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16/01/2015

Estado empreendedor (93) – o efeito Lockheed Tristar avant la chute

Recontando a história (outra vez): nos finais dos anos 60 a Lockheed desenhou um novo avião para concorrer com o Boeing 747, que usaria motores revolucionários especialmente desenhados pela Rolls Royce. Primeiro desastre: a Rolls Royce entrou em falência para produzir os motores a um custo 4 vezes superior ao orçamentado. Para piorar as coisas, o choque petrolífero de 1973 aumentou o preço do jet fuel a um nível que tornou economicamente inviável para as companhias de aviação a operação do Tristar com esses motores excessivamente gulosos, desenhados para os tempos do petróleo a pataco. Segundo desastre: a Lockheed, com o argumento de já ter investido muitos milhões de dólares, decidiu continuar a investir e a produzir o L-1011 TriStar para não perder o investimento já realizado. Em resultado, ao fim de 14 anos de produção, vendeu, a preços de saldo, metade do volume de break-even e perdeu várias vezes o valor que teria perdido se interrompesse a produção em 1974, quando já era claro que o avião era inviável.

Os nossos governos já se cruzaram com o efeito, a que chamei Lockheed Tristar, várias vezes. Uma deles em 1981, quando já toda a gente tinha percebido que o avião estava condenado, até a própria Lockheed, estava o Conselho de Ministros da altura, chefiado por Pinto Balsemão, a assinar quatro Resoluções 10/81 a 14/81 de 5 de Fevereiro concedendo avales a vários empréstimos da TAP totalizando 350 milhões de dólares para a compra de cinco aviões Lockheed Tristar L1011-500, motores e acessórios. Depois de muitos anos de custos de operação elevadíssimos a TAP foi-se vendo livre destes aviões vendendo-os a preços de saldos a vários pequenos operadores (Air Luxor, EuroAtlantic, etc.). Desta vez, porque ainda não o tinha baptizado, chamei-lhe efeito Lockheed TriStar avant la lettre.

Agora, para designar uma nova ocorrência, vou chamar-lhe efeito Lockheed Tristar avant la chute. Desta vez trata-se da encomenda em 2001 de 10 helicópteros para equipar a Unidade de Aviação Ligeira do Exército. Depois de ter pago 87 milhões em 2011 e 2012, o actual governo concluiu que o projecto teria um custo total proibitivo e decidiu negociar a denúncia do contrato em contrapartida de um pagamento final de 35 milhões. Em resumo, pagámos 122 milhões para ficarmos sem um único helicóptero (ler a estória contada na Visão).

Après la chute
E contudo, se parece razoavelmente óbvio que a encomenda foi um disparate, nada indica que também o tenha sido pagar 122 milhões para acabar com a coisa, em vez de gastar mais uma largas centenas de milhões para chegar a ter algo cuja utilidade é discutível e cujos custos de manutenção consumiriam um proporção disparatada do orçamento da tropa. De onde se pode concluir que desta vez não fomos totalmente atropelados pelo efeito Lockheed Tristar.

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