O meu 25 de Abril foi o dia em que comecei a descobrir que as coisas não eram o que pareciam ser.
Em que comecei a descobrir que o país estava coalhado de democratas, socialistas e comunistas nunca antes vistos, nascidos nos escombros do colapso por vício próprio do edifício decadente do Estado Novo. Pouco a pouco, nos dias e meses seguintes, para minha surpresa, o coalho derramou-se pelo país numa maré do coming out, como lhe chamaríamos hoje. Em cada empregado servil, venerador, de espinha dobrada e mão estendida, havia um heróico sindicalista pronto a lutar pelos direitos dos trabalhadores e pelo «saneamento» do patrão.
Em que comecei a descobrir como tinha sido possível o marcelismo ter-se mantido de pé 6 longos anos, depois do Botas ter caído da célebre e providencial cadeira. Que nunca tinha havido uma oposição digna desse nome. Que a mole imensa do povinho lá tinha feito pela vidinha, esgueirando-se pelas frestas das fronteiras, pelas cunhas da tropa e pelas veredas das guerras do ultramar.
Em que comecei a perceber que o leitmotiv do drama não era uma ditadura suportada por uma direita retrógrada e infinitamente estúpida. Nem era uma ditadura provinciana, bafienta, decadente, de brandos costumes, que mantinha um número de presos políticos que envergonharia qualquer ditadura à séria (112, depois dum mês agitado de prisões).
Em que comecei a perceber que também não era a guerra colonial, que em 25 anos fez o equivalente ao número de mortos de 4 ou 5 anos de guerra rodoviária. Nem a guerra cujo fim foi uma humilhante fuga às responsabilidades (nem mais um só soldado para as colónias, berravam os bloquistas avant la lettre) que desencadeou em Angola, Moçambique e Timor a enorme hecatombe humana dos 20 anos seguintes.
Em que comecei a perceber que o leitmotiv do drama era a resposta à pergunta: como foi possível a uma tal ditadura manter-se quase 50 longos anos sem ter sido seriamente ameaçada?
Em que comecei a perceber que o 25 de Abril foi princípio do fim das nossas desculpas como povo. Que nada adiantaria sacudir a água do capote, e mandar a coisa para cima dos eles que escolhemos para nos desgovernarem.
E foi neste 25 de Abril que descobri que já não me restava pachorra para aturar, mais um ano, as comemorações do gang do esquerdismo senil que se julga proprietário da data.
[Este post foi publicado no trigésimo aniversário da chamada revolução dos cravos. Hoje poderia escrever o mesmo, mas não foi preciso porque já estava escrito.]
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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25/04/2013
DIÁRIO DE BORDO: Um 25 de Abril impertinente
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2 comentários:
Vexas deveriam publicar este texto todos os anos por esta altura, mesmo depois desta cangalhada acabar para "memória futura"...
O regime aguentou esse tempo todo porque sempre teve as contas em dia. O peso do estado na economia nunca passou dos 20%. E não andava a dar de mamar a porcos.
O sonho de qualquer democracia.
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