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03/09/2020

A "nova esquerda" e o politicamente correcto visto por Roger Scruton

Para se entender a génese e os fundamentos filosóficos e teóricos do politicamente correcto, ou marxismo cultural, que hoje domina o discurso da extrema esquerda americana, infecta as faculdades de ciências sociais e influencia a esquerda europeia, é uma boa ideia ler Tolos, Impostores e Incendiários - Pensadores da Nova Esquerda que Roger Scruton, entretanto falecido, publicou em 2015 e que tem uma edição portuguesa de 2018 da Quetzal. Aqui vão alguns excertos. 

« … a primeira preocupação dos movimentos revolucionários da esquerda tem sido a captura da linguagem, mudar a realidade mudando a forma como a descrevemos e, consequentemente, como a entendemos. A revolução começa a partir de um ato de falsificação, igualmente exemplificado nas revoluções francesa e russa e nas revoluções dos campus contemporâneos.

(…)

… as guerras culturais acabaram na América com uma vitória quase universal da esquerda. muitos dos que foram considerados guardiões da cultura ocidental aproveitam qualquer argumento, mesmo fracassado, e qualquer corrente académica, mesmo que falsa, para denegrir a sua herança cultural. Entrámos num período de suicídio cultural, comparável ao que o Islão sofreu após a ossificação do Império Otomano.

(…)

Como consequência das guerras culturais, tudo isso foi profundamente alterado. Em lugar de objetividade, temos apenas «intersubjetividade» - noutras palavras, consenso. Verdades, significados, factos e valores são agora vistos como negociáveis. O curioso, no entanto, é que esse subjetivismo vago é acompanhado por uma vigorosa censura. Aqueles que colocam o consenso no lugar da verdade, em breve dão por si a distinguir a verdade do falso consenso. E, inevitavelmente, o consenso está «à esquerda». Porque é que isso há de ser assim, é uma questão a que tento responder neste livro.

Assim, o «nós» de Rorty exclui rigorosamente todos os conservadores, tradicionalistas e reacionários. Apenas liberais é que lhe podem pertencer; assim como apenas feministas, radicais, ativistas homossexuais e antiautoritários podem beneficiar da desconstrução; assim como apenas opositores do «poder» podem usar as técnicas de sabotagem moral de Foucault, e tal como apenas «multiculturalistas» podem servir-se da crítica de Said aos valores do iluminismo. A conclusão inescapável é que a subjetividade, o relativismo e o irracionalismo são defendidos não para acolher todas as opiniões, mas precisamente para excluir as opiniões de pessoas que acreditam em velhas autoridades e verdades objetivas. Este é o atalho para a nova hegemonia cultural de Gramsci: não para justificar a nova cultura contra a velha, mas para mostrar que não há espaço para nenhuma delas, de forma a que nada fique a não ser o compromisso político.

Por conseguinte, quase todos os que abraçam os «métodos» relativistas introduzidos nas humanidades por Foucault, Derrida e Rorty são adeptos ferrenhos de um código do «politicamente correto» que condena em absoluto o desvio em termos intransigentes. A teoria relativista existe para apoiar uma doutrina absolutista.»

1 comentário:

Ricardo disse...

Que muitos na suposta "direita"mais ou menos liberal(ou direitinha como alguns lhe chamam)ainda não tenham entendido essa realidade é também um mistério,e ainda continuam a contribuir,activa ou passivamente,para o avanço dessa agenda politica/social/cultural a nível global.