Outras avarias da geringonça.
Para terminar, por agora, a saga da aprovação do OE 2017, dois apontamentos. O primeiro, à margem desta crónica dedicada à geringonça, é a nota para memória futura da abstenção do PSD que viabilizou a desresponsabilização financeira dos autarcas, assim como viabilizou a manutenção da isenção do IMI dos imóveis partidários. Abstenção? Como se alguém se pudesse abster em tais matérias.
O segundo é sobre o chumbo do PS de todas as propostas de alteração ao OE apresentadas pelo PSD, incluindo algumas semelhantes às do seu próprio programa eleitoral.
Alguém ainda se lembra dos crescimentos previstos pelo PS no documento «Uma década para Portugal»? De 2016 a 2018: 2,4% , 3,1% e 2,6%. Depois de sucessivas revisões, a OCDE voltou a rever a previsão de crescimento de 2017 (1,3% em Junho) para 1,2%. A ultima previsão do governo foi de 1,5% para 2017 e 1,3% para 2018, ou seja metade das previsões do documento das 12 luminárias da Mouse School of Economics.
Alguém ainda se lembra da celebração dos miraculosos 0,8% do crescimento em cadeia no 3.º trimestre e dos miraculosos 1,6% de crescimento homólogo (incluindo «0,6 p.p. pela venda de material militar», os oportunos jactos F16 vendidos à Roménia)? Pois bem, a demonstrar o exagero de celebração, a produção industrial diminuiu 0,5% em Outubro em termos homólogos, segundo o INE e, pior ainda, a produção de bens de investimento caiu 4,9% enquanto que o consumo das famílias aumentou 1,9% . Isso, em conjunto com uma taxa de poupança que já vai em 4,2%, garante que o investimento e o crescimento continuarão deprimidos e a dívida externa continuará a crescer com vigor.
A fraqueza do crescimento tem vindo a ser secundarizada pelo governo a pretexto da diminuição do desemprego, contudo, desde Julho, a taxa de desemprego está praticamente inalterada em 10.9%,
Com a desmesurada tendência para a mentira ou, no seu melhor, para a meia-verdade, ou se quiserem para a pós-verdade, o governo enfeitou-se com a melhoria dos resultados dos testes em 2015 do TIMSS na Matemática do 4.º ano que revelam uma subida de 9 lugares no ranking em relação a 2011. O facto de os alunos que realizaram o teste do 4.º ano em 2015 terem iniciado os seus estudos depois do último ministro da Educação socialista não foi obstáculo para a geringonça atribuir a si própria os louros, praticando uma vez mais aquele seu princípio do que tudo o que acontece de positivo deve ser-lhe creditado e tudo o que acontece de negativo deve ser debitado ao governo «neoliberal».
Outro exemplo é o propalado «menor défice de sempre» em 2016, celebração desde logo exagerada se tivermos em conta o que tem vindo a ser enfiado debaixo do tapete da execução orçamental (ver por exemplo este artigo) ou empurrado com a barriga para a frente (ver este outro artigo). Veja-se o diagrama publicado pelo Insurgente que compara a consolidação orçamental «neoliberal» com a pífia da geringonça.
Essa tendência manifesta-se em todas as áreas e parece ter sucesso nas mentes sintonizadas com a geringonça e nas mentes débeis (supondo que podemos distinguir umas das outras). Veja-se como Costa transformou o enorme desastre que está a ser a capitalização da Caixa, depois de um ano de geringonça e de 2 a 3 mil milhões de prejuízos e de uma ameaça de downgrade da DBRS, a única agência que ainda nos mantém a flutuar, numa demonstração de savoir-faire celebrada pelo jornalismo de causas (um caso terminal é o de Nicolau Santos) que culminou na substituição de Domingues, um génio das finanças, por Macedo, um génio ainda maior. É assim como que a celebração dos dotes de limpeza de dejectos da criatura que entornou o penico.
A pós-verdade de Costa parece iludir muitos mas, no final, a realidade vem cobrar a sua factura. Por exemplo, não obstante a propaganda do governo, a dívida, aquele algodão que não engana, continua a crescer e, em particular, a dívida à banca portuguesa que uma vez mais se dispõe a financiar o Moloch estatal, em vez de financiar a economia produtiva. Segundo o Expresso, nos primeiros 9 meses do ano a banca financiou o Estado (excluindo as empresas públicas) em 14,3 mil milhões de euros e o stock total de dívida em OT e BT estava em Setembro em 72,4 mil milhões quase a atingir o máximo de 2010. 2010, lembram-se? Foi o ano anterior a 2011. Lembram-se? Quem falou em reestruturar a dívida, está a falar de qual dívida? Da dívida aos banqueiros alemães (que já não têm praticamente nenhuma) cujas pernas tremeriam, segundo aquele pateta que hoje faz de intérprete do socialês para o comunês e o berloquês? Ou da dívida aos banqueiros portugueses que são aqueles que contam com os contribuintes para lhes taparem os buracos?
Quem não se deixa impressionar pelos dotes de ilusionista de Costa são os quatro pérfidos alemães agora reforçados com o quinto.
Quanto à saúde da geringonça continua bem e recomenda-se o que é de mau augúrio para a saúde do país. Comunistas e bloquistas não contentes com a grandiosa vitória da «reposição de direitos» querem agora embarcar na conquista de novos direitos: «aumentar os dias de férias, aumentar as compensações por despedimento, reforçar os mecanismos da contratação coletiva, aumentar a contabilização salarial do tempo de trabalho (pagamento de feriados, fins de semana, etc.)» (DN).
Estão todos a trabalhar para transformar «As 10 Questões do Colapso. Portugal: a provável derrocada financeira de 2016-2017» de João César das Neves num bestseller.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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05/12/2016
Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (60)
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