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18/01/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (16)

Outras avarias da geringonça.

Continuando a cronicar os feitos da geringonça, esta semana começo pela saúde pela qual todos os componentes da geringonça revelam um grande desvelo. O governo resolveu «reverter» a transferência dos hospitais de Santo Tirso e de São João da Madeira para as respectivas Misericórdias locais por ter dúvidas sobre «os estudos e o modelo económico-financeiro que estão na base dos Acordos».

Também tenho dúvidas, a primeira das quais é porquê tendo terminado a austeridade, so they say, e com tantos cortes na saúde feitos pelo governo anterior, they say so, o governo do PS mantém o tecto do orçamento do SNS de 2016 igual ao de 2015?

A outra dúvida é porquê o governo do PS que teve dúvidas sobre os estudos e o modelo para a transferência dos hospitais, apesar de um gota de água no oceano do SNS, não teve dúvidas nenhumas em acabar, sem nenhum estudo, com os exames do 6.º e do 9.º ano, não obstante o parecer do CNE – Conselho Nacional de Educação e depois de Costa ter garantido no dia 16 de Dezembro no parlamento que esses exames não seriam eliminados, recomendando «a leitura do Programa do Governo, que é muito claro». Tão claro que, menos de um mês depois e a reboque do PCP (e este a reboque da Fenprof) e do BE, os exames seriam abolidos a meio do ano lectivo.

A redução para 35 horas do horário dos funcionários públicos é mais outro exemplo de um governo a reboque da esquerdalhada, embrulhado nas suas contradições e percebendo tardiamente que o principal efeito do aumento para 40 horas foi evitar a praga das horas extraordinárias com uma poupança estimada em cerca de 200 milhões e facilitando a redução de efectivos em 10%. Quando percebeu, quis impor como contrapartida da redução do horário o não aumento de custos – uma espécie de quadratura do círculo em que os socialistas são mestres -, contrapartida que até nem se entende por parte de quem acredita que torrar mais dinheiro com os funcionários públicos aumenta o consumo e, portanto (é neste “portanto” que entra a fé em São Keynes), estimula o crescimento.

O fim da greve dos estivadores do porto de Lisboa, é mais outro grande sucesso a creditar à geringonça. Segundo a boa imprensa afecta, a ministra do Mar fez um «acordo de paz social». Em que consiste este acordo? É uma espécie de argumento de «Há Lodo no Cais» («On the Waterfront»), o filme de Elia Kazan protagonizado por Marlon Brando, mas sem Marlon Brando e com estivadores com uma remuneração média mensal de 3.500 euros. Para promover a paz social a ministra aceitou a reintegração de 23 estivadores despedidos, aceitou que só serão contratados os estivadores da lista do sindicato e que as horas extraordinárias só terão lugar depois de todos os estivadores terem completado um turno. Eis uma fórmula que poderia em poucas semanas trazer a paz social ao país em todos os sectores.

Registo aqui a observação certeira de Bruno Faria Lopes de que uma das inovações de Costa é a inversão do ciclo de governação que geralmente começa pelas medidas mais impopulares para acabar em foguetada para comprar os votos na eleição seguinte. Costa, pressionado pelos seus parceiros da gerigonça e pela necessidade de criar um clima positivo depois de ter perdido as eleições, está a fazer exactamente o contrário. Tenho para mim que não se trata de qualquer elaborada estratégia mas apenas de manobras para prolongar a sua vida política, comprometida com uma derrota depois de ter apeado o seu antecessor com o fundamento de que não conseguiria uma vitória.

Entre essas manobras, sublinho pelo seu insólito ridículo, o seu regresso à Quadratura do Círculo, não se sabe se como comentador se como primeiro-ministro, para justificar a decisão de venda do Banif ao Santander, devidamente acolitado pelo inefável Pacheco Pereira, agora agraciado com a Fundação Serralves. Que tal regresso tenha sido praticamente esquecido nos mídia e não tenha suscitado indignações é apenas um indício do grau de dependência do jornalismo doméstico.

Por último e por agora, tomemos nota das primeiras consequências nas contas públicas da governação socialista:
  • As necessidades de financiamento foram reestimadas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) em mais 11 mil milhões até 2019;
  • O governo PS resolveu repartir por 4 anos até 2019 a antecipação do pagamento de 10 mil milhões de euros previstos pelo governo anterior para este ano, beneficiando do diferencial entre a taxa média dos empréstimos do FMI (4,9%) e a taxa actual (2,3%) no mercado para prazos semelhantes comparáveis; 300 milhões é custo estimado até ao fim das maturidades.
Ainda a procissão da esquerdalhada vai no adro.

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