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21/05/2018

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (136)

Outras avarias da geringonça.

A semana que passou foi pródiga em episódios demonstrativos do estado do regime sob a administração da gerigonça. Não foi o mais ruidoso, foi talvez o mais vergonhoso: o sucesso da chantagem de Costa e de Marcelo "por razões de Estado" sobre a justiça levou esta a deixar cair com grande sentido de oportunidade o caso Manuel Vicente.

Depois de quatro anos a clamar que devemos deixar à política o que é da política, à justiça o que é da justiça, para justificar a passividade perante a Operação Marquês, os socialistas e os seus amigos de ocasião concluíram numa curta semana, no caso Sócrates e no caso Manuel Vicente, que afinal política e justiça se podem misturar nas proporções que forem convenientes.

O segundo episódio foi sem sombra de dúvida o mais ruidoso: a intifada de Alcochete, como lhe chamou um amigo, em que os camisas verdes de il duce Bruno Di Quercia atacaram o treinador Jesus e os seus apóstolos jogadores na Academia. Houve um concurso de intervenções próprias de uma república dos bananas ganho por Costa com a «criação de autoridade nacional contra a violência no desporto».

O terceiro episódio foi a aprovação pelo parlamento, com votos contra do PSD e abstenção do CDS, de propostas de lei de socialistas e berloquistas obrigando os bancos a comunicarem ao fisco as contas bancárias de residentes com saldos superiores a 50 mil euros, Recorde-se que uma lei semelhante tinha sido vetada em 2016 por Marcelo, veto justificado  pela «situação particularmente grave vivida então pela banca». Recorde-se que a legislação sobre branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo já obriga os bancos a controlarem todos os depósitos e transferências superiores a 5 mil euros.

O quarto episódio pertence à 2.ª temporada da série de grande sucesso os incêndios florestais. Segundo o governo já existem 25 helicópteros, segundo a Protecção Civil só são 13. Sobre o tema em geral, recomendo a leitura do ensaio «Os Mistérios de Pedrógão Grande» de Cristina Miranda no Blasfémias que resume o estado actual do conhecimento das trapalhadas, aldrabices e incompetências do governo de Costa.

O quinto episódio foi protagonizado por mais um dos amigos de Costa, o ministro-adjunto Siza Vieira que já como ministro reuniu com os chineses da OPA à EDP, chineses que por acaso são clientes da sociedade de advogados a que pertence, e esteve ligado à alteração legislativa que facilitou a OPA.

De acordo com as preferências de Costa de aumentar o número de utentes da vaca marsupial pública, o emprego na administração pública aumentou no final do 1.º trimestre para 674.379 ou 0,8% (mais 5.138 tenças) em relação ao mesmo período do ano passado. Confira-se o compromisso do governo para com a CE de aplicar a regra de duas saídas por uma entrada.

Evidenciando a saúde reconhecidamente frágil dos portugueses, fragilidade a que em tempos dediquei uma série de posts, o número de baixas médicas aumentou 30% em quatro anos enquanto o emprego subiu apenas 7,4%.

O Ronaldo Bom das Finanças prossegue a sua luta incansável contra o Ronaldo Mau das Finanças. Enquanto o Mau «avança com cativações adicionais, como o tem feito nos restantes anos, apesar dos protestos à esquerda» e deixa os «fornecedores dos hospitais sem receber facturas há um ano», o Ronaldo Bom «facilita gastos com grandes obras, eventos e incêndios». Adivinha-se que no próximo ano de eleições o Ronaldo Bom leve a melhor sobre o Mau em toda a linha.

Onde os Ronaldos Bom e Mau convergiram foi sobre o não aumento do «esforço fiscal», conceito que foi até agora a maior contribuição de Centeno para a Contabilidade Pública. O Conselho das Finanças Públicas e o INE também convergiram no aumento da carga fiscal, um conceito mais convencional, que passou de 34,3% em 2016 para 34,7% em 2017 o que corresponde a um aumento de 3,3 mil milhões de euros de impostos pagos pelos sujeitos passivos.

Falemos agora de crescimento que, como sabemos, o que tem havido, e tem dado pretexto a Costa se  vangloriar com as propriedades crescimentistas da geringonça, tem sido às cavalitas das exportações e do turismo para os quais a geringonça contribui tanto quanto para as mudanças climáticas. No 1.º trimestre o crescimento em cadeia da economia portuguesa desacelerou para 0,4% e o crescimento homólogo baixou para em 2,1% ao que constitui a 4.ª pior performance na Zona Euro. A explicação reside no contributo da procura externa líquida ter sido negativo por as importações terem aumentado mais do que as exportações. Sublinhe-se o impacto que as importações de combustíveis têm tido e previsivelmente terão com o aumento dos preços do petróleo que o governo previu no OE serem de USD 55 e que já vão em USD 66. O modelo do próprio governo estima que um aumento de 20% impacta negativamente o PIB em 1,2 mil milhões ou seja cerca de 0,6%.

Jornal de Negócios
Relativamente a Abril o indicador de clima económico do INE estabilizou, em linha com o indicador de actividade económica do Banco de Portugal que está há oito meses em queda. Pior do que esses indicadores indiciarem o arrefecimento da economia é o peso do investimento no PIB português ser o segundo mais baixo o que, por assim dizer, garante que a médio-longo prazo a economia portuguesa continuará a arrefecer. Se a isso adicionarmos, ou, mais exactamente, subtrairmos os 3 mil milhões de euros de fundos que Portugal pode perder no orçamento europeu 2021-27, confirma-se que o crescimento futuro está fortemente comprometido.

Jornal de Negócios
Não custa prever que, quando a locomotiva da conjuntura internacional deixar de puxar pela economia portuguesa, Costa e a nomenclatura socialista atribuirão à conjuntura internacional aquilo que agora atribuem a si próprios. E o mais grave é que a opinião publicada confirmará e a opinião pública não dará por nada ou, melhor, só dará demasiado tarde.

Uma vez mais, tudo continua bem no campo do crédito ao consumo: os novos créditos tiveram um aumento homólogo global de 10,5% em Março, o crédito para compra de automóveis de 9,6% e o no crédito pessoal de 14,5%. Como uma parte substancial do crédito se dirige a bens importados, ficamos assim com a certeza que as importações continuarão a crescer sustentadamente. Já vimos este filme, não é verdade?

1 comentário:

Pedro disse...

Não há volta a dar, a nossa gente só aprende quando levar com nova bancarrota e a próxima vai ser mais violenta( o peso da dívida será maior). Em Itália, país com uma economia muito parecida como a nossa(sem crescimento desde 2000) já pedem o perdão da dívida, as coisas podem resvalar muito rapidamente. Obrigado pelos seus excelentes artigos, o saber dá muito trabalho.