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01/04/2020

O coronavírus no agitprop do Novo Império do Meio (2)

Continuação deste post.

São cada vez mais fortes os indícios de que o surto de coronavírus na China começou em Novembro e foi escondido pela nomenclatura chinesa até Janeiro, com as consequências conhecidas na sua propagação. Nomenclatura que usa todos os meios necessários para abafar ou suprimir informação que não controla, seja proveniente dos próprios chineses (como a médica "desaparecida"), seja proveniente de jornalistas estrangeiros (uma dúzia expulsa recentemente).

Como são cada vez mais fortes os indícios de falsificação dos dados sobre infectados e mortos (ver, por exemplo, este artigo), como de resto é prática habitual em toda informação de origem chinesa.

Não fica por aqui a a utilização da pandemia na estratégia do imperador Xi Jinping e da nomenclatura do Partido Comunista, que se estende à  manipulação das opiniões públicas ocidentais e à tentativa de atrelar os respectivos governos aos seus interesses, como aqui descreve Miguel Monjardino no seu artigo A pandemia e a tentação imperial da China, de onde respigo os excertos seguintes.

«No final de fevereiro, Pequim passou à ofensiva. Zhong Nanshan, o cientista que lidera o painel de peritos na contenção da pandemia, disse pela primeira vez que “o coronavírus apareceu primeiro na China mas pode não ter começado na China”. Esta frase foi o primeiro sinal de uma campanha de desinformação em larga escala orquestrada pelo PCC.

«Duas semanas depois, Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, usou o Twitter para defender a existência de provas de que a covid-19 começou num laboratório militar nos EUA. A CGTN, o canal de televisão em inglês da Televisão Central da China, controlado pelo PCC, fez o mesmo. Na sua edição de 22 de março, o jornal “Global Times” sugeria que o vírus apareceu em Itália. De então para cá, estas teorias da conspiração foram repetidas por uma série de embaixadores chineses e divulgadas no Twitter — que é proibido na China — e na aplicação social WeChat. (...)

A duração da campanha de desinformação chinesa é incerta mas, por agora, tem o apoio de Xi Jinping. Do ponto de vista de uma parte da liderança chinesa é essencial desviar as atenções ou as críticas em relação à tragédia de Wuhan, semear as dúvidas em relação à origem geográfica da doença, consolidar a autoridade e legitimidade do líder chinês e criar a impressão de que Pequim comprou tempo para salvar o mundo da pandemia. Tudo isto sugere que o PCC vai reescrever a história do que aconteceu em Wuhan. Tal como sucedeu com as revoltas e o massacre de Tiananmen em 1989, os alunos que frequentarem as escolas e as universidades chinesas em 2040 não deverão ter a oportunidade de saber a verdade sobre o que se passou na cidade no inverno de 2019-2020. Voltando a Isabel Hilton, “é demasiado difícil prever o passado na China”.»

Perguntarão, mas não é o que tentam fazer todos os governos de todos os países? Sim, todos os que podem. Então qual é a diferença. As diferenças são pelo menos duas: (1) a China é uma potência planetária que se tenta impor cada vez mais agressivamente (não por acaso o único vizinho com quem mantém boas relações é a Coreia do Norte) e (2) a democracia liberal não faz parte de cultura política da China que não dispõe dos mecanismos institucionais de contrapoderes nem de uma imprensa livre (imagine-se o que seriam os Estados Unidos sem esses mecanismos e sem uma imprensa que todos os dias faz tiro ao alvo das asneiras e das patologias do seu actual presidente).

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