Recapitulando: o governo Barroso inventou e os governos Sócrates desenvolveram um expediente miraculoso para praticar preços políticos da electricidade, ao mesmo tempo que aparentemente liberalizavam o mercado. A coisa chama-se défice tarifário e corresponde à diferença entre os custos de produção e a facturação dos produtores. O milagre consiste em os produtores contabilizarem como rendimentos a facturação acrescida do défice tarifário e, consequentemente, os preços subsidiados não afectam os seus lucros e os consumidores ficam felizes porque pagam a electricidade abaixo do seu custo. Os produtores vão contabilizando no seu activo esses «défices tarifários» que no final são créditos sobre alguém que um dia vai pagar e podem titularizar esses créditos transferindo-os para um banco e recebendo-os o seu valor com um desconto.
Este é um tema geralmente ignorado ou mal tratado por ignorância ou desvirtuado intencionalmente porque não há muitas pessoas que se atrevam a desafiar o lóbi da energia. Uma delas é Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia, e outra é Clemente Pedro Nunes, professor do IST e especialista em energia, de quem cito uma vez mais um seu artigo (O Sistema Elétrico Português: e a catástrofe continua…)
Era pois previsível que, quando em 2007 o Governo de José Sócrates decidiu basear o Sistema Elétrico Português em potências intermitentes, eólicas e solares, se estava a criar um “monstro” com implicações muito negativas, tanto tecnológicas como económicas.
Note-se que, para garantir a rentabilidade dos investidores nestas potências elétricas intermitentes, foram-lhes atribuídas as designadas FIT-Feed In Tariffs, que são na prática tarifas políticas com preços garantidos e que proporcionam, além disso, uma “reserva de mercado”. Ou seja, asseguram a estes investidores uma remuneração fixa sempre que haja uma produção da eletricidade intermitente.
Assim, estas “tarifas políticas” obrigam a que sejam os consumidores a garantir a estabilidade do Sistema Elétrico.
Note-se que, para garantir a rentabilidade dos investidores nestas potências elétricas intermitentes, foram-lhes atribuídas as designadas FIT-Feed In Tariffs, que são na prática tarifas políticas com preços garantidos e que proporcionam, além disso, uma “reserva de mercado”. Ou seja, asseguram a estes investidores uma remuneração fixa sempre que haja uma produção da eletricidade intermitente.
Assim, estas “tarifas políticas” obrigam a que sejam os consumidores a garantir a estabilidade do Sistema Elétrico.
Dadas as características físicas do Sistema Elétrico, isto significa que os custos de construção e operação das centrais térmicas de backup, indispensáveis para evitar “apagões”, são transferidos para a Rede, através das tarifas a cobrar aos consumidores.
Estas centrais, para fazerem o backup às potencias intermitentes, são obrigadas a fazerem sucessivos pára / arranca, o que torna extremamente cara e ineficiente a respetiva operação.
Os elevados sobrecustos desde Sistema levaram logo em 2008 ao primeiro “Choque tarifário”, quando os aumentos do preço de eletricidade, então propostos pela ERSE, foram considerados pelo então ministro Manuel Pinho como “politicamente inaceitáveis”.
Para ultrapassar este impasse, que pelo meio levou na altura à demissão do presidente da ERSE, criou-se uma “originalidade portuguesa”: os produtores de eletricidade intermitente continuaram a receber pontualmente as tarifas previstas nas FIT, mas os consumidores iam pagando o sobrecusto “a prestações nos anos seguintes”, obviamente acrescentados dos juros e comissões bancárias aplicáveis...
Foi assim que se criou a famigerada “Dívida Tarifária do Setor Elétrico”!
Aquando da intervenção da Troika, esta situação suscitou as maiores dúvidas, tendo o Governo português acordado em 2011 que a Dívida Tarifária teria de ser paga até 2020.
Apesar desse compromisso, a Dívida Tarifária não foi eliminada em 2020, embora o respetivo valor tenha entretanto vindo a diminuir.
Só que, para grande surpresa dos observadores do mercado elétrico, a ERSE propôs em Outubro passado que a Dívida Tarifária venha de novo a subir drasticamente para 2.000 milhões de euros em 2024.
Certamente para evitar uma reação negativa por parte dos consumidores/ eleitores, a ERSE terá optado por aliviar os preços da eletricidade em 2024, sobrecarregando-os depois nos anos seguintes.
Note-se que a responsabilidade pelo pagamento da Dívida Tarifária é dos consumidores portugueses e não do Estado, sendo todavia o Governo quem, por Decreto, garante aos bancos que os consumidores irão pagar.
É óbvio que o reiterado recurso a esta “manipulação financeira” é uma consequência direta de se basear o nosso Sistema Elétrico em potências intermitentes protegidas por tarifas políticas e com “reserva de mercado”.
Infelizmente este novo agravamento da Dívida Tarifária para 2024, que na prática faz tábua rasa dos compromissos assumidos pelo Governo em 2011 perante a Troika, ameaça aumentar ainda mais nos próximos anos.
Três fatores contribuem para este futuro cenário muito pessimista:
1 – Com a decisão de encerrar as Centrais a Carvão em 2021, Portugal ficou dependente apenas das centrais a gás natural como “último recurso” para evitar apagões. Ora o gás natural é bastante mais caro, e o respetivo preço é muito mais vulnerável a crises geopolíticas;
2 – Essa limitação do backup nacional é diretamente responsável pelo aumento drástico das Importações líquidas de Eletricidade que atingiu já, em 2022, o valor recorde de 1.695 milhões de euros, prejudicando também a nossa Balança Externa.
3 – O Governo português tem anunciado um leilão de potências eólicas offshore intermitentes, novamente com a proteção de tarifas políticas com “reserva de mercado”.
E existe ainda a expectativa de vários agentes do mercado de que sejam também concedidas tarifas políticas, com reserva de mercado, à eventual produção de eletricidade a partir de “hidrogénio verde”.
As consequências de tais políticas sobre o preço da eletricidade produzida em Portugal ameaçam ser devastadoras.
Até onde irá subir a Dívida Tarifária do Setor Elétrico?
O que fará a Comissão Europeia sobre uma situação que choca frontalmente com a saudável concorrência que promove a otimização tecnológica, e que é a base do sucesso da Economia Social de Mercado?
Urge interromper esta corrida para o abismo.
Assim o exige uma Democracia de Qualidade.»
Estas centrais, para fazerem o backup às potencias intermitentes, são obrigadas a fazerem sucessivos pára / arranca, o que torna extremamente cara e ineficiente a respetiva operação.
Os elevados sobrecustos desde Sistema levaram logo em 2008 ao primeiro “Choque tarifário”, quando os aumentos do preço de eletricidade, então propostos pela ERSE, foram considerados pelo então ministro Manuel Pinho como “politicamente inaceitáveis”.
Para ultrapassar este impasse, que pelo meio levou na altura à demissão do presidente da ERSE, criou-se uma “originalidade portuguesa”: os produtores de eletricidade intermitente continuaram a receber pontualmente as tarifas previstas nas FIT, mas os consumidores iam pagando o sobrecusto “a prestações nos anos seguintes”, obviamente acrescentados dos juros e comissões bancárias aplicáveis...
Foi assim que se criou a famigerada “Dívida Tarifária do Setor Elétrico”!
Aquando da intervenção da Troika, esta situação suscitou as maiores dúvidas, tendo o Governo português acordado em 2011 que a Dívida Tarifária teria de ser paga até 2020.
Apesar desse compromisso, a Dívida Tarifária não foi eliminada em 2020, embora o respetivo valor tenha entretanto vindo a diminuir.
Só que, para grande surpresa dos observadores do mercado elétrico, a ERSE propôs em Outubro passado que a Dívida Tarifária venha de novo a subir drasticamente para 2.000 milhões de euros em 2024.
Certamente para evitar uma reação negativa por parte dos consumidores/ eleitores, a ERSE terá optado por aliviar os preços da eletricidade em 2024, sobrecarregando-os depois nos anos seguintes.
Note-se que a responsabilidade pelo pagamento da Dívida Tarifária é dos consumidores portugueses e não do Estado, sendo todavia o Governo quem, por Decreto, garante aos bancos que os consumidores irão pagar.
É óbvio que o reiterado recurso a esta “manipulação financeira” é uma consequência direta de se basear o nosso Sistema Elétrico em potências intermitentes protegidas por tarifas políticas e com “reserva de mercado”.
Infelizmente este novo agravamento da Dívida Tarifária para 2024, que na prática faz tábua rasa dos compromissos assumidos pelo Governo em 2011 perante a Troika, ameaça aumentar ainda mais nos próximos anos.
Três fatores contribuem para este futuro cenário muito pessimista:
1 – Com a decisão de encerrar as Centrais a Carvão em 2021, Portugal ficou dependente apenas das centrais a gás natural como “último recurso” para evitar apagões. Ora o gás natural é bastante mais caro, e o respetivo preço é muito mais vulnerável a crises geopolíticas;
2 – Essa limitação do backup nacional é diretamente responsável pelo aumento drástico das Importações líquidas de Eletricidade que atingiu já, em 2022, o valor recorde de 1.695 milhões de euros, prejudicando também a nossa Balança Externa.
3 – O Governo português tem anunciado um leilão de potências eólicas offshore intermitentes, novamente com a proteção de tarifas políticas com “reserva de mercado”.
E existe ainda a expectativa de vários agentes do mercado de que sejam também concedidas tarifas políticas, com reserva de mercado, à eventual produção de eletricidade a partir de “hidrogénio verde”.
As consequências de tais políticas sobre o preço da eletricidade produzida em Portugal ameaçam ser devastadoras.
Até onde irá subir a Dívida Tarifária do Setor Elétrico?
O que fará a Comissão Europeia sobre uma situação que choca frontalmente com a saudável concorrência que promove a otimização tecnológica, e que é a base do sucesso da Economia Social de Mercado?
Urge interromper esta corrida para o abismo.
Assim o exige uma Democracia de Qualidade.»
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