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14/02/2005

CASE STUDY: Os programas não são para se cumprir (4) - a Cóltura (com maíuscula)

Prosseguindo a saga dos programas de governo (capítulos anteriores aqui, aqui e aqui), é tempo agora de falar de Cóltura (com maíuscula). O Expresso no suplemento Actual perguntou aos partidos com representação parlamentar «Qual deve ser o modelo de financiamento do cinema português?»

Descubra as diferenças nas seguintes respostas:

PSD
«A Lei das Artes Cinematográficas dá essa resposta, ao prever a manutenção do financiamento do Estado e a criação de novas fontes de investimento e financiamento para o sector. A lei prevê, ainda, a diversificação de sistemas de apoio e a participação de todos os agentes do sector do cinema e do audiovisual, designadamente através da participação de entidades privadas num fundo de investimentos.»

PS
«No quadro do MC (e não, por exemplo, do Ministério da Economia...) deve ser um modelo que estimule a diversidade do tecido cinematográfico e compatibilize três instrumentos principais: a) os concursos para financiamento de vários géneros, linguagem e formas artísticas, decididos por júris; b) os planos de apoio plurianual a produtores, para execução de programas coerentes e relevantes de produção; c) co-participação do MC em fundos de investimento em que participem também outros intervenientes na cadeia de valor, tais como operadores televisivos, distribuidores e exibidores de cinema.»

CDS/PP
«É necessário um equilíbrio entre a criação de autor e o grande público, ou seja, entre o especializado e a grande difusão. O actual modelo assenta numa redistribuição de receitas provenientes do audiovisual e serve de impulso ao investimento, necessitando de regulamentação breve.»

PCP
«Defendemos um sistema de financiamento do cinema português que diversifique, tal como está previsto na lei, as fontes de financiamento, desde que a sua diversificação não signifique a desresponsabilizaçâo do Estado e a perda de rigor e transparência na gestão è atribuição dos apoios ao cinema português.»

BE
«Aumento das verbas concedidas pelo ICAM através da taxação da publicidade nos canais por cabo em língua portuguesa, nos canais de acesso pago e no aluguer de vídeos, bem como mediante uma taxação de 5% nos preços de bilheteira de filmes produzidos fora da União Europeia e da CPLP. Isenção da licença de distribuição para os filmes nacionais que apenas tenham seis cópias em exibição em sala.»

Deve haver muitas poucas áreas com tamanha convergência nas políticas. É difícil atribuir um Óscar, mas arrisco o PS, onde se mistura o mais bolorento intervencionismo estatista com a treta pós-moderna (mãozinha do doutor Carrilho, pela certa).

No mesmo suplemento Actual, umas páginas mais à frente, podemos tomar conhecimento do resultado do modelo de financiamento do cinema português:

  • Os 18 filmes portugueses exibidos em 2004 tiveram no total menos espectadores do que o vigésimo filme do ranking dos mais vistos (194.132 contra 197.843)
  • O número de espectadores que viram filmes portugueses representou 1,23% (um vírgula vinte e três por cento) do número total de espectadores
  • A média de espectadores desses filmes foi 10.785, o que a preços correntes terá rendido uns míseros 50.000 euros por filme (percebe-se agora que cadeia de valor significa o local onde se aprisionam os valores dos contribuintes)
  • A média dos 7 filmes com mais 10.000 espectadores é 24.162
  • A média dos restantes 11 é de 2.273 espectadores por filme
  • Entre estes 11 filmes há 3 que não atingiram 100 espectadores, incluindo um da autoria de Laurence Ferreira-Barbosa que atingiu o número astronómico de 62-espectadores-62, o que deu para encher as primeiras 3 filas duma sessão.
  • Os subsídios que o MC paga com o dinheiro dos contribuintes são geralmente da ordem das várias centenas de milhares de euros, o que corresponderá a um subsídio por bilhete equivalente a várias vezes o seu preço.

Estamos a falar de 2004 e da doutora Burtorff. Apertem os cintos que o pior está para vir. Imaginem o resultado das políticas culturais do doutor Carrilho a inspirarem o modelo de financiamento do cinema português.

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