De vez em quando, Clara Ferreira Alves, aka Pluma Caprihosa, resgata as suas obsessões cosmopolitas e as suas derivas socratistas e faz uma autópsia do Portugal dos Pequeninos e das suas elites emproadas e merdosas escrevendo uma peça lúcida e implacável como esta, de que cito alguns excertos.
«Se amanhã o ‘Brexit’ se invertesse e regressasse a liberdade de circulação dos europeus, todos sabemos o que iria acontecer. Uma massa juvenil oriunda da Europa do Sul e do Leste voltaria a tentar emigrar para Inglaterra e sobretudo para Londres. Não vemos por aqui muitos holandeses ou nórdicos, ou alemães. E não os vemos porque estudam e ficam nos próprios países, que lhes oferecem condições de trabalho e os inserem na comunidade do trabalho, oferecendo-lhes uma vida onde uma habitação e um salário decente não são uma miragem.
Todos sabemos o que se passa em Portugal e o novíssimo Livro Branco (Organização Internacional do Trabalho, Observatório do Emprego Jovem, Fundação José Neves) sobre o emprego jovem confirma a intuição. Portugal é um país de velhos e imigrantes de países miseráveis, ou de investidores, pensionistas e nómadas com proventos que rendem mais num país com sol e mar que atrai quem deseja vida de luxo num poiso barato e com menos impostos. Serão servidos pelos jovens qualificados e com cursos superiores que trocaram o call center, a caixa do supermercado e o tuk-tuk pela “hospitalidade”, nome do emprego sazonal e com contrato a termo onde os jovens são carne para canhão. Ao cabo de seis meses são despedidos. Num destes lugares disse-me um rapaz com olhos cansados, “Portugal já deu o que tinha a dar”.
Sobram os infinitos graduados nesses cursos de extorsão dirigida a pais ingénuos, os cursos de Ciências da Comunicação, que ninguém sabe em que consistem, e de Comunicação e Marketing. Estes nem os call centers os querem, recusados por excesso de qualificações. Aos 30 anos, a amargura instalou-se.
As exceções? Os filhos de pais ricos, os filhos de família com cunhas e empregos à espera, independentes de qualificações. (...)
Era isso ou, com o curso e qualificações que tinha, ficar no país a trabalhar para os chineses e os angolanos, “meter uma cunha” ou inscrever-se num partido, arranjar um protetor, colar uns cartazes e arrastar-se até arranjar uma sinecura disfarçada de paixão política. Os partidos são dinásticos, os filhos dos dirigentes têm empregos, públicos, a maior parte, e privados, por tráfico de influências. Alguns destes jovens são qualificados, mas não tiveram de se esforçar ou de emigrar. Como em tudo há exceções, e existem sucessores de dinastias que trabalham mais do que toda a gente para preservar o que herdaram e não estragar a obra dos fundadores. Mas a exceção apenas confirma a regra, em Portugal, os bons empregos têm os nomes nas cadeiras. Mesmo na academia, e no mérito, o tráfico de influências existe e prospera.»
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