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16/11/2022

Pro memoria (424) - Uma retrospectiva sobre o Banif a propósito de outra retrospectiva do ex-governador do BdP sobre as intervenções do Dr. António Costa na banca

No Natal de 2015, escassas semanas após a tomada de posse do primeiro governo do Dr. Costa, publiquei um post que agora reproduzo por ter ganho actualidade com as declarações de Luís Marques Mendes ontem na Fundação Gulbenkian, na apresentação do livro “O Governador” de Luís Rosa: 
«Espero bem que o Ministério Público possa ler os capítulos do livro sobre o caso Banif. (…) Sendo Portugal um Estado de Direito, tenho a convicção de que não pode deixar de abrir uma investigação criminal.» 
Aqui vai, de novo:

Com mais alguns factos, a dúvida original e a dúvida reformulada dissiparam-se. Em retrospectiva:

  • Desde 2013 o governo PSD-CDS entrou com 700 milhões para o capital do Banif, tornando-se accionista de 60%, e ainda fez um empréstimo de 125 milhões em obrigações CoCos convertíveis em capital;
  • Pelo caminho, a solução adoptada em 2014 para o BES foi intensamente atacada pelo PS, BE e PCP; 
  • Desde então o governo PSD-CDS tentou vender sem sucesso o Banif e foi empurrando com a barriga por cima do calendário eleitoral;
  • A TVI é uma participada da Media Capital cujo accionista maioritário com 95% é o grupo Prisa com ligações ao PSOE, partido irmão do PS; o 6.º maior accionista do Grupo Prisa é o Santander;
  • Recentemente, prosseguiam negociações entre o governo PS e vários bancos, incluindo o Santander;
  • Na noite do domingo dia 13, a TVI divulgou em nota de rodapé (uma forma impessoal muito conveniente de evitar ligar um rosto à notícia) «Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do Banco»;
  • O Banif desmentiu de madrugada a notícia falsa do seu próximo encerramento; desmentido interpretado, como habitualmente, como uma confirmação;
  • Nos dias seguintes a cotação do Banif caiu praticamente para zero e inicia-se uma corrida ao banco sendo levantados 900 milhões durante a semana;
  • Na 4.ª feira 16, o BCE decide suspender o estatuto de contraparte do Banif cortando-lhe a possibilidade de financiamento; a partir daqui é a morte anunciada do Banif;
  • No fim de semana seguinte o governo PS negoceia em dois dias a venda da parte boa do Banif ao Santander por 150 milhões, tendo o Estado de injectar 1,7 mil milhões e o Fundo de Resolução 500 milhões;
  • A venda ao Santander é anunciada pelo Banco de Portugal nesse domingo às 23 horas;
  • Como se tudo já estivesse há muito preparado, 36 horas depois, já estava em curso por todo o país a mudança de imagem do Banif para Santander;
  • Mário Centeno salientou justamente uns dias depois que o seu governo «fez em três semanas o que o anterior não fez em três anos»: salvou accionistas, obrigacionistas e grandes depositantes e fez os contribuintes pagar 1,7 mil milhões de euros, pelo menos (recorde-se o caso BPN que Teixeira dos Santos começou por garantir que não custaria nada); 
  • Citando informação de Mário Centeno no parlamento (fonte): «o Banif tinha 356.457 depositantes, sendo que desses, havia 7411 acima de 100 mil euros. E desses, 6374 eram de particulares. Segundo Centeno, o montante médio dos depósitos acima de 100 mil era 283 mil euros.» De onde resulta que o total de depósitos acima de 100 mil euros era de 2,1 mil milhões de euros (=7.411x283.000), montante que foi poupado aos grandes depositantes pela resolução à custa dos milhões de contribuintes;
  • Em vigor a partir de 1 de Janeiro, a Banking Resolution and Recovery Directive, cujo propósito é a minimização dos prejuízos a serem suportados pelos Estados, ou seja pelos contribuintes, obrigaria à resolução do Banif em que seriam chamados a participar no bail-in os accionistas, os detentores de dívida subordinada e de dívida senior e os depositantes com mais de 100 mil euros;
  • A aplicação desta directiva no âmbito da união bancária poderia envolver a banca europeia que cobriria as perdas do Banif com o «inconveniente» do processo ficar sob o escrutínio do BCE e o risco dos escândalos;
  • Enquanto decorria a discussão do orçamento rectificativo para acomodar a resolução do Banif, Horta Osório, um antigo presidente do Santander Totta e actual presidente do Lloyd's Bank, tirou-se do seus cuidados em Londres e achou que deveria manifestar-se chocado e defendeu «que os contribuintes portugueses pelo menos merecem saber com transparência e rectidão exactamente o que aconteceu», como se a informação administrada aos contribuintes portugueses pelo governo PS, neste caso coligado com o PSD, não fosse transparente e recta;
  • Finalmente, foi aprovado na 4.ª feira o orçamento rectificativo do governo PS, com os votos contra do PCP e do BE, e a abstenção do PSD, tendo Passos Coelho explicado que «não teria uma solução muito diferente»; foi mais um exemplo da doutrina Mutual Assured Distraction (MAD) que impera na política portuguesa.
Perante estes factos, estou esclarecido e já poucas dúvidas me restam. Aproveito para especular sobre o pretexto para transformar os contribuintes em bombeiros do risco sistémico.

Um banco com 2,5% de quota de mercado representa um risco sistémico? Já é a segunda vez com bancos marginais no sistema e com o mesmo partido no governo – a primeira vez foi com o BPN, cuja factura à pala do risco sistémico irá superar os 7 mil milhões de euros.

A verdadeira questão não é quando está ou não em causa o risco sistémico. A verdadeira questão é como se minimiza o risco sistémico. Pelo menos já conhecemos duas maneiras de o incrementar:

  1. Criar nas cliques dirigentes dos bancos o sentimento de impunidade e nos clientes dos bancos a convicção que, chamando risco sistémico (whatever that means) à coisa que estiver à acontecer, os contribuintes pagam o prejuízo; 
  2. Continuar a autorizar reservas fraccionárias aos bancos, ou seja a admitir que os bancos emprestem dinheiro até um múltiplo (10 a 12 vezes) das reservas que dispõem nos bancos centrais. 

Talvez fazendo o contrário se conseguisse minimizar o risco sistémico. Mas quem está interessado nisso? Apenas uns milhões de contribuintes que preferem indignar-se quando os governos lhes vão aos bolsos e por isso não contam para nada.

Agora que já abri a prenda grande que o governo socialista me ofereceu neste Natal (uns milhares de euros, considerando a minha posição de médio accionista da Autoridade Tributária) e antes de abrir as prendas pequenas da família, vou especular sobre onde irão parar os milhares de milhões que o governo vai nos próximos anos extorquir aos papalvos à pala do Banif.

A resposta dos patetas varia, dependendo do grau de patetice, à volta de «eles», a corja, os banqueiros, os ricos, etc. Na verdade, a resposta é bem simples, desde que se façam as perguntas certas. Iniciemos, pois, a maiêutica socrática (do Sócrates da cicuta, não do das contas na Suíça).

A primeira pergunta é: porque ficou o Banif sem capital? Porque os activos ficaram menores do que os passivos. E porque ficaram os activos menores do que os passivos? Porque os activos diminuíram de valor (registaram imparidades, no jargão) e tiveram de ser criadas provisões (aumentando os passivos). Porque diminuiu o valor dos activos? Porque créditos de clientes se mostraram incobráveis por deixarem de pagar juros ou por outra razão. O que vai acontecer a esses créditos incobráveis? M de La Palice diria que não vão ser cobrados. E quem ganhará com isso? M de La Palice responderia outra vez: os credores inadimplentes, empresas e particulares ricos, remediados e pobres que assim receberão a dádiva que o governo socialista condenou os contribuintes a pagar-lhes. Pronto, agora já sabemos onde vão parar os milhares de milhões.

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