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08/10/2018

Crónica da avaria que a geringonça está a infligir ao País (156)

Outras avarias da geringonça e do país.

Durante a semana o par Costa-Medina - em concorrência com o outro par Senhor Feliz, Senhor Contente - anunciou festivamente um acordo para localizar em Lisboa a Web Summit por mais por 10 anos. Admito que os 110 milhões em 10 anos que serão pagos ao Paddy serão justificados por um retorno de umas dezenas de milhar de visitantes estrangeiros que durante uns dias todos os anos em Lisboa gastarão umas dezenas de milhões de euros em hotéis, restaurantes e bares. E tudo isto dará palco para umas quantas vacuidades domésticas darem lustro às suas vaidades perorando para as visitas. Quanto ao resto é pura fantasia, em particular os anunciados 3 mil milhões de retorno. Como disse António Saraiva «estamos em tempo eleitoral, é preciso show-off».

Como parte do show-off, foi anunciada a redução do preço dos passes sociais da qual também se esperam resultados milagrosos na redução do tráfego de veículos particulares, milagre que já foi questionado neste post.

A palhaçada das armas desaparecidas/roubadas/furtadas (escolher conforme o gosto) em Tancos continua sem esmorecimento. Começou por ser um problema da tropa, passou a ser um problema do ministro, primeiro, e do governo, depois, e com os últimos desenvolvimentos passou a ser um problema de regime.

Em matéria de greves, a rentrée trouxe-nos mais umas quantas. A mais enigmática é a do Sindicato Nacional dos Registos que «decretou três meses de greve» capazes de paralisar as conservatórias e os notários, mas pelos vistos não, porque cada um faz a greve se e quando lhe apetecer. É claro que os professores continuam as suas greves regionais para reporem as promoções independentemente do mérito - a que a Fenprof chama descongelar o tempo de serviço. Entrementes, a secção do PCP a que chamam CGTP anunciou uma grandiosa manif nacional para 15 de Novembro para reclamar aumentos para toda a gente, incluindo o salário mínimo de 650 euros.

As relações dentro da geringonça têm-se caracterizado como uma união poliamorosa de conveniência - amancebados mas não casados. A sua evolução natural para uma união civil foi formalmente descartada a semana passada por Costa para quem «o nível de compromisso que atingimos dá para sermos amigos, não dá para casar». Com isso infligiu um grande desgosto no seio do BE que já se via a tomar conta de ministérios e a dar abrigo a centenas de berloquistas. Foi algo que já se adivinhava quando Costa deu ordem à máquina de agitprop socialista que enxameia as redacções para dar tiro à vontade no Robles.

Antecipámos na crónica anterior generosas tabelas de retenção que deslocarão parte do pagamento de IRS de 2019 para depois das eleições como parte da operação de compra de votos. Poucos dias depois veio a confirmação. Outras medidas anunciadas para afagar a freguesia eleitoral incluem a recuperação parcial de dois anos do tempo de serviço dos professores, a reposição dos prémios por "desempenho", além do aumento já prometido de cerca de 3% aos funcionários públicos que na verdade é pura mistificação visto que esses 3% incluem tudo o resto que é anunciado em separado. Fica também garantido que este bodo não prejudicará novas contratações. Percebe-se, porque não só é necessário manter a freguesia satisfeita como convém ampliá-la.

A política orçamental de Costa-Centeno foi bem resumida por João Vieira Pereira, um dos poucos jornalistas do semanário de reverência que não paga tributo ao governo, assim: «Pega em receitas conjunturais e transforma-as em despesas estruturais.» Quem também não vai na treta do governo é a Moody's que aponta Portugal como um dos países da UE mais vulneráveis a uma crise (inevitável, acrescento). Por várias razões, incluindo porque a dívida pública bruta aumentou de 242,8 em Dezembro do ano passado para 249,2 mil milhões em Agosto. Em contraponto, o passivo das autarquias até diminuiu 8,3% no mesmo período.

O investimento público foi no passado o alfa e ómega da política orçamental socialista, mais precisamente até o PS perder as eleições de Outubro de 2015 e formar um governo apoiado por partidos para quem o investimento público era ainda mais importante. Desde então o investimento público que com o governo «neoliberal» foi em 2015 de 4 mil milhões, passou em 2016 para 2,8 mil milhões, em 2017 para 3,2 mil milhões e em 2018 foram orçamentados 4,5 mil milhões mas extrapolando os números até Agosto serão executado uns 3 mil milhões. E porquê? Porque para o PS o mais importante não são as doutrinas ou os princípios ou as políticas e, de maneira nenhuma, o interesse nacional, o mais importante é sobreviver e a sobrevivência neste caso exigiu obedecer a dois senhores: a Bruxelas contendo o défice e ao PCP e BE pagando o tributo de lubrificar a freguesia eleitoral comum constituída pelos funcionários públicos. Sobraram as cativações e a degradação da máquina administrativa do Estado.

A taxa de poupança calculada pelo Eurostat (com metodologia diferente do INE) subiu para 7,5%, ainda assim muito abaixo da média da Zona Euro (12,1%). Sem poupança nacional não há investimento nacional e também por isso não admira que cada vez mais se antecipe uma tendência de desaceleração ou, na melhor hipótese, estabilização do crescimento (Síntese da conjuntura Económica – Setembro 2018 do ISEG).

As exportações, que devem tanto a Costa como à minha tia Elvira, são como é sabido um dos factores que explicam a bonança de que o governo desfruta. Em particular, a indústria automóvel está a dar um poderoso contributo com cerca de 300 mil veículos que este ano exportará à custa principalmente da Autoeuropa e da PSA. Valha-nos isso e o turismo cujo crescimento está a desacelerar.

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