Em primeiro lugar é necessário distinguir numa epidemia a taxa ou coeficiente de letalidade e a taxa de mortalidade. Na primeira compara-se o número de óbitos com o número de infectados pela epidemia e no segundo caso compara-se com a população de uma área (mundo, pais, região, cidade, etc.)
Uma epidemia pode ter uma alta taxa de letalidade e uma baixa taxa de mortalidade, como o ébola que é muito letal e contamina pouca gente devido precisamente à sua elevada letalidade. Ou o contrário, como a gripe A (H1N1) de 2009 que foi pouco letal mas infectou milhões 700 a 1.400 milhões ou 11 a 21% da população mundial de então, causando 200 mil mortes pelo que a sua letalidade terá sido entre 0,03 a 0,06 por cento ou 30 a 60 por 100.000 e a sua mortalidade teria andado por 0,003 a 0,006 por cento.
Repare-se desde já que, com 735 óbitos nesta altura, a taxa de mortalidade do Covid-19 em Portugal anda pelos 0,007 por cento. Ainda que admitíssemos que a mortalidade diária, que está a baixar, se mantivesse igual à média até aqui (21 por dia em 35 dias) por mais seis meses, teríamos no total cerca de 4.500 mortes ou seja aproximadamente o mesmo número que a gripe comum causa em média num inverno. Recorde-se, a propósito, que até agora ainda ninguém se lembrou de confinar os portugueses no inverno.
De onde, chegados aqui, podemos concluir que a agitar taxas de mortalidade o jornalismo de causas não assustaria ninguém (nem venderia jornais), mesmo se acrescentasse outra demagogia como a de a nossa taxa de mortalidade ser mais baixa porque somos os melhores dos melhores, pela razão óbvia que a nível mundial até hoje há cerca de 170 mil óbitos atribuídos ao Covid-19, ou seja uma taxa de mortalidade de 0,002 por cento ou 2,2 por 100.000.
Como os valores presentes das taxas de mortalidade não assustassem ninguém, o jornalismo de causas passou a chamar taxa de mortalidade à taxa de letalidade ou a alternar, como no caso do DN que ora chama mortalidade ora chama letalidade. Alguns exemplos:
- 28-02 - «Taxa estimada de mortalidade global da Covid-19 é de 2%» (Público)
- 04-03 - «Afinal, taxa estimada de mortalidade global do Covid-19 é de 3,4%, diz OMS» (Executive Digest)
- 06-03 - «O novo coronavírus é igual à gripe? Não. Mata 26 vezes mais» (Sábado)
- 19-03 - «Organização Mundial de Saúde (OMS) avançou na semana passada que a taxa de mortalidade do vírus se encontra nos 3,4%» (Expresso)
- 21-03 - «Taxa de mortalidade do Covid-19 em Itália atinge aterradores 9%» (Visão)
- 27-03 - «Portugal com taxa de mortalidade de 1,7% de Covid-19» (JN)
- 29-03 - «a taxa de letalidade subiu para 2% » (SIC Notícias)
- 08-04 - «Espanha ... 28 em cada 100.000 habitantes morreram devido à covid-19» (Zap)
- 12-04 - «Em Portugal, a taxa de mortalidade situa-se agora ligeiramente acima dos 3%» (ionline)
- 13-04 - «A taxa de mortalidade subiu para 3%, disse a ministra da Saúde» (DN)
- 13-04 - «OMS diz que o novo coronavírus é dez vezes mais mortal que o vírus da gripe de 2009» (Público)
- 15-04 - «Portugal está com uma taxa de mortalidade de cerca de 5,5 por 100.000 habitantes devido à covid-19» (Visão)
- 16-04 «Portugal tem taxa de letalidade de 3,3%. A média europeia é de 8,6%» (DN)
- 19-04 - «A taxa de mortalidade belga está perto dos 15%» (Observador)
- 20-04 - «o que fez baixar ligeiramente a taxa de mortalidade para 3,52%» (Observador)
É claro que qualquer leitor atento perceberia que se fossem taxas de mortalidade estaríamos a falar de centenas de milhar de mortos. Em Portugal 330 mil ou 550 mil, conforme os dias e os jornais, ou, no caso de Itália, mais de meio milhão. A confusão está garantida e o pânico está alcançado.
(Continua)
4 comentários:
E saem 15 milhões para estes rigorosíssimos folhetos de propaganda ( decisão da bípede que faz de ministra da "cóltura...).
Acho que estamos no olho do furacão. Quando as pessoas perceberem que o estado quer manter partes importantes da sociedade fechadas durante meses, isto é, que não vão ter os empregos de volta, duvido que fiquem caladas. E vai ser em todo o mundo ao mesmo tempo.
O texto está perfeito ao alertar para o que a imprensa dita de referência (excluindo o DN) diz de disparates! Alerto, no entanto, para o facto dos valores apresentados comparando o covid com outras doenças não ser muito correcto na medida em que os dados para o covid se referem a um estado de “confinamento”, que nas outras não foi imposto. Se não tivessem sido impostas pelos governos estas restrições, de que taxas de mortalidade/letalidade estaríamos a falar?
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