Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

13/02/2019

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Os porcos são todos iguais mas há uns mais iguais do que outros

«Hoje em dia, as pessoas bem formadas têm os sentidos muito apurados para variadíssimas formas de discriminação. Os adeptos mais fervorosos do feminismo vigiam cadernos de actividades para meninos e meninas. Os combatentes mais empenhados contra o racismo histórico vigiam estátuas opressoras. Os activistas mais radicalizados do grupo LGBTQQIA+ vigiam o uso de pronomes. Os apoiantes mais apaixonados dos direitos dos animais vigiam provérbios com referências a bicharada.

Confesso que, embora sendo contra o machismo, contra o racismo, contra a homofobia e contra os maus-tratos a animais, o meu palato não consegue destrinçar certas subtilezas discriminatórias. Ele consegue, contudo, captar um outro tipo de discriminação, à qual sou bastante sensível, certamente por ter nascido no interior de Portugal e continuar a cultivar lastimáveis hábitos de matarruano: o classismo, ou classicismo (os dicionários admitem as duas formulações), que pode ser definido como a discriminação baseada na classe social.

Tristemente, já foi uma discriminação popular, mas está desvalorizada nos dias que correm. É uma pena, porque eu vejo manifestações dela todos os dias – incluindo por parte das mesmas pessoas que sendo muito sensíveis ao machismo, ao racismo, à homofobia ou aos direitos dos animais, são muito pouco sensíveis às mais variadas aparições de classismo, com certeza por estar nelas tão entranhado (reparem como estou maldosamente a usar o argumento favorito de todas as minorias envolvidas em lutas pela justiça social) que nem se apercebem quando o praticam.

As algemas com que Armando Vara se apresentou em tribunal na semana passada são um bom exemplo do que estou a falar. Muita gente manifestou-se contra aquelas imagens, considerando-as uma humilhação desnecessária. E alguns nem sequer nutrem qualquer simpatia em relação a Vara – acham simplesmente que aquilo não se faz. É aqui que o meu nariz anticlassista começa a sinalizar o cheiro a esturro. Nós já vimos dezenas, centenas de imagens de gente algemada a chegar a um tribunal – porque é que só nos indignamos com Armando Vara? Não é ele um cidadão como qualquer outro?»

Excerto de «As algemas de Armando Vara», João Miguel Tavares no Público

1 comentário:

Anónimo disse...

Pode-se não ser nem matarruano, nem classicista: amante do que é 'clássico'.
Mas pode-se ser apurado analista do reles povo que por aí anda: isto sim, é classismo.
Mesmo quando o povo concatena a malta na 'melhor geração de sempre'. Pelo menos na arte de palmar (veja-se palmeira no dicionário, sem futebol).