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04/12/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (112)

Outras avarias da geringonça.

A semana que passou foi marcada pelos episódios grotescos da aprovação do orçamento e da capitulação em toda a linha de Costa com uma reviravolta na taxa da energia que, afinal, foi também uma capitulação a outra gente. O capítulo mais recente da comédia Infarmed esteve ao nível dos anteriores: a presidente a contar que o ministro lhe dissera que a transferência era apenas uma intenção e o ministro a fazer um ridículo mea culpa mea maxima culpa para limpar a folha de Costa.

Se por um lado se avolumam os sinais do desconjuntamento da geringonça - o discurso da mana Mortágua a cobrar a "traição" foi disso uma manifestação colorida - por outro, surgem os sinais de que Costa está a procurar para os lados da oposição outras bóias para se manter a flutuar. Escute-se como a ministra da Presidência «deseja que com o futuro líder do PSD seja possível um entendimento» e repare-se como o braço direito de Costa - aquele rapaz que fazia tremer as perninhas dos banqueiros -  no mesmo ano consegue dizer que «o PS nunca vai precisar da direita para governar» e nove meses depois promete «em matérias estruturantes vamos procurar o PSD e o CDS» (fonte). Esta segunda declaração é tanto mais extraordinária quanto dita por um rapaz tido como inteligente e presuntivo futuro líder socialista que não percebe que os acordos em matérias estruturantes se fazem com os aliados, que ele acha serem o BE e o PCP, e não com o PSD e CDS com os quais, sendo adversários ou inimigos, só se fazem acordos em matérias circunstanciais.

Sobre o futuro da geringonça e do governo PS vale a pena ler o que disse ao Público João Cravinho, um insider profundo conhecedor dos bastidores da política doméstica, que vaticina uma cada vez maior dependência de Costa do presidente dos Afectos que corre na sua própria pista para construir uma espécie de IV República a la française.

«Não temos funcionários públicos a mais» garantiu a ministra da Presidência em concordância com o aumento de 6 mil utentes da vaca marsupial pública este ano. Só não se percebe, sendo assim, porque aceitou e se comprometeu o governo com a CE a aplicar a regra do saem dois e entra um. Poucos dias depois, como que em jeito de explicação, o secretário de Estado da Saúde revela que só este ano já houve quase 3 milhões de dias de faltas ao trabalho no ministério da Saúde (ou seja em média mais de 30 dias por cada um dos cerca de 100 mil funcionários), das quais 1,7 milhões de dias por doença e 1,2 milhões de dias por parentalidade.

Uma palavra para o regabofe da geringonça alargada a PSD e CDS na câmara de Lisboa cuja assembleia municipal aprovou uma proposta de Helena Roseta para todos os partidos poderem contratar assessores e secretárias, os primeiros com um salário mensal de 3.752,5 euros e as segundas de 2.802,5 euros. E, falando da câmara de Lisboa, Medina herdou-a de Costa com um passivo superior em 40 milhões à herança de Costa, apesar deste ter recebido 286 milhões do governo PSD-CDS pela compra há mais de 70 anos dos terrenos do aeroporto, de ter vendido de 500 milhões do património municipal e de ter transferido dívida para as empresas municipais. Foi um estágio para primeiro-ministro da geringonça.

Numa análise da execução orçamental do OE2017 por investigadores do Institute of Public Policy publicada no Observador, pesquei o diagrama seguinte que mostra eloquentemente as distorções que o Ronaldo das Finanças tem introduzido para manter felizes as suas clientelas que na circunstância são Bruxelas (saldo) e os funcionários públicos (ver o desvio na rubrica pessoal), às custas dos sujeitos passivos (veja-se o desvio para mais dos impostos) e da operacionalidade da máquina do Estado (veja-se os desvios para menos da despesa com bens e serviços e investimento). Note-se também como as clientelas autárquicas em ano de eleições não foram descuradas (desvio do saldo da ARL - Administração Regional e Local).


Quanto ao OE2018, depois de muita barganha, lá foi aprovado pelo PCP e pelo BE como uma espécie de adiamento da avaria irreparável da geringonça. Para dizer em poucas palavras em que consiste este exercício orçamental, é mais do mesmo, um cozinhado com os mesmos expedientes do costume e os mesmos beneficiários do costume, em proporções ligeiramente diferentes. É claro que PCP e BE fazem o seu número colocando bandeirinhas, para usar a formulação do camarada Jerónimo, no que conseguem extrair a Costa, ao mesmo tempo que se queixam que se devia ter ido mais longe. O mais longe significa aumentar os impostos sobre os "ricos" e as empresas e, já agora, confira-se no diagrama a seguir como os sucessivos governos nos têm colocado no topo da taxação dos lucros e repare-se os níveis de taxa nos países que nos são comparáveis, nomeadamente os sobreviventes do colapso soviético.

Taxa efectiva de IRC (fonte: Miranda Sarmento no Jornal Eco)

Uma nota para os danos que os sindicatos comunistas estão a causar ao país, manipulando os trabalhadores da Autoeuropa para rejeitar o pré-acordo que permitiu trazer a montagem o T-Roc para Palmela e criar mais de 2 mil postos de trabalho. Para os comunistas é preferível que os trabalhadores vivam de subsídios de desemprego pagos pelos "ricos" ou sejam "explorados" por uns patrões subdesenvolvidos do que serem "explorados"pela VW.

E o futuro da economia? Será que os amanhãs continuarão a cantar? Cantar talvez cantem, mas cada vez mais baixinho e desafinados. O crescimento está a desacelerar e prevê-se que assim continue, nomeadamente a produção industrial, pelo que a continuar ficamos pendurados no turismo (antes isso que na dívida). Em consequência da desaceleração da economia, a redução do desemprego está a estabilizar. E, para não variar, é o consumo que está a segurar o crescimento do PIB em detrimento do investimento, ou seja, como de costume, hoje há, amanhã logo se vê.

Por isso, não admira que alguns economistas estejam preocupados com Portugal. O maior problema é só serem alguns, como Daniel Bessa, ex-ministro de Guterres que saltou do comboio em andamento logo que viu para onde ia, e que com frontalidade disse, nas barbas da criatura que lhe sucedeu no cargo e repousa agora no ministério da Economia, que a continuarmos assim «nem a moeda única nos salvará de um quarto resgate».

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