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28/08/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (98)

Outras avarias da geringonça.

A semana que passou foi rica em episódios notáveis. Começo pela entrevista ao DN de uma secretária do Estado, até agora desconhecida, cujo passado se resume a colaboradora desse prodígio da sociologia marxista prof. Boaventura de Sousa Santos e a colaboradora de António Costa como MAI, como presidente da câmara de Lisboa e como chefe do governo. Em vez de falar sobre o seu pelouro, a modernização administrativa, à entrevistadora (por sinal uma ex-namorada de José Sócrates, especialista no coming out) , declarou-lhe com que sexo costuma partilhar os lençóis. O governo e a sua imprensa celebraram com brio a declaração que distraiu o povo dos incêndios, das armas de Tancos e das cativações. Por exemplo o semanário de reverência dedica toda uma página ao tema, página ilustrada com uma foto formato A4 da criatura encarnando o estereotipo andrógino característico das lésbicas.

O mesmo semanário de reverência tinha publicado uns dias antes uma outra entrevista àquele a quem José Sócrates chamava «o merdas do Costa que não tem tomates», onde o dito revelou a sua última epifania: um pacto de regime com o PSD em que nem ele próprio acredita.

Vem a propósito do semanário de reverência lembrar que se tornou pública uma das razões que explicam o conúbio cada vez mais notório com o governo e os seus parceiros - a manifesta incapacidade da Impresa para pagar a monumental dívida (mais um factor de identidade com o governo socialista). Sim porque, escreveu Ricardo Leite Pinto, «a experiência diz-nos que quando o dinheiro falta a isenção e a independência vão minguando. O cemitério da comunicação social está repleto de valorosos baluartes da independência jornalística

Prosseguiu durante a semana a manobra de intimidação da Altice por Costa e o seu séquito com um duplo objectivo: (1) descartar as responsabilidades do próprio Costa na adjudicação do SIRESP e (2) fazer perceber a Patrick Drahi quem é que manda, com o propósito de disciplinar a TVI - nisto Costa mostra outra vez a admiração secreta por José Sócrates, apesar do que este pensa dele. Para tal, Costa mandou avançar a ACT que desencantou mais de uma centena de infracções laborais na PT (se a ACT fosse a uma qualquer empresa do regime, encontraria as mesmas ou mais infracções ao labirinto kafkiano que é a legislação laboral), ao mesmo tempo que os comunistas ameaçam greves e exigem a nacionalização da PT.

Outro episódio notável da semana foi a «recomendação» por um ministro qualquer, prontamente aceite pela editora que retirou do mercado um livro escolar que alegadamente não respeitava a vulgata da «igualdade de géneros». Apesar do ridículo do pretexto, é um perigoso exemplo de como a esquerda quando detém o poder não resiste a usá-lo como o salazarismo fez no passado.

Para terminar a saga destes episódios trágico-cómicos, evoco a surpresa surreal do governo de Costa com a presença de um contingente militar espanhol em Pedrógão Grande a apoiar o combate aos incêndios.

Voltando à gestão da coisa pública pela geringonça, recordemos que a meta para 2017 do governo para a dívida era de 127,9% do PIB e em Junho já ia em 132,4%, correspondente a um aumento de mais de 8 mil milhões de euros no 1.º semestre.

E, quanto ao milagre económico de Costa, a balança comercial aumentou o défice no 1.º semestre e as receitas do turismo não foram suficientes para cobrir a subida das importações. O défice das balanças corrente e de capital duplicou de 356 para 685 milhões de euros. Sem surpresa, porque para financiar o consumo e as importações sem aumentar a produção é preciso aumentar a dívida, o endividamento da economia no seu conjunto subiu no 1.º semestre quase 11 mil milhões de euros atingindo 726 mil milhões de euros - quatro vezes o PIB! Ora veja-se a pujança com que vem crescendo desde que Costa se instalou em S. Bento:

Jornal Eco
Não admira pois que a poupança das famílias continue o seu percurso, que se acelerou após a adesão ao euro, rumo à irrelevância: era de 11,6% do PIB no período 1995-1999 contra 11,9% da UE que mantém no mesmo patamar enquanto que Portugal desce em 2016 para 4,3% e no 1.º trimestre deste ano a poupança até foi negativa em 356 milhões.

Com um quadro deste, não têm grande relevância os anúncios festivos do Ronaldo das Finanças antecipando o cumprimento do défice de 1,5% - que parece provável dado o seu arsenal de truques orçamentais - e a redução da dívida para 127,7% - que só será possível baixando significativamente a almofada financeira de tesouraria com o consequente redução da capacidade de resposta à volatilidade dos mercados.

A acrescentar aos cortes e cativações dignas de um governo neoliberal, soube-se agora que «centenas de candidaturas a fundos comunitários de projetos de defesa da floresta, nomeadamente de prevenção contra incêndios, foram rejeitados, em muitos casos com o argumento de falta de dotação orçamental». É claro que Costa tem de cortar em despesas prioritárias para manter sossegada a sua clientela eleitoral - exemplos da semana passada: a anunciada reforma antecipada sem cortes dos funcionários públicos, as exigências dos enfermeiros em início de carreira ganharem mais do que os médicos, o aumento extraordinário das pensões em 2018 e tudo o mais que sair das pressões de comunistas e bloquistas na negociação do orçamento.

Para terminar é interessante notar, como fez Paulo Ferreira, que o governo ao enaltecer o seu controlo orçamental e ao mesmo tempo a atribuir-se o maior crescimento desde não sei quando, está a desmentir ponto por ponto os mitos que construiu para combater as políticas do governo anterior e para alinhavar o seu programa: «1 – Com esta política europeia não haverá crescimento económico; 2 – A obsessão com o défice mata a economia; 3 – O investimento público é fundamental; 3 - Isto só lá vai com o estímulo do consumo».

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