«Os fatores que podem provocar um aumento de preços são tendencialmente em número infinito. “Se qualquer destes fatores for acompanhado de um aumento da massa monetária, haverá inflação; se tal não acontecer, não poderemos imputar-lhe essa responsabilidade.”
O aumento da massa monetária, ou da moeda em circulação, é o combustível sem o qual o aumento dos preços não poderá ganhar sustentação, acabando por retroceder (com custos, evidentemente, em que não é possível descartar a desaceleração temporária do crescimento económico, no limite, a retração temporária do PIB e do próprio emprego). Ora, como todos sabemos, moeda em circulação é o que o Mundo tem mais, hoje em dia, num processo iniciado há vários anos e intensificado, em larga escala, com o surgimento da pandemia e o aumento das dívidas públicas, financiadas pelos bancos centrais.
A pandemia foi “a cereja em cima do bolo”. Ao mesmo tempo que contraiu a produção e a oferta de bens e serviços, fez aumentar a massa monetária. Durante algum tempo, os detentores desta massa monetária dispuseram-se a pagar (taxas de juro negativas) para continuarem a detê-la, não a gastando. Entenderam ter chegado o momento de começarem a gastá-la. Temos inflação.
Encontramo-nos num momento de grandes decisões. Dando curso à tendência habitual para nos sossegarem, e nos diminuírem, infantilizando-nos, a generalidade dos políticos, alguns governadores de bancos centrais incluídos, dizem-nos que o fenómeno é passageiro, não havendo razões para alarme. Não é verdade. Ou se inicia um processo de retração da massa monetária, começando por subir as taxas de juro, ou a inflação tornar-se-á imparável. Falta decidir, e agir, se a orientação vier a ser a de assegurar a estabilidade dos preços.
À nossa escala, num registo mais prosaico, tivemos uma manifestação exemplar desta “lei de ferro” da Economia. Acompanhou a adoção do salário mínimo em 1974 — implicando um aumento salarial considerabilíssimo, que um grande número de empresas nunca poderia acompanhar e de onde só poderia resultar o encerramento de muitas destas empresas, com consequente retração do produto e do emprego.
É por isso que a imposição do salário mínimo, em 1974, obrigou à publicação não de um mas de três diplomas legais, com poucos dias de distância entre eles. O primeiro decretou o salário mínimo. O segundo decretou que, quando uma empresa não tivesse tesouraria para pagar o salário mínimo, os bancos eram obrigados a financiá-la. O terceiro decretou que, quando os bancos não tivessem tesouraria para proceder a este financiamento, o banco central era obrigado a refinanciá-los. O Banco de Portugal foi obrigado a financiar os bancos, emitindo moeda, para que estes pudessem financiar as empresas, para que estas pudessem pagar o salário mínimo decretado pelo Governo... Sem estes três diplomas, “a maionese não teria prendido” e o salário mínimo teria acabado num decréscimo mais acentuado do PIB do que acabou por ocorrer em 1974 e 1975 e num ainda maior aumento do desemprego.
Não houve desemprego mas houve inflação, reduzindo o salário mínimo, em termos reais, ao que a economia portuguesa podia comportar, nesse momento. A realidade acaba sempre por se impor.»
Excerto de O regresso da inflação, Daniel Bessa no Expresso
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