André Carrilho |
A coisa foi até ao Supremo Tribunal Administrativo que decidiu assim
«(...) apresenta-se [...] como não comprovada a alegação dos Requerentes [da providência cautelar] quanto à sua suposta representação da maioria dos descendentes vivos (bisnetos) do escritor em oposição à trasladação dos seus restos mortais.
Tem-se por irrelevante, para a presente decisão, a suposta vontade do escritor (que, aliás, não se vê claramente manifestada) (...)» (fonte)
Em linguagem vernacular, o STA entendeu que os herdeiros que se opuseram não provaram que o seu avô teria achado abominável à trasladação. Ora aqui é que bate o ponto, porque (agora em juridiquês) estamos perante um caso evidente de inversão do ónus da prova, quando um escritor que escreveu a propósito da mediocridade dos antecessores dos políticos que o querem agora enfiar no Panteão e sobre as instituições políticas do Portugal dos Pequeninos coisas como as que a seguir cito, só poderia achar abominável que tais políticos e instituições decidissem o destino do seu cadáver e o encerrassem num edifício em tempos sujeito a obras de Santa Engrácia.
«Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.»
«Este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.»
«Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o Estadista. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?»
«Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo; tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e olhos para ele, como para uma Providência sempre presente.»
Se isto não chegar, atente-se que Eça co-autorou As Farpas e leiam-se ao acaso algumas das cerca de 600 páginas da compilação por Maria Filomena Mónica editada pela Associação Portuguesa de Imprensa.
2 comentários:
Desconheço em pormenor a biografia. Foi embaixador, é um cargo do estado, poderá considerar-se um hipócrita????
Poderá considerar-se um hipócrita? Poder pode. Contudo, parece pouco provável visto que durante a maior parte da sua vida denunciou o Estado que lhe deu emprego e os parasitas que ocupavam esse Estado. Estou mais inclinado a considerá-lo com uma criatura desalinhada com uma coragem invulgar.
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