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09/06/2020

O óbvio ululante acerca da bazuca de Frau Ursula


«Bem sei que, dos biliões de euros já anunciados, nos disseram que cerca de 500 mil milhões serão distribuídos a fundo perdido. Em vez de um empréstimo, uma dádiva. Mas, caramba, até o mais cândido dos ingénuos perceberá que alguém terá de financiar essa dádiva. A Comissão Europeia é financiada pelos Estados europeus e, portanto, seremos nós todos a pagar essa dádiva que vamos receber. Seja na forma de maiores contribuições dos países, seja na de mais impostos ou até de um imposto europeu. Portanto, olhar para os 15 mil milhões que dizem que Portugal vai receber a fundo perdido como uma prenda sem sabermos como vai ser paga é de uma inocência enternecedora.

As dificuldades económicas que enfrentamos devem-se à redução brutal da atividade económica causada pela covid. Um choque destes é, simultaneamente, causado pela procura (consome-se e investe-se menos) e pela oferta (vários sectores económicos foram encerrados e o desemprego aumentou). Um trabalho recente de Pedro Brinca, João Duarte e Miguel Faria-e-Castro, publicado como documento de trabalho na Federal Reserve Bank of St. Louis, estima que pelo menos dois terços da redução da atividade económica se devem à contração da oferta e no máximo um terço advém da procura. Quer isso dizer que, possivelmente, as típicas políticas económicas keynesianas de estímulo da procura apenas poderão ajudar a resolver uma fração do problema.

Grande parte do problema exigirá mais trabalho - e não é de todo claro que apoios dos governos ajudem em vez de atrapalhar. Sabemos o que são estes programas de recuperação económica apoiados com subsídios. Teremos uma camada de burocracia europeia a definir quais são os sectores económicos de futuro. Aqueles que são merecedores de subsídios e quais os condenados. Apostar-se-á na inovação, na 5ª revolução industrial, no ambiente, nas cidades inteligentes, etc. Depois teremos uma camada de burocracia nacional a implementar estes grandes desígnios e a definir quais os adequados para Portugal. Depois teremos as empresas do regime a organizarem-se e a fazer lobbying para abocanharem a parte de leão dos subsídios. Tudo isto financiado com impostos ou com dívida que pagaremos.»

Excerto de "Abrir buracos para tapar buracos", Luís Aguiar-Conraria no Expresso

"Óbvio" Que salta à vista. = CLARO, EVIDENTE, MANIFESTO, PATENTE, VISÍVEL
"Ululante" [Brasil, Informal]  Que se manifesta claramente. = EVIDENTE, GRITANTE, ÓBVIO
"Panzerschreck" ("terror dos blindados"), nome popular do Raketenpanzerbüchse, uma espécie de bazuca inventada pelos alemães na 2.ª GM 

O título deste post é o mesmo que Nelson Rodrigues, um jornalista e escritor brasileiro fora da caixa, usou numa colectânea de crónicas publicadas em vários jornais nos finais dos anos sessenta. Estou a usá-lo não porque as crónicas de NR tenham alguma relação com o artigo citado, mas porque, ao arrepio do habitual estilo por vezes hifenado de LA-C, este artigo foca com muita clareza as questões essenciais da bazuca de Frau Ursula, as quais deveriam ser do domínio do óbvio ululante. Bazuca que está a ser usada nas sessões de ilusionismo do Dr. Costa, muito aplaudidas pela corte de jornalistas e comentadores, como mais um coelho tirado da sua vasta cartola.

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