«Portugal é um país sem futuro. É um país profundamente desigual, ao mesmo tempo rico e europeu, mas com salários miseráveis para uma parte significativa da população – mais de metade da qual ganha menos de 1000 euros por mês. É um país que tem impostos muito progressivos, mas depois é capturado por interesses corporativos, muitas vezes dos ricos. Pense no caso da TAP – quem anda de avião e qual o salário dos pilotos? – ou dos que não pagam propinas para andar na universidade pública ou ir ouvir ópera ao São Carlos. Todos estes subsídios beneficiam quem? Basta ver as melhores universidades públicas, como a Nova SBE, e observar o tipo de alunos que lá andam – como se vestem e as marcas de carros que conduzem. São os filhos dos pobres que não vão para a universidade, ou que por falta de notas devido a um contexto económico e social desfavorecido pagam propinas nas privadas. Tudo isto é fiscalmente regressivo e fundamentalmente injusto. Tudo indica que nada vai melhorar nas próximas décadas. Portugal é um país doente, mas em negação. Aliás, a própria oposição está frequentemente em negação. Votei no PSD em 2011, mas não hesito em dizer que esse Governo teve uma retórica pública desastrosa e na verdade fez poucas reformas importantes, sendo a exceção mais importante as reformas laborais do Pedro Martins, entretanto de resto já em grande parte revertidas. Deviam ter repetido até à exaustão que estavam a implementar o ‘memorando de austeridade do Sócrates’, mas fizeram antes erros graves com a questão da TSU, do ‘irrevogável’, e da muito infeliz expressão ‘ir para além da troika’. Repare como o PS com profunda desonestidade não hesita em gastar a tecla da ‘austeridade do Passos’ até à exaustão. E sabem que o povo já se esqueceu, ou não quer saber, de quantos do atual PS estiveram ao lado de Sócrates. O povo confunde o momento em que sentiu as consequências com os culpados, e por isso a coligação PSD-CDS perdeu 700 mil votos que precisava em 2015. E depois não quiseram aceitar que perderam, porque é evidente que quem consegue formar maioria no parlamento é que ganha, o resto é conversa. A conversa do diabo que aí vinha mostrou não compreenderem como funciona a UE e o BCE e foi a machadada final. Penso que vamos ter muito tempo de PS pela frente, infelizmente. Quem acha que vitórias como as de Cavaco Silva se podem repetir não compreende as tendências de longo prazo nem o contexto do que era o país na altura, e do que é agora. O Nuno Garoupa, que é a pessoa que melhor compreendeu estas tendências e previu o que ia acontecer à direita, costuma dizer que Portugal é uma cleptocracia legitimada nas urnas. Parece-me uma boa descrição do país. Devo dizer que na minha opinião ele tem uma capacidade intelectual completamente fora da escala entre a direita portuguesa, que no geral é muito limitada. Também por isso não o ouvem o suficiente, muitos preferindo uma devoção pouco refletida ao chefe atual, seja quem for, numa lógica de sebastianismo tolo e suicidário. Aviso como declaração de interesses que o Nuno Garoupa é meu amigo próximo, mas isso também tem a ver com me parecer que muitos dos avisos que faz, nomeadamente sobre a Justiça, metem o dedo na ferida dos entraves fundamentais à economia e sociedade portuguesa. Tenho uma grande admiração intelectual por ele, e quem me conhece sabe que raramente uso tais palavras sobre seja quem for. Há muito poucas pessoas no espaço público verdadeiramente independentes em Portugal. É por isso que aprecio pessoas como o Luís Aguiar-Conraria ou a Susana Peralta, ou o Pedro Magalhães, que têm a sua ideologia mas pensam nas questões assunto a assunto e vendo o que diz a literatura científica. Da minha parte posso dizer-lhe que não sou militante de nenhum partido, até tenho divergências com parte da direção (e das bases) do partido em que tenho votado, a IL, sobre várias questões (por exemplo fiscais). É normal em partidos plurais haver diversidade de pontos de vista, mas existem por aí muitas claques em busca de uma qualquer pureza ideológica e boas lideranças devem moderar os ânimos e meter essa gente na ordem. Os partidos não devem ser clubes de futebol, nem uma religião. E há linhas que não se podem ultrapassar. Por isso, e apesar de eu ter muita estima por pessoas como a Carla Castro ou o Joaquim Miranda Sarmento, até já anunciei publicamente que não volto a votar na IL nem no PSD enquanto não clarificarem porque se juntaram ao PS e não assumiram posição sobre a proposta do Conselho Superior da Magistratura sobre a criação de um grupo de trabalho para limitar a circulação de juízes entre a justiça e a política. Devia ser evidente que a independência do poder judicial tem que ser intocável. Portas giratórias desta natureza são profundamente destrutivas de um país, aliás já a transbordar de conflitos de interesse com o é o caso de Portugal. Deixar isto acontecer é mais um passo para Portugal seguir o caminho da Hungria e da Polónia. Por isso, não hesito em votar em branco, se tiver de ser, e em encorajar outros a fazer o mesmo. Não voto útil.»
Da entrevista de Nuno Palma, professor associado da Universidade de Manchester e especialista em história económica, ao jornal Nascer do Sol
1 comentário:
Só um estrangeirado perdia tinta com isto que foi escolha sua.
Por cá também há gente que fica deslumbrada com estrangeirados.
Abraço
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