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05/09/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (47)

Outras avarias da geringonça.

Começo pelo acontecimento mais notável da semana: o chorrilho de asneiras, mentiras e meias-mentiras de Costa na sua entrevista ao Financial Times aqui comentada. A mais notável de todas, até para Sócrates, foi a de que o programa de resgate fez recuar o «economic output» trinta anos, afirmação só compreensível para quem não faz a menor ideia do que seja o economic output, nem como se mede.

A desculpa dada no dia seguinte durante a viagem às Berlengas acerca da falta de investimento (que negara na entrevista ao FT) está também à altura do talento de quem prometeu fazer o investimento público crescer 4,9% e o pôs a cair 5,2%, e em conjunto com as despesas de capital a cair 11,5%.

Pela boca de Pureza, o BE não podia ser mais claro na sua abertura da temporada de caça: a Europa e as regras de Bruxelas «são uma força de bloqueio ao desenvolvimento do projecto do governo do PS apoiado pela esquerda». Têm toda a razão. Contudo, este projecto do governo precisa de um patrocinador para o financiar e, ou bem que são os credores, para o que têm de aguentar a força de bloqueio, ou bem que são os «ricos», para o que é preciso fazer do país uma Cuba ou uma Venezuela o que de resto acabará com os ricos e multiplicará os pobres.

Sem querer retomar para já o dossier Caixa, ao qual dediquei boa parte da crónica passada, sublinho o facto de só depois de autorizada pela CE a capitalização foi tornado público o chumbo nos teste de stress do BCE, ou seja o facto de a Caixa não resistir a uma situação de crise económica moderada. Capitalização que tornou inadiável o orçamento rectificativo negado durante meses por Centeno, É «um rectificativo que não é bem um rectificativo» nas palavras de vendedor de banha-de-cobra do primeiro-ministro que Deus nos enviou para nos punir.

Em linha com a queda da poupança, as contribuições para fundos de pensões no 1.º semestre desceram 2,5% face ao 1.º semestre ano passado, os benefícios pagos aumentaram 45%  e, inevitavelmente o valor dos activos geridos pelos fundos, representando poupança acumulada. desceu 1% face ao final do ano passado (fonte: ASF). Não podia ser pior para um país que necessita desesperadamente de poupança para investir e de investimento directo estrangeiro que a geringonça afasta com estas políticas e o seu «discurso anti-empresário, anti-lucro ou anti-privado» (ler aqui «A política anti-investimento» de Helena Garrido).

Se os incentivos ao consumo interno não estão a resultar por onde andará a poupança. Uma parte da resposta está nos cerca de 170 mil veículos vendidos até Agosto, um acréscimo de 15,4% face ao ano passado representando mais de 500 milhões de euros.

Prosseguindo a política da educação ao serviço dos professores, o representante da Fenprof  no ministério da Educação duplicou o número de professores contratados centralmente retirando às escolas a contratação directa e aumentando em termos líquidos 500 professores, face ao número sempre decrescente de alunos. Apesar disso, os sindicatos não estão satisfeitos, lembram os «quase 30 mil que não obtiveram colocação» e exigem a contratação de 6 mil funcionários administrativos para as escolas. É o preço do Partido Comunista para continuar a apoiar a geringonça. perpetuar o seu domínio nos sindicatos da função pública e dos transportes.

Preço que inclui igualmente colocar os apparatchiks sindicais como porta-vozes do governo em substituição dos ministros e seus ajudantes. Foi o aconteceu com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos a explicar aos contribuintes a razão das  Finanças se terem atrasado nas notificações de IRS, perante o silêncio respeitoso do ministério.

Também na polícia se anunciam 300 recrutamentos, num país que é o terceiro estado mais policiado da Europa, apenas ultrapassado por Malta e pela Irlanda do Norte, em que 10% dos polícias são sindicalistas de 13 diferentes. Sublinhe-se que o propósito de recrutar mais polícias já vinha do governo «neoliberal» depois da «saída limpa» e, pelos vistos, foi até agora a única orientação que a gerigonça não reverteu.

As novas contratações são anunciadas também pelo ministro da Saúde que garante que o «ritmo de contratações de enfermeiros é historicamente elevado» porque o regime das 35 horas, o tal que não imporia novas contratações, assim o exige. Isto não pode acabar bem.

Perante este caminho que sabemos onde conduz, só não sabemos quando chegaremos ao destino, o que faz o governo? Quer atribuir aos senhorios um estatuto de «cariz social», promete que a sobretaxa também será «eliminada e os vencimentos serão repostos» e em Outubro, haverá a «última reposição do vencimento dos funcionários públicos», garante que os «funcionários públicos excedentários não terão cortes nos salários» e tudo isto, qual Houdini da política lusitana, cumprindo a meta do défice.

Se fosse o défice nas contas públicas talvez fosse possível com a engenharia orçamental já em curso, o corte das despesas de capital, cativações, pagamentos em atraso (por exemplo aumento de 33% dos pagamentos em atraso a fornecedores dos hospitais), etc.

Pedindo desculpa aos leitores por me repetir e por me citar, actualizo com novos dados o que escrevi há um mês: por muita engenharia orçamental que a geringonça realize apresentando execuções fiscais miraculosas até Julho, «o algodão não engana», como se dizia aquele script da Sonasol. Neste caso, o algodão é o crescimento da dívida pública de 8 mil milhões no 1.º semestre (ou seja 4,4% do PIB em 6 meses) e 800 milhões em Julho a que a que somam 1,5 mil milhões de redução da almofada de tesouraria em depósitos em bancos deixada pelo governo anterior. Onde já vimos este filme da dívida a crescer mais depressa do que o défice? Durante o consolado de José Sócrates, pois claro.

E se tudo isto não fosse suficientemente mau, a dívida total do país (Estado, empresas e particulares) continua a crescer e está em 710 mil milhões de euros, equivalente a quase 4 vezes o PIB..Tudo começa a ficar mais evidente, tão evidente que até o pastorinho da economia dos amanhãs que cantam Nicolau Santos começa a ensaiar o discurso do perdão dos juros (8,5 mil milhões da dívida pública) «para poder injectar dinheiro que estimule o investimento privado ou então não sairemos de níveis de crescimento agónicos», enfiando Keynes na mesma gaveta onde Soares tinha enfiado o socialismo,

Termino recordando um dos lemas do (Im)pertinências: os cidadãos deste país não devem ter memória curta e deixar branquear as responsabilidades destas elites merdosas que nos têm desgovernado e pretendem ressuscitar purificadas das suas asneiras, incompetências e cobardias.

1 comentário:

Pedro Ferreira disse...

Bom dia,

Enquanto as leis penais aplicadas aos governantes não forem revistas com aumento de penas sempre que haja irresponsabilidades na gestão das contas públicas, já não vamos lá. Ninguém acredita que a nossa situação económico-financeira é pior que em 2011.