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27/11/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (111)

Outras avarias da geringonça.

Agora que os comunistas, castigados com a perda de um terço das câmaras, começaram visivelmente a descolar do governo e a apresentar facturas mais pesadas a acrescer às facturas que a realidade também começa a cobrar, a anunciada avaria vai ficando menos anunciada e mais avaria. Que seja irreparável ainda é cedo para concluir, mas o certo é que o zingarelho a que chamamos geringonça já não é o mesmo zingarelho de há dois anos.

A semana foi marcada pela indescritível negociação das famigeradas progressões dos professores que irão inevitavelmente propagar-se a todas as corporações que capturam o Estado Sucial. O que ficou acordado entre o governo e a Fenprof receio que ninguém saiba (veja-se aqui o ponto de situação em 19 de Novembro, já completamente desactualizado).

A negociação atabalhoada com os professores fez saltar tirou a rolha à garrafa onde se encontrava o génio dos conflitos sociais que começou e vai acabar com a "paz social". Desta vez foi a greve dos assistentes técnicos e assistentes operacionais de saúde que, segundo a habitual megalomania sindical, atingiu 200 mil trabalhadores e teve uma adesão "elevada". Entretanto, os enfermeiros após uma greve conseguiram na 4.ª feira ver aprovadas progressões mais rápidas. O caos está instalado. A bancarrota ainda não, mas estão a trabalhar para isso.

Podemos ver o episódio EMA-Infarmed como um indicador do grau de entropia a que chegou a geringonça e da desorientação de Costa. A substituição à última hora da candidatura de Lisboa pelo Porto, rapidamente descartada pela eurocracia, o subsequente anúncio inopinado da transferência do Infarmed de Lisboa para o Porto, substituída pelo desdobramento entre Lisboa e Porto, com a consequente redundância de apparatchiks, acompanhada das mentirolas de Costa (as mentirolas propagam-se ao seus acólitos, como o caso de Santos Silva com o relatório sobre a Base das Lajes), tudo ao som do foguetório provinciano de Rui Moreira, foi um momento particularmente ridículo na vida do governo. E, por falar em Infarmed, atente-se na organização kafkiana e na sua máquina de destruir recursos aqui descrita por Alberto Gonçalves.

Não admira que Costa se sinta perdido e com necessidade de tirar a temperatura à clientela para o que nos vai fazer pagar umas dezenas de milhares de euro com focus groups. Repare-se esta coisa extraordinária que é o governo tomar decisões críticas em cima do joelho e sob pressão, como a transferência, ou melhor a duplicação, do Infarmed, ao mesmo tempo que gasta o pouco talento de que dispõe a estudar como manipular as meninges dos portugueses.

A venda de veículos particulares, que costuma ser uma espécie de "indicador avançado" da deterioração da balança comercial, continua a bom ritmo e a ACAP prevê que o aumento das vendas estes ano atinja 7,5% num país onde já circulam quase 5 milhões de veículos ligeiros de passageiros, em média mais de um por cada uma das 4 milhões de famílias.

No que respeita à dívida pública aparentemente há boas notícias. Em Setembro o endividamento das administrações públicas reduziu-se de 2 mil milhões e espera-se que volte a descer até ao fim do ano. As más notícias são que essa redução se fez à custa da redução da almofada de liquidez e que o stock de dívida é tão alto que com os juros a subir, as facilidades de liquidez do BCE a diminuírem, a possibilidade do crescimento desacelerar em 2018 e 2019 (como se prevê) corremos o risco assinalado pelo economista-chefe da Schroders de «os mercados podem voltar a evitar os países mais endividados». E não é só a dívida pública, o endividamento total do sector privado não financeiro está em 404 mil milhões ou 212% do PIB (fonte). É obra.

E, no que respeita à dívida, as más notícias não ficam por aqui. Segundo o BdP, a dívida externa líquida (diferença entre activos e passivos do país face ao resto do mundo) agravou-se este ano em mais de 6 mil milhões de euros, aumentando de 104,7% para 105,2% do PIB.

Se o endividamento é um enorme contrapeso para a economia aos níveis de crescimento actuais, se esses níveis se reduzirem o contrapeso pode tornar-se insuportável. Para já o indicador de actividade económica estabilizou em Setembro e o de clima económico estabilizou em Outubro, com o consumo privado de bens duradouros a acelerar (releia-se o que escrevi acima sobre os veículos) e a Formação Bruta de Capital Fixo a abrandar pelo quarto mês consecutivo o que leva gente com um módico de lucidez, como Augusto Mateus, o ex-ministro da Economia de Guterres (que saltou em andamento daquele comboio desgovernado), a admitir que «a economia portuguesa enfrenta uma séria crise de investimento».

Pois enfrenta, como se vê pelos níveis de crédito dos bancos às empresas que se encontram nos valores mais baixos dos últimos 15 anos (fonte Expresso)

Tratada a vida para além do orçamento, voltamos à vaca fria do orçamento, começando por recordar que o governo adiou uma vez mais a adopção da Lei de Enquadramento Orçamental cujas regras permitiriam conter as manipulações do costume e injectar transparência no processo de preparação, aprovação e execução do orçamento.

Quanto ao orçamento OE2018, pelo lado das receitas fiscais sublinhe-se que Costa rasgou o acordo de 2013 da reforma do IRC entre o PS (com Seguro) e o PSD e fez aprovar a subida do IRC das grandes empresas. Ao mesmo tempo foi chumbada a isenção do IMI em 2017 e 2018 para os imóveis que arderam nos incêndios, isenção que custaria peanuts, o que mostra a sensibilidade solidária da geringonça.

Para fechar, Bruxelas, apesar de claramente em modo de facilitação, não deixa de mostrar que acredita pouco no OE 2017 porque tem riscos de falhar os compromissos, as despesas com saúde, pensões e empresas públicas podem disparar e a função pública custará mais 385 milhões. Repare-se que isto foi antes de se saber o que acontecerá às progressões que no caso dos professores têm um custo estimado de 650 milhões e as restantes quase outro tanto (fonte)

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