«Como se não houvesse já um abuso generalizado da recolha de imagens no espaço público e a absoluta ausência de verificação da legalidade dos sistemas (graças à diluição de competências da autoridade responsável), o Governo demissionário quis criar uma verdadeira sociedade controlada, à boa imagem da ditadura chinesa. Para isso tentou passar uma lei absolutamente abusiva que só se alterou na especialidade graças à quantidade de pareceres humilhantes que recebeu. Mas fica o registo da tentativa – e da aceitação acéfala – que a maioria dos deputados fez deste projeto que dava às forças de segurança o controlo de um dos melhores mecanismos para minar a democracia e as liberdades individuais.
O projeto foi reduzido à utilização de imagens recolhidas por drones e por agentes da autoridade no exercício de funções. Mas a verdade é que o número de câmaras no espaço público cresce sem controlo e pouco ou nada se sabe sobre a forma como os registos são armazenados – e esta lei, que agora foi aprovada, vem simplesmente agravar o problema. O texto é propositadamente ambíguo, para permitir interpretações que conduzam facilmente ao abuso das liberdades. (...)
Mas a lei original, que passou no Parlamento, era muito pior. A lei original tornava todo e qualquer espaço público alvo de videovigilância, sem respeito pelas liberdades individuais nem proteção dos cidadãos. Pior, permitia a que se usasse inteligência artificial e se fizesse a recolha de dados biométricos. (...)
Toda a discussão foi feita em tempo recorde, com desprezo absoluto pelos princípios democráticos. (...)
É difícil saber se os deputados deixaram passar este monumento à ditadura por absoluta ignorância ou por influência de um qualquer lobby securitário liderado por um ministério da Administração Interna que vê ameaças onde elas não existem. (...)»
António Costa, o inesperado big brother, Diogo Queiroz de Andrade no Jornal Eco
NOTA: Na verdade este episódio é principalmente vergonhoso para o PS (exceptuando Cláudia Santos e Isabel Moreira que votaram contra), cujo governo apresentou o projecto de lei. Mas não exclusivamente, porque, além das duas deputadas PS, só votaram contra a aprovação na generalidade BE, PCP, PEV e IL (ver Projeto de Resolução 119/XIV/1), uma votação que é um exemplo das limitações da visão unidimensional esquerda-direita.
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