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19/03/2020

De volta ao Covid-19. Colocando a ameaça em perspectiva

A pandemia Covid-19 é grave? Certamente, mas com cerca de 9.000 mortes até agora em menos de 3 meses qual é a sua gravidade relativa face a outras doenças epidémicas ou não?

Fonte
No diagrama anterior estão listadas as doenças com mortes diárias médias superiores às do Covid-19 até ontem. A tuberculose mata em três dias o equivalente a todas as mortes resultantes do Covid-19 até hoje. E doenças pandémicas com o HIV/AIDS e a H1N1 matam em cinco dias ou em duas semanas, respectivamente, mais do que Covid-19 até hoje. Valerá a pena lembrar que em Portugal há até agora 2 mortos pelo Covid-19 e o número de mortos pela gripe comum nos últimos anos se tem situado entre 3.500 e os 5.000?

Agora que o Covid-19 está controlado na China, continuará a propagar-se fora da China à mesma velocidade de que até agora?  O número de infectados por uma pandemia segue tipicamente uma curva denominada logística ou curva em "S", como a do gráfico seguinte.

Fonte


O número de novos infectados aumenta exponencialmente numa primeira fase que se pode dividir em duas subfases: a primeira de aceleração (2.ª derivada positiva) em que aumenta o incremento diário do número de novos casos e a segunda de desaceleração (2.ª derivada negativa) em que o número de novos casos continua a aumentar mas cada vez menos.  Essa primeira fase termina no ponto de inflexão (1.ª derivada nula) quando o número de novos infectados começa a diminuir (1.ª derivada negativa).

As medidas de contenção não alteram o tipo de curva apenas a "comprimem" prolongando-a no tempo, o que em si mesmo é uma consequência negativa a que se junta o facto de diminuindo o número de infectados reduz-se a imunidade favorecendo novos surtos e possivelmente adiando algumas mortes. É o preço de se reduzir agora o número de mortes e conter o colapso dos serviços de saúde provavelmente incapazes de lidar com todos os casos na estratégia free-for-all (ver diagramas mais abaixo).

Essas medidas podem ser mais duras como na China, em que todas as poucas liberdades e direitos individuais existentes foram suprimidos - leia-se aqui o relato de Pablo Godoy, um chileno que vive e trabalha em Xangai - ou mais leves como na maioria das democracias ou podem mesmo ter sido quase inexistentes, como parece ter sido o caso da Itália nas primeiras duas semanas.

Muitas dessas medidas envolvem restrições das deslocações, que são muito eficazes. Nesta altura mais de 80 países que impuseram-nas - ver mapa seguinte.

Fonte

Ou ainda podem ainda ser medidas mistas de mitigação para reduzir a velocidade de propagação e de supressão para suprimir a propagação, como no caso do governo britânico segundo a estratégia proposta pelo Imperial College COVID-19 Response Team no relatório «Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand».

O Washington Post apresentou no artigo «Why outbreaks like coronavirus spread exponentiallu, and how to "flatten the curve"» várias simulações aleatórias que ilustram as diferentes estratégias e os respectivos resultados exemplificados nos diagramas seguintes.
Recovered / Healthy / Sick (Fonte)
A resposta à pergunta se a propagação fora da China manterá a mesma velocidade será, pois, que a velocidade poderá continuar a aumentar mais alguns dias ou semanas e tenderá diminuir em linha com as medidas de contenção que estão a ser tomadas em todos os países.

(Continua)

3 comentários:

Anónimo disse...

Terá dado muito trabalho fazer este post. Mas é excelente.
Abraço e nada de TB. Saúde,
ao

Anónimo disse...

Vós sois os únicos que abordam estas relatividades da Vida.
Quem é que vai amealhar uns milhões com esta fábula?
Abraço

Terry Malloy disse...


Julgo que há um equívoco no seu post: o n.º absoluto de mortos resultantes da COVID-19 está directamente ligado às medidas de contenção sem precedentes que afectam mais de metade da população mundial.

Com essas medidas, em 3 meses, o vírus contagiou cerca de 0,012 de uma população de 3,8 mil milhões de pessoas (para contabilizar apenas países onde os mortos atingem as dezenas, excluindo, por. ex., a Índia e o Canadá)e provocou 21.000 mortos, a esta data e em menos de 3 meses.

As estimativas dos epidemiologistas mais conceituados é a de que o vírus tenha, tendencialmente, capacidade para, dando-lhe livre curso, contaminar entre 60 a 80% das populações onde se expanda.

Mesmo que dividamos a percentagem mais baixa ao meio, teríamos nestas zonas do globo mais de 1 bilião de infectados, digamos que no primeiro semestre.

E mesmo que reduzamos também a taxa de mortalidade a metade (está em 4,4% a nível global), teríamos cerca de 25 milhões de mortos. Num semestre.


Não há 'gravidade relativa'. Isto é da dimensão da gripe espanhola.