Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

13/05/2014

ARTIGO DEFUNTO: A arte de bem titular (6)

«Ajudas a Portugal e Grécia foram resgates aos bancos alemães»


Foi este o título escolhido pelo Pravda Público para a entrevista a Philippe Legrain, conselheiro económico de Durão Barroso, até Fevereiro, que publicou recentemente “European Spring: Why our Economies and Politics are in a mess”. Para situar Legrain no espectro doutrinário, baseado apenas na entrevista, já que não conheço a obra do homem, diria que é adepto de um keynesianismo mitigado, defende o perdão da dívida pública e privada, a mutualização da dívida pública e a adopção do quantitative easing pelo BCE. Defende tudo isto com alguma inteligência, umas pitadas de pensamento milagroso e aqui e ali descartando os factos que não encaixam na sua abordagem.

Seriam possíveis dezenas de títulos para esta peça com a entrevista, mas a jornalista de causas do Público em Bruxelas, ou alguém por ela, escolheu um propositadamente manipulador porque, como dizia o poeta Aleixo a mentira para ter alcance e profundidade, tem que trazer à mistura alguma verdade. E a verdade é que os bancos alemães detinham dívida pública portuguesa e grega e não estavam nada interessados em registar imparidades e isso era (e é) uma preocupação do governo alemão.

Mas a verdade é também que os bancos alemães deteriam quando foi aprovado o PAEF uma fracção da dívida pública portuguesa muito inferior à da banca portuguesa (ver este post com a repartição da dívida em Fevereiro deste ano) cujos activos representavam uma percentagem insignificante dos activos da banca alemã. Ou seja, a exposição da banca alemã à dívida pública portuguesa era irrelevante, ao contrário da exposição da banca portuguesa que tinha potencialidade de fazê-la implodir.

Àquele facto deve adicionar-se um outro, citado por Teixeira dos Santos, numa entrevista já antiga (quando ainda era objecto do ódio de estimação dos socráticos), retransmitida ontem na Grande Reportagem da SIC, de o pedido de assistência ter sido despoletado pela incapacidade dos bancos portugueses continuarem a comprar a dívida pública (eram os únicos que o faziam nessa altura e deixaram de o poder fazer porque o BCE deixou de aceitar as OT portuguesas como colateral para financiar os bancos portugueses).

Considerados esses dois factos, para ficar por aqui, o título mais adequado teria sido:

«Ajudas a Portugal foram resgates aos bancos portugueses»


Título tão mais adequado quanto nos 3 anos seguintes a banca portuguesa, autoconsiderada em estado de boa saúde, começou a desfazer-se e os bancos a pedirem dinheiro ao governo - o único dos grandes que não o fez então (BES), veio passado 3 anos a mostrar-se em estado tão crítico como os outros.

1 comentário:

Anónimo disse...

É por este post e outros assim que o Impertinências é o melhor blogue português.

tina