Paulo Tunhas escreveu há dias no Observador sobre «O amor da tirania», um tema que me fascina por não ter até hoje encontrado uma boa explicação pelo fascínio pelas tiranias e pela devoção dos tiranos, ou candidatos a tiranos, de que sofrem, digamos assim, milhões de criaturas um pouco por todo o mundo.
No geral tendo a concordar com Paulo Tunhas, excepto na sua conclusão de que o móbil da rejeição da democracia («num sentido lato e convenientemente impreciso») é o amor à tirania o que ele explica assim:
«Muita gente discute se o motor desta rejeição da democracia e da liberdade tem uma origem primeiramente negativa ou positiva. Dito de outra maneira: se aquilo que verdadeiramente a motiva é a detestação dos Estados Unidos e do Ocidente ou o puro amor pela força bruta e pela mentira incondicionada de que esta se serve para atingir os seus fins. Bom, é certo que nenhum dos factores é completamente isolável do outro. Mas é verosímil que seja o elemento por assim dizer positivo que represente a força dominante. A afirmação é, regra geral, prévia por relação à negação. O amor da força bruta – o amor da tirania – goza de uma certa precedência por relação à rejeição da liberdade. A força bruta e a mentira alucinada que a acompanha como justificação oferecem um excesso de sentido que satisfaz muitos espíritos. São uma pura afirmação liberta das condições limitativas da razoabilidade. No acto do seu exercício e na curiosa libertação que nos garantem face à obrigação do respeito pelos factos. Amar a tirania é, para o egoísmo lógico em geral – tanto o inconsequente quanto o consequente, e sobretudo para este último -, mais satisfatório do que amar a liberdade. A tirania do Eu encontra nesse amor uma ilimitação que dificilmente o amor da liberdade lhe permitiria.»
Sendo certo que também considero que «nenhum dos factores é completamente isolável do outro», tendo a concluir que é ódio à democracia que motiva o fascínio pelas tiranias e pela devoção dos tiranos. Ódio que, em boa verdade, possivelmente não é tanto à democracia em si mas às suas talvez inevitáveis consequências, nomeadamente as que essas criaturas abominam, como a relativização do que acham é a moral e os bons costume (a "libertinagem") e o questionar da autoridade (a "anarquia"), para dar dois exemplos.
E chego a essa conclusão por duas ordens de razões. Por um lado, porque tenho dificuldade em compreender que alguém possa ter fascínio por tiranias e devoção por tiranos quando são tão visíveis as consequências da privação das liberdades, dos abusos de autoridade, da violência contra os cidadãos, da intolerância das divergências e em última instância da pobreza ou mesmo da miséria que quase sempre resulta das tiranias que não desfrutam da "maldição dos recursos naturais".
E também porque compreendo melhor que essas criaturas rejeitem os excessos e os abusos da liberdade que frequentemente coexistem com a democracia e tenham dificuldade de aceitar racionalmente que a democracia não é perfeita e é simplesmente a forma de governo menos má ou, como concluiu Churchill, a pior com excepção de todas as outras.
Finalmente porque a evidência empírica parece mostrar que nas sociedades democráticas onde as diferenças ideológicas são mais exacerbadas e as guerras culturais entre os clãs mais intensas é o ódio a certas ideias e a certos valores que constitui o motor principal dos extremismos, mais do que a identificação positiva, isto é o amor, pelas tiranias.
2 comentários:
Caros senhores, a vossa argumentação é uma abóbora.
A ausência de “democracia” não é necessariamente uma tirania, como tentam fazer crer. Caso contrário, dos 879 anos que contamos como pátria, teríamos de considerar que vivemos 815 em “tirania”, o que é um absurdo gigantesco. Já quanto aos 64 anos restantes, onde se incluem os desatinos da Primeira República e a corrupção da Abrilada, têm em comum a tentativa de destruir Portugal – que finalmente foi alcançada. Foi para isto que serviu a “democracia”.
Liberdade não tem nada a ver com “democracia”. Hoje em dia, quanto mais se enche a boca com “democracia” cada vez existe menos liberdade – e é preciso ser muito abóbora para acreditar no contrário.
«Ódio que, em boa verdade, possivelmente não é tanto à democracia em si, mas às suas talvez inevitáveis consequências, nomeadamente as que essas criaturas abominam, como a relativização do que acham é a moral e os bons costume (a "libertinagem") e o questionar da autoridade (a "anarquia"), para dar dois exemplos.»
Sou capaz de dar razão ao ‘Impertinente’ no que se refere à “moral e os bons costumes”, mas no que se refere ao “questionar da autoridade”, nem pensar!
O que se observa nas democracias ocidentais é que o rebanho segue convictamente tudo aquilo que a televisão lhe puser à frente. Quem não o fizer, tende a ser cada vez mais ostracizado, despedido, e até impedido de exercer direitos básicos. Vimos bem isso durante a pandemia covideira. Em democracia, o autoritarismo das ditaduras é substituído por um autoritarismo mais dissimulado em que aqueles que controlam o fluxo da informação, que são aqueles que têm mais dinheiro, ditam as regras. Ou seja, substitui-se a ditadura do partido único por uma ditadura da oligarquia.
E nem sequer é garantido que, em democracia, as pessoas poderão contrariar livremente a narrativa instituída, como descobriram aqui em Portugal o André Ventura ou a Fátima Bonifácio.
Ainda assim, concordo que a democracia é preferível à ditadura, desde que haja realmente democracia, i.e. desde que haja liberdade de expressão e os direitos e deveres sejam iguais para todos os cidadãos. Faço notar que não é isso que temos aqui em Portugal, nem em muitos países ocidentais que se dizem democracias!
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