Nestas épocas de comemoração antecipada da morte do capitalismo, Keynes é constantemente ressuscitado para dar um suporte teórico aos ímpetos intervencionistas. Frequentemente é invocado em vão, por quem só conhece a vulgata intervencionista (167 referências na última semana num domínio teoricamente indigente como o pt é obra). A propósito, vale a pena ler o post de Vítor Bento «O nome de Keynes em vão», e respectivos comentários no site da SEDES.
Na sua versão mais elementar, a doutrina é resumida à invocação do multiplicador, espécie de alavanca prodigiosa que transformaria cada unidade monetária investida (pelo Estado, subentenda-se) em n unidades de produto, ao fim de certo tempo. Entre os muitos exemplos luso-blogosféricos, por um qualquer caminho que já esqueci, cheguei a este:
«O mesmo mecanismo pode funcionar ao contrário, impulsionando uma espiral positiva. Quando o investimento privado se retrai (seja porque as empresas cancelam os seus projectos, seja porque os bancos acham demasiado arriscado apoiá-los), o investimento público pode salvar a situação. O investimento reanima a procura, estimula o crescimento dos rendimentos e, last but nor least, faz crescer a poupança.
Logo, a poupança diminui quando não é usada e cresce quando é investida. Qualquer pessoa, diria eu, pode entender isto.»
Infelizmente para a doutrina, a história económica e social portuguesa recente, para não ir mais longe ou mais atrás, não permite confirmar os seus pressupostos. Durante mais de 10 anos, entre 1975 e meados da década de 80, 1/3 do PIB e perto de 50% do investimento teve origem pública. Os resultados são conhecidos. Foi preciso esperar pelas consequências da adesão à CEE em 1986 (torrente de fundos e abertura dos mercados europeus à exportação) para ver alguns sinais de convergência real com a Europa. Cinco anos depois, em consequência da estratégia cavaquista do betão e da torra inútil dos fundos para a formação, tudo investimento público, estávamos à beira de outra recessão. Quando voltámos a convergir a partir de 1996, reincidimos no uso do multiplicador sucessivamente com a Expo 98 e os 10 estádios do Euro 2004, de permeio com mais umas auto-estradas. Qual o resultado de 22 anos de integração na UE e de 30 anos de multiplicador democrático (já havíamos experimentado o não democrático)? Divergimos sucessivamente nos últimos 10 anos, desperdiçámos a fugaz recuperação até 1998 e fomos entretanto ultrapassados por vários países ex-comunistas e voltaremos a sê-lo nos próximos anos.
É espantosa a frescura que se pretende emprestar a ideias e estratégias ressequidas que nos conduziram onde estamos. Mais investimento público, em geral, e em auto-estradas e TGV, em particular, é mais do mesmo. O caminho para o desenvolvimento não é esse.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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01/11/2008
Não invoqueis em vão o multiplicador
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