Concentremo-nos nos vencimentos dos funcionários públicos cujos cortes os juízes em causa própria consideraram inconstitucionais por ofenderem o «princípio da igualdade». Igualdade? Qual igualdade?
Em primeiro lugar, a desigualdade salarial entre os sectores público e privado em Portugal é a mais elevada na UE, como se pode confirmar no gráfico seguinte extraído do occasional paper da Comissão Europeia «Government wages and labour market outcomes» publicado o mês passado, sobre o qual o jornalismo de causas guardou o mais recatado silêncio.
A lengalenga que justifica essa desigualdade com base na suposta muito melhor qualificação e grau académico dos funcionários públicos é uma lenda que perdeu a validade há anos – actualmente dos 1,1 milhões de licenciados na população activa em 2013 (Pordata) haverá menos de 20% na função pública.
A lenda fica definitivamente arrumada com a conclusão do paper citado: além do prémio salarial que a função pública dá ao pessoal menos qualificado na maioria dos países, Portugal é um dos países «where also workers with high education level receive a premium from working in the public sector».
Em segundo lugar, apesar dos cortes salariais dos últimos anos terem afectado mais acentuadamente a função pública (gráfico do lado esquerdo), o certo é que os custos laborais unitários na função pública recuperaram o nível de 2008 ao contrário do sector privado que caiu cerca de 7% (gráfico do lado direito), segundo a Eleventh review do FMI.
Além disso, a grande redução (cerca de 14%) deu-se nos sectores de bens transaccionáveis da economia muito mais do que nos sectores de bens não transaccionáveis protegidos da concorrência internacional, como se confirma no gráfico seguinte, que ao mostrar a evolução comparativa dos custos laborais desfaz igualmente outro mito – o mito da colossal perda salarial em Portugal, na verdade claramente inferior à da Espanha e Irlanda.
Em conclusão, o TC confirmou o seu papel de garante dos direitos adquiridos e de perpetuador de desigualdades iníquas baseadas no «princípio da igualdade».