«Com a viragem do milénio quis a providência que as sementes do pós-modernismo, semeadas em Paris a partir dos anos 70 do século anterior, germinassem, com o surpreendente propósito de abolir a realidade e instituir o império das narrativas. Escusado será dizer que a novidade, importada via universidades americanas, encontrou entre nós o ecossistema ideal, pois não há povo mais farto da realidade que os portugueses, por muito boas razões.
Num país em que a falta de produtividade é relativamente compensada pelo pleno emprego e por vidas sacrificadas ao trabalho, as classes palradoras, acolitadas pelas universidades e departamentos de ciências sociais, descobriram, renovada, a nossa inclinação ancestral e vivem num mundo de narrativas e representações, como eles dizem, agora com o respaldo das civilizações superiores. Antigamente, a investigação era uma atividade de resultado relativamente incerto, que supunha integridade e abertura ao desconhecido; agora, consiste numa violentação da realidade para dela extrair a murro a comprovação dos preconceitos da narrativa. Se fulano, sobrevivência da modernidade, falar em atraso, beltrano, flor da pós-modernidade, pergunta: o que é “atraso”? Para quê vencer o atraso se podemos desconstruir o atraso?»
Sérgio Sousa Pinto, excerto de Os assassinos de planetas
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