O engenheiro Mira Amaral reformou-se antecipadamente aos 58 anos, depois de 36 anos de inscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA). Por ter antecipado a reforma, terá tido uma dedução de 9%, nos termos do artigo 37ºA do DL 498/72 de 9-12 (ver a explicação mais abaixo). Como se reformou ao serviço da CGD, será o fundo de pensões desta que pagará a sua pensão (a mesma que receberia da CGA).
O que tem isto de extraordinário? Nada. Qualquer outro dos mais de 700.000 funcionários públicos tem exactamente o mesmo direito de antecipar a reforma nas mesmas condições.
O engenheiro Mira Amaral, como administrador da CGD, com 36 anos de inscrição na CGA, teve direito a uma pensão calculada em 90% da sua remuneração para efeitos de descontos. O que tem isto de extraordinário? Nada. Qualquer funcionário público tem a sua pensão calculada com base em 100% da última remuneração (artigo 47º do DL 498/72).
Foi atribuída ao engenheiro Mira Amaral uma pensão mensal de 18.000 euros calculada com aquelas regras aplicáveis à ultima remuneração. Esta última remuneração é extraordinária para o cargo desempenhado? Não parece. Muitos administradores de bancos privados mais pequenos têm remunerações superiores (se o engenheiro Mira Amaral vale ou não o salário que tinha é uma outra questão).
Vejamos tudo isto num outro ângulo - o ângulo dos tansos que com os seus impostos sustentam a vaca marsupial pública que engole metade da palha que o país produz.
O que tem de extraordinário a pensão dos funcionários públicos ser baseada na última remuneração? Imenso. Simplificando o regime do DL 35/2002 de 19-02: qualquer empregado duma empresa privada tem direito à reforma aos 65 anos com uma pensão que é de 2% a 2,3% por ano de contribuição para a Segurança Social (SS), aplicando-se a percentagem resultante à remuneração média de toda carreira contributiva.
Se quiser antecipar a reforma (artigos 23º e 38ºA do DL 329/93 de 25-09), esse empregado terá que descontar 4,5% por cada ano de antecipação em relação aos 65 anos. No caso de ter mais de 30 anos de desconto aos 55 anos de idade, tem uma bonificação de um ano por cada 3 do excesso. No caso dum funcionário público, a antecipação é calculada em relação aos 60 anos e a bonificação tem lugar com mais de 36 anos de desconto aos 55 anos de idade.
Transitoriamente até 2016, a maioria das pensões será ainda calculada com base em 2% por ano de contribuição com o máximo de 80% da média dos melhores 10 dos últimos 15 anos de descontos (e não da última remuneração, como nos funcionários públicos, geralmente superior ou mesmo muito superior).
EXEMPLOS:
Um pensionista do regime geral que opte pelo regime anterior (opção mais do que provável), se antecipar a reforma aos 58 anos, com 36 anos de descontos, teria uma pensão de 49,5% [=36x2%-(65-58-2)x4,5%] da média dos tais 10 melhores anos. Se esta média fosse de 75% do último salário a pensão ficaria praticamente reduzida a 37% do último salário. O que tem isto de extraordinário? Nada. Mesmo assim, o sistema de SS não é financeiramente sustentável nestas condições.
O mesmo pensionista, se for funcionário público, ao antecipar a reforma teria uma pensão de 91% [=100%-(60-58-0)x4,5%], isto é 2,5 vezes a pensão do pensionista do regime geral. O que tem isto de extraordinário? Imenso se considerarmos também o facto do salário médio na função pública ser o dobro da média das empresas privadas, o que faria em média, neste exemplo, a pensão do utente da vaca marsupial pública cinco vezes a do cidadão contribuinte.
O que tem de extraordinário a aposentação do engenheiro Mira Amaral ter sido tratada, quase sem excepção, demagogicamente pelos média? Nada. Vivemos num país com uma matriz colectivista e um paradigma feminino (a inveja, sempre ela). Um país que tem os média infestados de anacletos com diferentes matizes, frequentemente preguiçosos, incompetentes e eticamente frouxos.
Até aqui há alguma coisa extraordinária? Só uma. Ninguém ter referido que não há um escândalo da pensão do engenheiro Mira Amaral. Há o escândalo do regime de excepção das pensões dos funcionários públicos, com financiamento pelo OE (pelos impostos pagos pelos contribuintes) e não pelo seus descontos. Claro que escrever isto não é popular e é contrário à cartilha anacleta.
O que tem de extraordinário este tema ter sido tratado pela Bloguilha quase sempre pela mesma bitola dos média? Nada. Afinal vivemos todos nesta república dos bananas que faz hoje 94 anos.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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