Lendo «O Fundo da Gaveta» de Vasco Pulido Valente, dei comigo a pensar que, mudando a época, as modas e os protagonistas, o Portugal do século XIX me faz lembrar o Portugal da III República. Nos posts desta série cito algumas passagens que mais intensamente evocam essa ideia.
A retórica, sempre a retórica, e o reformismo que só
poderia vir de fora
Mas não havia nas Necessidades um grupo organizado capaz
de tomar o poder. Dos jacobinos franceses, os jacobinos portugueses só tinham a
retórica. (…)
Com a «pátria em perigo», decapitavam o partido
constitucional e entregavam o futuro aos bons ofícios do rei, a cujo retrato
fizeram comovedoras manifestações. Pior: no momento em que se propunham
resistir, pretendiam também conciliar. Parte da impopularidade do Governo vinha
das medidas repressivas, aliás brandas, com que tentara meter na ordem as
franjas mais lunáticas do radicalismo urbano.
(…)
Este fracasso foi o verdadeiro fim do reformismo, que só
podia vir de fora. As reformas fiscais, económicas, administrativas e militares
dependiam de uma prévia reforma política. Sem ela, a inércia e os interesses
instalados impediriam qualquer tentativa de mudança. Palmela e Subserra ficaram
reduzidos à deprimente tarefa de gerir o caos e a miséria. Vila Franca nem
ressuscitara a antiga monarquia, nem gerara uma via média «razoável». Produzira
apenas um absolutismo mitigado, menos despótico do que arbitrário e, na
essência, moribundo.
[Do capítulo A contra-revolução (1823-1824)]
(Continua)
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