Diferentemente do mito «o passado não interessa», o mito «a vida privada dos políticos não interessa» é transversal a todas as doutrinas. É mais um mito de origem cultural, típico das culturas mediterrânicas e, por via da colonização portuguesa e espanhola, exportado para a América do Sul.
O seu fundamento «teórico» poderia basear-se na premissa de uma espécie de desdobramento de personalidade permitir aos políticos serem nas suas vidas privadas umas criaturas sem escrúpulos ou nas suas vidas profissionais profundamente incompetentes e desonestos e em ambos os casos inconfiáveis, e, ao mesmo tempo, serem movidos pelo «interesse público» e prosseguirem incansavelmente o bem dos cidadãos. Poderia basear-se. Contudo, suspeito que, em vez disso, na prática se fundamente na hipocrisia corrente nas sociedades que aceitam a duplicidade moral como um padrão de vida social, como as sociedades mediterrânicas.
Seja como for, ao contrário, os factos mostram que se muitas criaturas praticam a duplicidade de facto e sofrem de duplicidade moral, à esmagadora maioria não lhe poderá ser diagnosticado desdobramento de personalidade e a sua vida privada é um excelente indicador do que é ou será a sua vida pública. Efectivamente, é arriscado esperar de um político vigarista a prossecução de políticas de interesse social, como não se pode esperar de um mentiroso compulsivo o respeito de padrões de transparência e prestação pública de contas.
Aliás, não será por acaso que, por tradição, os cargos públicos e os cargos privados em órgãos societários se exige um certificado de registo criminal, tornado quase inútil pela ineficácia das polícias e da justiça e, sobretudo, pela tolerância face aos comportamentos publicamente censuráveis, mas em privado aceitáveis.
«Somos demasiado tolerantes, disse Sobrinho Simões, somos condescendentes, no mau sentido, aderimos mais ao tipo que viola a lei do que ao polícia. Temos afecto pelo fulano que faz umas pequenas aldrabices, admiramos secretamente os grandes aldrabões, não punimos os prevaricadores. Na verdade somos contra a autoridade.» Por isso dizemos não interessar a vida privada dos políticos, ao mesmo tempo que adoramos espreitar pelo buraco da fechadura o que eles nela fazem, nos domínios menos relevantes para sua vida pública.
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Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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12/06/2011
Mitos (42) – a vida privada dos políticos não interessa; só interessa a sua vida pública
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Desconformidades,
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