Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

08/04/2014

DIÁRIO DE BORDO: O preconceito como lubrificante social e uma aplicação do trilema de Žižek

Todos sabemos que no plano do dever ser, da ética, dos princípios, etc., não nos devemos submeter aos preconceitos e às avaliações estereotipadas de pessoas. Exemplos: Fulano é marreta, não vale a pena escutá-lo; Cicrano é comunista devemos ignorá-lo; Beltrano é neoliberal e devemos ouvir com desvelo todas as pérolas do seu pensamento.

Contudo, no mundo real e na vida prática, todos percebemos que, se levarmos estes princípios à letra com zeloso escrúpulo, desperdiçaremos a nossa vida a escutar ou ler repetidamente perfeitos disparates vindos das mesmas criaturas. Por isso, é moralmente aceitável ter um módico de auto-indulgência para nos furtarmos a esses disparates quando a probabilidade condicional de Bayes de a intervenção em causa não merecer a nossa atenção for superior ao valor paramétrico dependente da nossa pachorra no momento.

Vêm estas elucubrações teoréticas a propósito da entrevista na SIC Notícias a Marisa Matias, doutorada em sociologia, eurodeputada do Berloque de Esquerda a que não assisti. E por quê não assisti? Em primeiro lugar porque raramente vejo entrevistas, sobretudo a pessoas com cargos políticos, em segundo porque só me lembro de consegui ouvir (mais ler do que ouvir) um sociólogo (não é doutorado, sublinho), em terceiro porque, tratando-se de alguém ligado ao BE, a probabilidade de exprimir alguma ideia que valha a pena ouvir é evanescente. Chegado aqui, é fácil fazer uma inferência de Bayes e concluir que a conversa não valeria um alho chocho.

Foi por isso sem surpresa, com a sensação de dever cumprido, que me certifiquei aqui neste post de O Insurgente do espalhanço ao comprido da Dr.ª Marisa Mateus ao afirmar com a certeza dos néscios vários despautérios, nomeadamente sobre os défices e a dívida nos países da UE.

É claro que com menos elucubrações teoréticas qualquer pessoa poderia chegar à mesma pré-conclusão usando o preconceito como lubrificante social e ferramenta de sanidade mental (tão aceitável como, dentro de certos limites, a mentira social: «não posso aceitar o convite porque tenho um compromisso») baseado numa das variedades do trilema de Žižek recorrentemente usado no (Im)pertinências em momentos de grande preguiça ou de grande falta de pachorra. Ver exemplos na etiqueta «trilema de Žižek».

E, para terminar, não resisto a concluir que estamos perante mais um exemplo da falácia «Pessoas inteligentes falam sobre ideias, pessoas normais falam sobre coisas, pessoas mesquinhas falam sobre pessoas» aqui desmistificado, pensamento que, se tomado a sério, levaria pessoas inteligentes a gastar o seu tempo a ouvir ideias e coisas estúpidas, o que não seria nada inteligente.

Sem comentários: