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05/02/2018

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (121)

Outras avarias da geringonça.

Apenas uma breve referência aos gases sulfurosos que nos últimos dias emanaram do pântano do complexo político-empresarial socialista devido à agitação a propósito do esquema montado pelo juiz Rangel (o mesmo que já se havia salientado na defesa do animal feroz) com vasta colaboração incluindo três das suas mulheres. Agitação que pode fazer parte de uma turbulência relacionada com as manobras em curso para neutralizar o activismo da PGR com vista a concluir que afinal é melhor mandar Joana Marques Vidal descansar para Bruxelas.

Atarantado com as broncas dos incêndios de Verão, qual gato escaldado que de água fria tem medo, o governo que tem os helicópteros Kamov todos parados (helicópteros que foram anos atrás comprados num negócio em que esteve envolvido Lacerda Machado, o amigo do Costa), o mesmo governo que dispensou os meios aéreos pouco antes dos incêndios de 15 de Outubro, abriu agora concurso para alugar 10 hélis e 4 aviões para os próximos dois Invernos.

Ainda é cedo para perceber o que se passa, mas surpreendentemente a tropa agita-se. Um memorando dos chefes de estado maior acusa o governo de tratar com «iniquidade» as forças armadas e a Associação de Oficiais das Forças Armadas confirma as queixas. Sendo certo que as forças armadas cá de casa têm uma longa tradição de corporativismo entremeado com intrusões na esfera política (a última delas de durou 8 anos de 1974 a 1982), também é certo que com um ministro da Defesa como o que temos até um furriel achará que ele é uma abécula.

Afinal o hub tecnológico da Google em Oeiras anunciado pomposamente por Costa em Davos - que continua a não se saber muito bem o que seja -, antes de o ser, já levantou várias questões relacionadas com os direitos de autor a que a Google faz vista grossa e que estão a ser discutidos em Bruxelas, discussão em que o governo poderá ficar numa situação de conflito de interesses e que por cá já levantou alguma celeuma nos meios «artísticos». Em relação às celebrações, direi com Daniel Bessa «é bom que invistam em Portugal... parecendo-me um bocado parolo imaginar que algo de muito importante vai mudar em Portugal».

Regressado da pompa de Davos, Costa retomou as suas narrativas habituais no parlamento onde só raramente se aproxima da verdade o suficiente para lhe infligir danos. No último debate de quinta-feira, Costa borrifou-nos com aldrabices em várias temas que vão desde as instruções à bancada do PS (que ele diz que nunca deu), até ao crescimento do investimento, passando pelo que ele diz que nunca disse (e disse) (fonte). E também mostrou um enorme pudor em «intrometer-se na gestão da CGD», logo ele que chefia um governo que até quer «proibir croquetes e talheres de plástico».

A fama do Estado Caloteiro que deve milhares de milhões aos fornecedores já chegou a Bruxelas, podendo a CE apresentar queixa ao Tribunal de Justiça por atrasos nos pagamentos que chegam na Saúde a 380 dias - os prazos não deveriam ser superiores a 30 dias, excepcionalmente 60 dias.

Em dois anos o governo cortou 5.300 milhões nas despesas orçamentadas, dos quais 2.300 milhões (43%) no investimento, 920 milhões nos subsídios, 273 milhões na aquisição de bens e serviços e 1.200 milhões em outras despesas correntes. Até na câmara de Lisboa, deixada de herança por Costa ao delfim Medina, as ambulâncias tiveram de parar porque não foram pagos os prémios dos seguros. Isto costumava chamar-se austeridade, cuja página só foi virada para as despesas com pessoal que aumentaram 580 milhões nos dois anos, para manter feliz a clientela eleitoral (dados de João Duque no Expresso). Por coincidência (?) este último valor é muito próximo do montante de 550 milhões que o Ronaldo das Finanças confessou ter cativado em 2017

Falando de clientela eleitoral, o governo não só cuida da actual mas prepara a sua reprodução no futuro para o que, entre outras coisas, já reabriu o curso de estudos avançados em gestão pública que dá entrada directa e garantida para função pública.

Se pensais que é apenas essa matilha da oposição que vê trafulhice e opacidade no orçamento, tirai daí a ideia. Segundo o Open Budget Survey 2017, o processo orçamental português é menos transparente do que o da Bulgária, Geórgia ou Roménia, três sobreviventes do colapso do império soviético. Em abono da verdade se diga que essa opacidade não é de agora e já contaminava o processo orçamental do governo PSD-CDS e dos anteriores.

A gradual decomposição da geringonça, mais visível pelo lado dos comunistas, pode medir-se pelo aumento de 82% dos pré-avisos de greve na função pública em 2017 e pela recorrência com que os professores ameaçam greves.

E o futuro da geringonça? Em boa parte depende do futuro da economia que, se derrapar, a geringonça entra rapidamente em modo de dissolução. E o futuro da economia? Sossegai, não será amanhã que a crise nos atingirá de novo. Os amanhãs que cantam continuarão a cantar mais algum tempo mas logo que a conjuntura internacional esfriar (e é só uma questão de tempo, porque esfriará como sempre esfriou) a festa acaba-se por cá e a ressaca será pior do que a de 2011. Dúvidas? Atentemos no que nos disseram o Yin e Yang da ciência deprimente em Portugal, a saber: camarada professor Francisco Anacleto Louçã e João César das Neves que concordaram em discordar de quase tudo, excepto de que os riscos de colapso são evidentes (para eles claro, porque para o Zé Povinho vivemos no melhor dos mundos). Ou, em alternativa, leia-se o que escreveu um outro praticante da modalidade numa peça cujo título diz quase tudo: «BCE: O que aí vem e a fragilidade da economia portuguesa».

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