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05/05/2014

Lost in translation (201) – «Estou-me nas tintas para as eleições», disse ele

Se dúvidas houvesse, e havia poucas, as últimas semanas provaram à saciedade que Passos Coelho e o seu governo podem estar-se nas tintas, e estão, para muitas coisas, como um resquício de consistência, por exemplo, mas não para as eleições.

Depois de sucessivas declarações definitivas que os impostos não seriam aumentados, o governo divulga um Documento de Estratégia Orçamental cujas principais medidas são o aumento do IVA para 23,25% e da TSU dos trabalhadores de 0,2%. São mentiras gratuitas por se tratar de aumentos pouco significativos mas que serão trombeteados pela oposição como se fossem significativos, e inúteis, pelas razões que mais adiante se verão, que só não são mais graves porque têm feito parte das tácticas de comunicação de todos os governos, incluindo o presente, frequentemente em doses imoderadas, como nos governos de José Sócrates, e com os quais poucos se sentiram incomodados, enquanto não se percebeu que as vacas estavam gordas com a forragem comprada a crédito.

Contudo, mais do que mentiras, estas medidas, das quais resultam em essência poupar os funcionários públicos e os pensionistas à custa dos activos do sector privado, mostram que, se até agora o governo pouco reformou o Estado, a partir de agora e até ao final do mandato trata-se apenas de tentar recuperar para ganhar as eleições de 2015 o suficiente dos mais de 4 milhões de votos de funcionários públicos e de pensionistas, que constituem o que Medina Carreira chamou o «Partido do Estado» e que em grande parte são votos cativos do PS e do PC.

Posso estar enganado, mas prevejo que com estas medidas o governo perca mais votos da sua base eleitoral (sobretudo para a abstenção) do que os que espera ganhar do «Partido do Estado», desiludindo quem esperava um ímpeto reformista que não se viu e não convencendo quem acha que para fintar as reformas indispensáveis, para prometer amanhãs que cantam e para torrar dinheiro que não existe o Partido Socialista será sempre mais competente.

Se assim for, será mais um tiro no pé da coligação e, pior do que tudo, um tiro nos pés de barro da recuperação do país. Assim se confirmará o que os portugueses mais lúcidos (ou mais pessimistas, como os mal informados os chamam) já concluíram: o país é irreformável pelos portugueses.

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