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29/10/2020

CASE STUDY: O preço da liberdade

«Talvez não surpreenda que as pessoas mais propensas a sacrificar a sua liberdade cívica são as pessoas com maior risco de perder a vida com a covid-19. Mas será isto resultado de estas pessoas serem diferentes das outras, ou antes revela que para a maioria de nós, quando o risco aumenta, estamos dispostos a sacrificar a liberdade? Ou seja, há um trade-off entre os desejos por saúde e por liberdade? Para responder a esta pergunta, os economistas compararam as pessoas para quem o risco de saúde é elevado e que viviam em zonas onde a taxa de infeção era alta, com as pessoas também no grupo de risco mas que vivem em zonas com poucos casos. Os dados revelam uma associação muito forte: quando o risco aumenta, o apoio à redução das liberdades civis é maior.

Mais interessante talvez é separar esta propensão ao sacrifício da liberdade por grupos. Nos dados, a propensão é maior entre os mais jovens, os mais educados e os que têm maiores rendimentos. Ou seja, ao contrário do que talvez muitos diriam, quanto mais ricas, menos as pessoas se parecem preocupar com a sua liberdade, pelo menos em relação à sua saúde. Que os mais ricos e mais educados põem maior ênfase na saúde não é uma surpresa: todo o negócio privado da saúde se apoia neste facto. Mas a sua falta de entusiasmo em defender as suas liberdades cívicas é mais surpreendente. Assim, embora comparando junho com abril as pessoas no inquérito estejam menos dispostas a sacrificar as liberdade cívicas, isto veio acompanhado da redução no risco de saúde: a propensão a sacrificar liberdade por menos risco de saúde mantém-se constante.

Um resultado interessante tem a ver com a StayAway Covid. As pessoas no inquérito estão a favor de instalar uma app como esta. Mas a um grupo dos inquiridos os economistas revelaram informação sobre como a app tem sido usada na China e na Coreia do Sul, com grande controlo sobre os cidadãos. Depois de saberem isto, as pessoas são muito menos favoráveis a instalar a app. Ou seja, talvez as pessoas deem as suas liberdades como adquiridas, mas depois de as perderem já acham mal. Só que nessa altura, frequentemente, é tarde demais.»

Excerto de As pessoas querem ser livres?, Ricardo Reis no Expresso

Tenho para mim que a história mostra que o povo português valoriza pouco a liberdade e está disposto a abdicar dela com facilidade. Quase cinco décadas de acomodação com reduzida resistência a uma ditadura frouxa (por muito que os poucos resistentes nos queiram vender a ideia de uma ditadura feroz) e outras cinco de acomodação a uma democracia asmática e a tolerância a políticos corruptos e incapazes, mostram isso mesmo.

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