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22/11/2010

CASE STUDY: A situação portuguesa é diferente da irlandesa, mas nem sempre para melhor

Os nossos políticos esfalfaram-se a sublinhar as diferenças entre a situação portuguesa e a grega. Esfalfam-se agora ainda mais a fazer o mesmo com a Irlanda. Alguns exemplos:
  • Cavaco - «Há muito tempo que eu afirmei que o problema da Irlanda era muitíssimo mais grave que o português»;
  • Sócrates - «Quem acompanha esses mercados sabe que hoje subiram os juros da Irlanda, que bateram novo recorde – e nós já descolámos da Irlanda nesse domínio»;
  • Teixeira dos Santos - «Portugal é diferente da Irlanda e que traçou um caminho de consolidação e de políticas de reformas».
Não posso estar mais de acordo com estas luminárias quanto à existência de profundas diferenças. Só estarei em desacordo quanto à putativa vantagem portuguesa. Vejamos algumas das diferenças que os sábios domésticos ignoram ou fazem por ignorar:
  • A primeira grande diferença é o PIB, praticamente igual nos dois países para uma população inferior a metade da portuguesa, donde resulta um PIB per capital duplo do português – os irlandeses têm muito por onde apertar o cinto até chegar à cinturinha de vespa portuguesa;
  • No caso português temos décadas a viver acima das posses com um défice do comércio externo ao redor de 10% do PIB; no caso irlandês só nos últimos anos o défice do comércio externo aumentou para 1/3 ou menos do português;
  • A dívida pública portuguesa era no final do ano passado superior à da Irlanda (77% do PIB contra 65%); no final deste ano a dívida irlandesa não será muito superior à portuguesa, mesmo depois dum défice ultrapassando 30% em 2010, resultante da injecção de capital no sistema bancário; ainda assim a Irlanda dispõe de uma almofada de 20 mil milhões de reservas suficiente até meados do próximo ano;
  • A Irlanda tem uma margem enorme para aumentar os impostos sobre lucros, actualmente 12,5%;
  • O investimento directo estrangeiro em 2010 na Irlanda é o maior dos últimos 7 anos; o IDE em Portugal não para de diminuir;
  • As políticas laborais e as regras de arrendamento são muito mais flexíveis na Irlanda - as rendas estão a descer mais rapidamente do que os salários; apesar da taxa de desemprego ser uns 3 pontos superior à portuguesa, o aumento do desemprego desde 2007 resulta em grande parte da crise da construção civil depois de rebentar a bolha;
  • A mão-de-obra irlandesa é mais jovem e está muito melhor preparada do que a portuguesa; uma parte importante dos imigrantes está a regressar aos seus países de origem aliviando a pressão sobre o subsídio de desemprego;
  • No que respeita ao sistema público de segurança social, o nosso fundo de estabilização (FESS) atinge a modesta cifra de 9,5 mil milhões para uma população de 10,6 milhões, correspondente a um valor per capita de 900 euros, que compara com uma cifra bem mais robusta de 24,1 mil milhões do National Pensions Reserve Fund para uma população de 4,6 milhões, correspondente a um valor per capita de 5.200 euros, ou seja 5,8 vezes o valor per capita português (ver este post).
O grande problema irlandês, que não tem expressão comparável em Portugal, é o sistema bancário descapitalizado depois de registar as imparidades resultantes da exposição ao crédito subprime americano e do incumprimento massivo do crédito à habitação doméstico. É um problema grave? É sim senhor, mas na casa das máquinas os motores continuam a girar. Em menos de 5 anos a economia irlandesa estará em velocidade de cruzeiro e a economia portuguesa terá mais ou menos os problemas que tem hoje – mais, se o povo continuar a tentar pendurar-se no estado socialista falido e as elites portuguesas continuarem a vegetar na mediocridade ou menos, no caso contrário.

[Artigos recentes que abordam este tema: Threadbare e Saving the euro, na Economist, After Ireland, spotlight on Portugal, Spain no Marketwatch]

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