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19/08/2019

Crónica da avaria que a geringonça está a infligir ao País (201)

Outras avarias da geringonça e do país.

As greves e manifs são legítimas? Depende

A greve dos motoristas de matérias perigosas fez desaparecer os combustíveis de algumas bombas e fez aparecer as verdadeiras faces de alguns políticos e das organizações que os albergam.

Dos políticos, saliento o primeiro-ministro que proferiu pelo menos dois pensamentos só à primeira vista surpreendentes. «O interesse do país nunca tira férias» disse o que foi de férias no pico dos incêndios onde morreram dezenas de pessoas por incúria e incompetência da administração de que ele é o chefe. E, ao defender que «em democracia não há direitos absolutos», confirmou-nos que não é um democrata, o que alguns de nós já tinham percebido, mostrou-nos a sua mão dura na requisição civil e, claro, deixou-nos o aviso que, se lhe der jeito e o deixassem, seria bem capaz de reinstaurar a censura, sem grande oposição em geral e no meio jornalístico em particular, salvo algumas raras almas que classificam a acção do governo na greve como «Agit-prop sem vergonha nenhuma».

Das organizações políticas, além do PS, cujo governo colocou a administração pública ao serviço do «patronato» na distribuição de combustível, e da hipocrisia habitual dos mutantes berloquistas, saliento o caso do PCP e do seu braço sindical CGTP que retomaram o papel de sabotadores de greves que já tinham assumido há 45 anos. Durante o PREC, fizeram-no por controlarem o governo e o país de onde resultava que todas as greves que não fossem da sua iniciativa eram anti-patrióticas. Agora reincidiram, com menos razões porque já não controlam o país e cada vez menos o aparelho sindical e o seu móbil foi apenas sabotar o sindicato concorrente sentando-se ao colo do «patronato».

Fumamos, mas não inalamos

Fumei, mas não inalei, foi o que disse Bill Clinton a propósito da sua relação dos tempos da universidade com a Marijuana, relação que antecedeu a outra com Miss Lewinsky no gabinete oval - a este respeito não resisto a invocar a tese de há 16 anos do outro contribuinte sobre a ligação deste caso com a segunda intervenção americana no Iraque.

Pois bem, o camarada Jerónimo fez-me recordar o fumei, mas não inalei quando, depois de quatro anos de ménage a trois (ou a quatre se incluirmos o apêndice PEV), declarou peremptoriamente «não há nenhuma maioria parlamentar nem nenhum Governo de esquerda ou de maioria de esquerda. Não há Governo apoiado pela CDU». O que me leva a outra recordação, a da piada de Benjamin Disraeli a propósito das estatísticas, que adaptada daria neste caso algo como: há três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e mentiras dos comunistas.

Paz social

Contrastando com a greve dos motoristas de matérias perigosas, a paz social foi abalada em pleno mês de Agosto com duas outras greves a que ninguém ligou peva. A greve de cinco dias dos conservadores e técnicos dos registos e notariado, abençoada pela CGTP, e a greve às horas extraordinárias (sempre achei estas greves extraordinárias) dos estivadores no terminal de contentores de Sines, promovida por um sindicato independente, com virtualidades de ter um enorme impacto na movimentação de carga e a levar o operador a não fazer os investimentos já previstos, sem que o Dr. Costa e os seus ministros manifestassem qualquer preocupação (eleitoral).

Cuidando da freguesia eleitoral

Por falar em preocupação eleitoral, a freguesia da geringonça não só merece cuidados redobrados ao governo como é mais um universo em expansão. Nos quatro anos terminados em Junho, o governo socialista colocou 35.732 utentes no aparelho administrativo do Estado e está quase a repor a redução que o governo "neoliberal" impôs à freguesia.

A família socialista tem imenso jeito para o negócio

As empresas da família da ministra da Cultura fecharam mais dois contratos por ajuste directo com a câmara de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Não é só um problema ético é também um problema legal porque lei proibe os contratos com o sector público às empresas detidas em mais de 10% por familiares de pessoas com cargos políticos.

«Em defesa do SNS, sempre»

Como exemplos do mote da secretária-geral adjunta do PS, tivemos nos últimos dias os hospitais de Beja e Portalegre sem Urgência de Ginecologia e Obstetrícia, urgência que se «esfumou» como, nas palavras do presidente da câmara de Beja o «projecto para desmantelar aviões na base de Beja». «Maternidade de Beja encerrada, demissão na MAC, lotação esgotada em Santa Maria e falta de médicos a sul», informa-nos o Expresso. Tivemos também a confirmação de que as dívidas aos fornecedores do SNS continuam a crescer.

Estado Sucial Simplex

Ainda não se desfizeram as bichas para renovar o Cartão de Cidadão e já as do IMT dão a volta ao quarteirão, como escreve o Expresso «Um dia inteiro começado de madrugada para cancelar a matrícula do automóvel».

Boa nova

Foi uma semana tão preenchida com o aproveitamento da greve para mais um Zugzwang, desta vez ao Dr. Pardal e, indirectamente, aos dois zombies que ocupam a liderança da oposição, que quase não houve anúncios a não ser, à falta de melhor, um investimentozeco de 1,5 milhões em regadio. Já as más notícias que se sequem às boas notícias não suscitam quase atenção da imprensa amiga, como, por exemplo, nenhuma seguradora parecer interessada em subscrever os seguros obrigatórios associados Programa de Arrendamento Acessível do sucessor oficioso de Costa que rivaliza com o outro programa só para Lisboa do sucessor oficial (ler aqui mais pormenores sobre o concurso de programas entre os dois sucessores).

Então não estamos a crescer mais do que a Óropa?

A resposta a esta angustiante pergunta é: depende de que Europa estamos a falar. Se estamos a falar da Europa rica, Alemanha, França ou Itália, estamos a crescer mais depressa. Se estamos a falar da Europa dos pobres e remediados de que fazemos parte - como sobreviventes do fassismo podemos comparar-nos com os sobreviventes do comunismo - a resposta é estamos a crescer menos do que as vítimas do colapso do império soviético e a Espanha vítima do franquismo.

Crescimento do PIB no 2.º T 2019 (adaptado daqui)
Não fora o turismo a compensar as exportações e já estaríamos patinar com as contas externas no vermelho. Ainda assim, apesar do número de turistas ter continuado a aumentar no primeiro semestre, o volume de receitas está a crescer a um ritmo mais baixo.

Falando ainda das realizações que o Dr. Costa se atribui a si próprio, como as taxas evanescentes da dívida pública portuguesa, reverenciadas todos os dias na imprensa amiga como sendo resultado da acção governativa, vejamos o contexto que o quadro seguinte mostra como sendo uma baixa generalizada em que Portugal aparece como o país da zona euro em que menos desceram os yields.

Economist
Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos

Infelizmente, os motores da nossa aparente prosperidade, que, insisto, o Dr. Costa apresenta aos crentes como sendo obra sua, dão cada vez mais sinais de ameaçarem gripar. Os yields negativos da dívida alemã (ver diagrama anterior) e da Suiça estão todos negativos (no primeiro caso até aos 30 anos e na segunda até aos 50 anos); nos Estados Unidos as taxas a 3 meses estão mais altas do que as de 10 anos o que historicamente tem sido um sinal avançado de recessão; o dólar valoriza-se como moeda de refúgio face à maioria das outras moedas, o mesmo se passa com o ouro; ao contrário as cotações do cobre - um indicador do crescimento industrial - estão a descer, o mesmo com os preços do petróleo apesar dos problemas com o Irão. Tudo isto num contexto de tensões comerciais com o risco de apressar o inevitável fim de um ciclo de crescimento.

E o que tem feito o governo socialista para prevenir um futuro incerto? Segundo as estimativas do Expresso, que pela sua tendência para a reverência é uma fonte credível quando se torna irreverente, os orçamentos desta legislatura são os que menos contribuíram para o crescimento económico futuro, devido ao menor peso das despesas pública de longo prazo, como educação, transportes, comunicações, protecção ambiental e I&D.

No lugar do Dr. Costa, mandaria o departamento de agitprop socialista começar a rever o argumentário que serviu para explicar o resgate de 2011 para justificar em breve o fim da bonança.

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