Não é minha vocação fazer hermenêutica dos sound bites da nossa classe política, por isso não vou fazê-lo também no que respeita à frase de Passos Coelho no encerramento de uma conferência sobre a reforma do Estado:
«O país não pode ficar parado, paralisado, por não haver consenso necessário à decisão, ou por simples medo do ciclo político, de evitar o desagrado do eleitorado.»
Vou somente, por antecipação às previsíveis indignações dos bramantes da «deriva antidemocrática», recordar que as maiores reformas do Estado em Portugal foram na sequência de golpes de estado por militares: um de direita em 1926 e outro de esquerda em 1974. Do primeiro resultou a «revolução nacional» e o «estado corporativo» e do segundo resultou a «revolução socialista» e o «estado socialista», mais tarde convertido em «estado social». Que se saiba, as mudanças de regimes, as reformas do Estado, as nacionalizações, que se seguiram foram feitas sem consenso nenhum.
Quando se fala hoje de reforma do estado e dos consensos necessários é preciso não esquecer que estamos a falar literalmente de um «estado corporativo social», primeiro imposto pelo regime salazarista, depois reconvertido pelo anti-salazarismo, aceite e tolerado principalmente porque constituiu durante as décadas seguintes um instrumento de distribuição de recursos financeiros do exterior, representados pelo défice das contas externas - cerca de 10% do PIB ano após ano.
Se as reformas deste estado existente tiverem como condição necessária o «consenso» e este significar o «consentimento» unânime ou pelo menos maioritário dos vocalizadores do interesse público (*), é melhor esquecê-las e começar já a tratar a reestruturação da dívida e da saída do euro, porque não há corporação nenhuma disposta a consentir a perda das suas rendas e do seu lugar à mesa do orçamento.
(*) Todos aqueles que, para defenderem a corporação a que pertencem, falam em nome da pátria, do povo, dos trabalhadores, dos reformados, dos desempregados, de classes profissionais ou empresariais ou em geral de qualquer grupo de interesses na manutenção do statu quo.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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18/01/2013
Pro memoria (89) – A deriva antidemocrática, as reformas e os consensos
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2 comentários:
"(*) Todos aqueles que, para defenderem a corporação a que pertencem, falam em nome da pátria, do povo, dos trabalhadores, dos reformados, dos desempregados, de classes profissionais ou empresariais ou em geral de qualquer grupo de interesses na manutenção do statu quo."
Adoro esta parte.
Uma chamada de atenção para o tal "estado corporativo social" no tempo de Salazar que este apenas representava 15% do peso no total da economia de Portugal. Hoje falamos em mais de 50%.
Um pormenor que faz toda a diferença quando se tenta comparar o estado das coisas com o passado.
Cumprimentos.
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