Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

21/05/2022

A história do Portugal dos Pequeninos, o século XXI não é assim tão diferente do XIX (5)

 Continuação de (1), (2), (3) e (4)

Lendo «O Fundo da Gaveta» de Vasco Pulido Valente, dei comigo a pensar que, mudando a época, as modas e os protagonistas, o Portugal do século XIX me faz lembrar o Portugal da III República. Nos posts desta série cito algumas passagens que mais intensamente evocam essa ideia.

Os interesses, sempre os interesses

O Estado não apenas servia ou patrocinava certos interesses privilegiados, constituía ele próprio um conjunto autónomo de interesses, concorrente com os outros.

Aqui há uma nova confusão. Compreende-se que os agentes económicos auto-suficientes e as profissões liberais que não precisavam de empregos públicos experimentassem uma acentuada relutância em sustentar uma administração que lhes parecia hipertrofiada e inútil e que, além disso, pesava sobre o mercado de capitais. O programa acentua que a carga fiscal «obstava à formação de riqueza» e «castigava o esforço produtivo» e que muitos «estabelecimentos)) e «companhias» estavam a sofrer com as dificuldades do «crédito» (ie., com a subida da taxa de juros) e se arriscavam a um «abalo» ou ao <<aniquilamento», se as coisas não mudassem depressa. A vontade de não permitir que os clientes do Estado o governassem não espanta naqueles que pagavam a conta sem receber de volta coisa nenhuma. Consegui-lo era mesmo a condição indispensável à maioria das reformas que propunham. Nunca um Parlamento de funcionários consentiria em extinguir, a título de poupança, o Tribunal de Contas, o Conselho de Estado e os Conselhos Superiores dos ministérios; em restringir os quadros das secretarias, do exército e da marinha; em baixar os «vencimentos excessivos»; e em proibir as acumulações e gratificações. Acima de tudo, nunca permitiria uma autêntica descentralização que a inteligência revolucionária do tempo imaginava ser a panaceia universal. Limitar a «oligarquia» do Estado, reduzir o Estado a proporções toleráveis e contrariar o seu «absolutismo» exigia uma maioria de deputados sem ligações com ele. Mas esse propósito não se percebe da parte da cauda plebeia do movimento oposicionista, onde proliferavam os pequenos funcionários ou aspirantes a funcionários.

(…)

O défice, sempre o défice

Pelo contrário, a necessidade de combater o défice ou de, pelo menos, parecer que o combatia, levou-o a restringir o programa de extensão da rede viária; e a dispensar «operários» das empresas do Estado e muitos pequenos funcionários.

[Do capítulo Ressurreição e morte do radicalismo (1864-1870)]

(Continua)

Sem comentários: