Num país imaginário sem trocas com o exterior ou com estas a representarem uma proporção irrelevante do PIB, a desvalorização cambial seria insignificante. Nas contas nacionais portuguesas é o contrário que acontece - as exportações em 2010 representaram quase 1/3 do PIB (cerca de ¾ são bens) e as importações quase 38%. Daí a eficácia a curto prazo desta medida, como o demonstraram as anteriores desvalorizações impostas pelo FMI.
Fonte: INE |
Se não podemos desvalorizar a moeda, o que fazer para alcançar o mesmo resultado? A resposta do MoU é uma desvalorização fiscal à custa da redução indiscriminada da taxa social única, compensada por um aumento do IVA. Por muito sedutores que se apresentem os argumentos abstractos para fazer equivaler essa redução à desvalorização da moeda, eles passam ao lado de alguns factos.
Pretendendo-se o mesmo resultado da desvalorização cambial, se as exportações representam menos de 1/3 do PIB para quê reduzir os custos do trabalho em todos os sectores, compensando-os com aumentos do IVA com impacto imediato na inflação? Na verdade, para o efeito na competitividade das exportações ser relevante, a redução da TSU terá que ser significativa e compensada por um aumento brutal do IVA, em cima do IVA mais elevado da Zona Euro, com um impacto igualmente brutal na inflação.
Porque não reduzir a TSU apenas nos sectores em que o peso da exportação é significativo? Assim se evitaria ser a redução considerada como apoio directo à exportação não autorizado pelas normas da EU e da OMC. Foi a proposta de Caldeira Cabral. Vejam-se no quadro abaixo as suas estimativas para diferentes cenários.
Fonte: «A baixa da TSU que Portugal deve fazer», Caldeira Cabral |
Apresentando-se a opção da redução selectiva da TSU claramente como mais eficaz e com menores custos, porque não foi, nem parece estar a ser, seriamente considerada? Percebe-se que o trio FMI/FEEF/BCE não estivesse especialmente preocupado com os danos colaterais da redução indiscriminada da TSU e até receasse que a maior complexidade de implementação, com os vagares habituais da administração portuguesa, atirasse para as calendas gregas a redução selectiva da TSU; pelo contrário poderia estar preocupado em tornar as exportações portuguesas mais competitivas, antecipando tal facto não ser recebido entusiasticamente pela concorrência comunitária nesses sectores.
Percebe-se igualmente estar o governo cessante de José Sócrates tão desesperado por obter os fundos necessários para tapar os gigantescos buracos e garantir o serviço da dívida em Junho (cerca de 6 mil milhões) que o seu discernimento, sentido de estado e poder negocial estavam reduzidos a pó e aceitaria quase qualquer coisa. Percebe-se menos, mas é habitual, a impreparação para identificar os problemas e as soluções mais adequadas ter levado a oposição a assinar de cruz o MoU.
Também se percebe, que os sectores de bens e serviços não transaccionáveis, como os serviços financeiros ou a construção civil e obras públicas, fiquem excitados com a redução geral da TSU que, sem investirem um chavo em tecnologia ou mudança dos processos produtivos, lhes permitirá aumentar imediatamente os seus lucros e, com a ajuda de uma concorrência imperfeitíssima, aumentá-los de uma forma sustentada. Não admira andarem a tocar a corda mais sensível do colectivismo nacional: ou há moralidade ou comem todos.
Só não se percebe porquê o governo não abriu imediatamente a renegociação do MoU neste particular com o FMI/FEEF/BCE e não usou o que lhe resta de poder negocial para alterar esta medida num sentido muito mais positivo para o país.
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