesados do BES, BANIF, PT, etc, perderam muito mais. Num cenário mais catastrófico, poderemos ter desta vez os lesados em certificados de aforro e nas obrigações do tesouro de rendimento variável! Reitero que enquanto os governantes não forem responsabilizados criminalmente vamos andar nisto (bancarrota atrás de bancarrota) perpétuamente. Mas na comunicação social só o Medina Carreira é que vê o óbvio? A geração "mais bem preparada de sempre" frequentou faculdades de economia? Mas que se ensina no ensino superior? São todos imbecis?