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29/07/2021

Otelo, um actor medíocre que representou um herói e encarnou um vilão, por esta ordem

Quase tudo o que se tem escrito sobre Otelo Saraiva de Carvalho a pretexto da sua morte é muito motivado ideologicamente e, tratando-se de uma personagem profundamente contraditória, o que se escreve reflecte quase sempre e sobretudo os amores ou os ódios.

O único escrito mais objectivo que li foi o de José Miguel Júdice no Expresso citado a seguir que é bastante factual, com excepção do último parágrafo em que Júdice não resiste à tentação de fazer um julgamento, concluindo que «não foi um herói nem foi um vilão». Juízo errado, a meu ver, porque ele foi um "herói" (enfim, tanto quanto é possível a uma criatura ser herói no Portugal dos Pequeninos sob a tutela do Estado Novo) e foi um vilão, por esta ordem. A ordem neste caso é tudo porque ao terminar a sua vida pública como moralmente responsável por uma dezena e meia de assassinatos cruéis, e sobretudo gratuitos e estúpidos, ficou um vilão para a história. Por várias razões e uma definitiva: se ele teria sido facilmente substituído no seu papel de "herói" por um dos vários protagonistas militares (desde logo Ramalho Eanes), o seu papel como símbolo e inspiração do gangue de assassinos das FP25 foi insubstituível.         

«OTELO: UM ATOR NA REVOLUÇÃO

A morte de Otelo já foi tratada por muitos, mas creio que não tocaram no essencial: mais do que liderar a operação militar que nos deu a liberdade e liderar os que se não importava que destruíssem a liberdade à bomba, Otelo era e sempre foi um ator.

Como escreveu ontem no Público o seu biógrafo, Paulo Moura, “Otelo sempre gostou dos aplausos. Quando era miúdo, queria ser actor, não militar. Adorava falar, ser ouvido, rodear-se de pessoas, de “amigos”. Era amigo de toda a gente”.

Otelo era, sempre foi, um ator, realmente. Isso na Guiné era útil para a estratégia de promoção de Spínola junto dos “media” nacionais e internacionais.

Antes dizem-me que foi graduado da Mocidade Portuguesa, mas nasceu para a política como spinolista e aderiu ao MFA com teatralidade. Mais corajoso ou mais atrevido do que muitos (se não todos…), teve a energia da determinação e estou convicto que sem ele (e sem Spínola) o 25 de abril podia ter soçobrado. Um grande papel é irresistível para um ator.

Mas, de imediato, o seu lado teatral veio ao de cima, como resultado da popularidade (quão diferente era Salgueiro Maia…).

Por isso, desenvolveu um processo de crescente vaidade e ambição desmesuradas, deixando-se levar para situações que estavam muito acima das suas limitadas capacidades.

No COPCON, onde os spinolistas o colocaram, assinou sem pestanejar centenas ou milhares de mandados de captura em branco.

Ideologicamente – segundo disse a Mário Soares, que me contou numa conversa sobre tudo e sobre nada - no avião a caminho da negociação com a Frelimo em 1974 optava pela social-democracia sueca.

Mas através de bravatas próprias e incenso de outros aspergido sobre ele a rodos, zangado por perder poder depois do 25 de novembro, com desprezo pelos direitos humanos e crescente convicção de que poderia ser um novo Fidel de Castro, dirigiu-se para a extrema-esquerda.

Com naturalidade, acabou nas FP 25 de Abril.

Ou melhor, acabou a apoiar Isaltino Morais para a Câmara de Oeiras.

Não sem antes, em 2011, ter afirmado numa entrevista que "precisávamos de um homem com inteligência e a honestidade do ponto de vista do Salazar, mas que não tivesse a perspetiva que impôs, de um fascismo à italiana (...). Alguém que fosse um bom gestor de finanças, que tivesse a perspetiva de, no campo social, beneficiar o povo, mesmo e sobretudo em detrimento das grandes fortunas”.

A sua vontade de ficar na História (outros dirão que a sua estupidez e infantilidade) fê-lo guardar atas das reuniões do movimento terrorista, e com isso deu à investigação criminal as provas para a condenação de todos, o que os operacionais nunca lhe perdoaram.

E já antes, pela sua impreparação e vontade de que todos gostassem dele, foi quem realmente tirou o tapete aos que em 25 de novembro de 1975 queriam fazer o esquerdismo tomar o Poder.

O PCP – que é profissional, prudente e responsável – nunca lhe achou graça.

Basicamente, fez tudo mal para aqueles com quem se foi aliando, exceto ter assegurado que o golpe de Estado de 1974 não “borregasse”. Ficará na História por tudo e também por isso.

Mas por isso é tão errado incensá-lo como estigmatizá-lo. Não foi um herói nem foi um vilão. Apenas um (bom) ator a que as circunstâncias históricas deram um protagonismo para que não estava preparado.»

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma pessoa que assassina nunca será um heroi.

Esquecemos o 25 de novembro,

Jaime Maia será sempre as redeas de Otelo, sem este Otelo seria lembrado, como o facilitador "muito bem preparado" de uma ditadura de esquerda.


A antitese do que está aqui escrito.

Estas leituras são simplistas porque relatam o caminho e não analisam os objetivos.

No dia da morte do dito, expliquei a alguém que a mim não me interessa o resultado. Mas o carater do a ator.

O che é exatamente o Otelo sem o Jaime Maia.

Pedro Costa disse...

Uma leitura inteligente. Houve tentativas para protagonistas principais de vários figurantes. Militares manipulados por interesses económicos. Os resultados foram atingidos, anular os grupos económicos nacionais da cintura industrial de Lisboa e as grandes linhas traçadas por Marcelo Caetano.

António Ladrilhador disse...

Concordo com a análise que faz. Procurei, também, ser isento e desapaixonado na reflexão que fiz em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/otelo-o-espinho-que-nem-morte-arrancou.html, que tenho o gosto de o convidar a visitar e, se achar o texto digno, a comentar o que se lhe oferecer.